quinta-feira, 9 de abril de 2015

116 – NÃO FOI NO GRITO.

BRASIL  em ABRIL de 1815 e 2015
ESCRAVIDÃO LEGAL no BRASIL e 
PROIBIDA em PORTUGAL
 Quando estudávamos direito Romano, na Universidade de Coimbra, lá nos ensinaram, que a escravidão era uma instituição injusta; que os argumentos dos Jurisconsultos Romanos, para provar a legalidade absoluta da escravidão, eram sofismasCORREIO BRAZILIENSE  VOL. XIV . Nº . 83. 3º vol.  p.535
Fig. 01 – A máxima romana “Pecunia non olet”[1] sustentava sorrateira e veladamente o tráfego humano. Subliminarmente continua, em abril de 2015, movimentando consideráveis fortunas

Quando um povo percebe que seu governo possui dois pesos e duas medidas antagônicas, diante mesmo problema, os súditos deste reino entregam-se ao artificio de multiplicar aos milhares os seus desmandos. Em abril de 1815 a escravidão era ilegal e punida em Portugal o que trazia dois pesos e duas medidas no reino lusitano.
Fig. 02 – Os soberanos europeus - reunidos no Congresso de Viena - tinham os seus prórios tronos solidamente alicerçados sobre o acúmulo de servos. Seria  um suicídio prescindir de uma tal que estrutura Formalmente pediram o fim da escravidão mas não encontraram nenhum meio prático para implementar este seu desejo político

Esta dicotomia e contradição formaram mais uma cunha para abrir uma linha de clivagem entre os dois povos. Linha de clivagem entre a realidade da política que reino de Portugal praticava no continente europeu e aquela praticada na América. Isto abria espaço pra que mesmo súdito real pudesse ter escravos no Brasil e ser proibido de tê-los em Portugal.  O silêncio, a omissão e a falta de um único pacto válido nos dois  lado do Atlântico foi um dos ensejos para que o Brasil levasse silenciosamente sua soberania como nação para as últimas consequência e sem retorno.
O Correio Braziliense reproduzia, em abril de 2015, a cultura oficial e jurídica britânica sobre o tema. Porém sem uma ação efetiva estas denúncias só aumentaram o patrulhamento e aceleraram os subterfúgios legais  dos senhores de escravos no Brasil para preservar o seu plantel e a sua fonte de renda.

 CORREIO BRAZILIENSE  DE ABRIL, 1815.
VOL. XIV . No . 83. 3 vol.  pp.535-540
Reflexoens sobre as novidades deste mez.
BRAZIL.
Commercio da escravatura.
No principio deste N°. trasladamos o resumo dos tractados concluídos cm Vienna, entre Portugal e a Inglaterra, a respeito do Commercio da escravatura. Damos estes documentos, taes quaes fôram apresentados pelo Ministério Inglez áo Parlamento, e da mesma fonte tiramos os outros papeis relativos as negociaçoens de Vienna, sobre o mesmo assumpto, que começamos a dar neste N°., e intentamos concluir no seguinte.
Fig. 03 – A degradação moral e humana dos dois lados do balcão dos leilões de escravos. O escravo perdia completamente qualquer possibilidade de deliberar e decidir pela sua inteligência, vontade e sentimentos Quem comprava o escravo renunciava ao trabalho, entregava-se e  acostumava ao ócio os seus braços, mente e sentimentos e como oficina de todos os vícios. O desenvolvimento autônomo brasileiro ainda é dominado por esta dupla heteronomia da inteligência, da vontade e dos sentimentos ambíguos.  

Quando estudávamos direito Romano, na Universidade de Coimbra, lá nos ensinaram, que a escravidão éra uma instituição injusta; que os argumentos dos Jurisconsultos Romanos, para provar a legalidade absoluta da escravidão, eram sofismas ; e que os Senhores Reys de Portugal gradualmente aboliram a escravatura no Reyno; porque se convenceram destas verdades. Isto, que ali nos ensinaram, continuou sempre a ser a nossa opinião, e cremos que he hoje em dia, a opinião de todos os homens desapaixonados, que reflectem nestas matérias.
Fig. 04 – Na dupla heteronomia da inteligência, da vontade ou dos sentimentos o escravo podia ser exibido pelo seu dono como um objeto de posse e de ostentação. Sêneca anotou (Da tranquilidade do ânimo, p. 08) [1] no auge do Império Romano que “me constrangem estes escravos vestidos com mais apuro e ouro do que para uma procissão

A questão pois se reduz a considerar o modo practico de remediar a injustiça, sem causar os males, que sao sempre de temer das mudanças repentinas, em medidas c estabelicimentos publicos de grande ponderação; sem ter para isso previamente preparado o espirito publico, couvencendo os individuos, antes de os obrigar a obedecer.
Julgamos, portanto que publicando estes tractados, e as negociaçoens de Vienna, que os precederam, fazemos ao listado, aquelle serviço, que de nossa parte eslá, que vem a ser dispór a opinião publica, para receber de bom grado estas medidas do Governo; e o fazemos de mui boa vontade, por estarmos persuadidos de sua justiça e utilidade.
Fig. 05 – Os representantes das religiões oficiais faziam parte integrante dos governos dos Estados que mantinham a escravidão legal. Os cativos eram compelidos a adotar a religião oficial do Estado que os escravizava e mantinham nesta condição.  

Naõ pretendemos convencer, nem dirigimos as nossas observaçoens, aos poucos individuos, que tem por officio o negocio dos escravo6: ganham a vida naquella sorte de emprego; e por tanto o prejuizo deve nelles ser a favor da escravatura ; porém as pessoas, que naõ estiverem preocupadas, olharaõ para isto com diferentes olhos.
Fig. 06 – Os “navios negreiros”  navegavam sob bandeiras de Estados que mantinham a legalidade da escravidão. Porém os seus proprietários e  armadores eram de países que abolido e perseguiam esta prática. Construídos ou adaptados para este tráfego humano eram velozes para a época para este transporte representar o menor custo e o máximo lucro possível. Apenas eram um elo entre a captura e o mercado de destino

Os Negociadores Portuguezes em Vienna, na supposiçaõ de que convinha aos subditos de seu Soberano obstar a repentina, ou ainda accelerada abolição da escravatura, desempenharam o seu dever de maneira, que merecem todo o louvor, argumentando com plausíveis raciocínios, oppondo-se aos seus antagonistas politicos com firmeza, e cedendo, quando éra necessário, sem comprometter a dignidade nacional.
Bem longe de seguir as máximas dos Negociadores dos tractados de 19 de Fevereiro de 1810, declararam nullo, o que se intitula de paz e amizade, e concordaram em reformar o outro, chamado reciproco de Commercio, substituindo-o por convençoens mais análogas aos interesses de ambas as naçoens.
Fig. 07 –O  tráfego humano sorrateiro determinava,  no mercado de destino, rapidamente uma maioria numérica e um potencial perigo. Assim havia a necessidade imediata de fazer desaparecer os sinais distintivos desta população. Estava-se, assim, as voltas com o mesmo  perigo do senador romano ao propor  roupas distintivas ao escravo. Proposição que foi imediatamente rejeitada pelo senado como perigosa e inconveniente para a continuidade da escravidão com um estatuto não escrito e nunca votado [1].

Assim, com ésta reprovação publica daquelles tractados, puzéram os Negociadores Portuguezes em Vienna, o cunho da autoridade á condemnaçaõ uniforme, que de todos os particulares tinham merecido aquelles tractados, desde que appareceram á luz do dia. He verdade que os fautores daquellas estipulaçoens fôram por esses desserviços premiados até com titulos e distinccoens honrosas; mas a abrogaçaõ dos tractados demonstra, quaes eram as honras, que elles mereciam. Os que combateram os tractados, naõ podiam alcançar maior victoria, do que vêllos revogados, e authenticamente reprovados, em menos de cinco annos, depois da sua assignatura.


[1] Sêneca conta que, uma vez, 
o Senado decidiu que os escravos deveriam vestir-se de modo especial, mas abandonou a ideia, pois, se os escravos tivessem noção de sua quantidade, ameaçariam o mundo de seus senhores”.
BIARD François-Auguste 1798-1882 - VENDA de ESCRAVOS 1862 p. 95
Fig. 08 – O leiloeiro oferecendo entre moveis e utensílios escravos e escravos observado, em 1858, pelo francês  François-Auguste BIARD 1798-1882 na sua imagem  “VENDA de ESCRAVOS” e publicado em Paris em 1862. A cena registrada, em 1858, retrata a frieza e ao mesmo tempo a legalidade deste “comércio” em pleno regime imperial brasileiro e cujos mentores e apoiadores não se desapegavam desta prática que davam suorte para  a coroa imperial brasileira.. Em abril de 2015 a diferença é que este hábito arraigado tomou outras formas legais e continua subliminarmente a movimentar fortunas. Hábito que se mistura com outras contravenções, falcatruas e corrupções fertilizadas pela falta de um pacto político, social e econômico

A negociação destes tractados, para a abolição do trafico da escravatura, trouxe com sigo a questão sobre os navios Portuguezes aprezados na Costa d'Africa, e cujas condemnaçoens estavam em processo de justiça. Os Negociadores tiiáram-se do embaraço, estipulando, que a Inglaterra daria a Portugal uma somma de 300.000 libras, para se indemnizarem os particulares donos dos navios, ou interessados nas negociaçoens, sem entrar na questão da legitimidade ou illegitimidade do aprezamento.
Isto quanto ao passado.
Fig. 09 – O uso da mão de obra escrava nas minas de ouro de aluvião do interior brasileiro mostra que existiam outras categorias além do escravo de ganho, da lavoura e trabalhos domésticos. A vigilância era redobrada e a rotatividade dos indivíduos era alta com o objetivo de não se constituir em categoria organizada

Quanto ao futuro; o tractado naõ especifica as medidas, que se devem adoptar para impedir que os Portuguezes trafiquem em escravos, fôra dos limites convencionados, nem os meios por que se deve evitar, que os corsários inglezes aprezem navios Portuguezes, que trafiquem em escravatura dentro dos mesmos limites: deixou-se isto para futuros arranjos; mas, no entanto, como se deffinio bem o limite da costa d'Africa aonde o trafico lie permittido, esta circumstancia obviará a maior parte das difiiculdades.
Fig. 10 – O tráfego de escravos estava muito longe dos olhares, ouvidos ou narizes dos Congressistas de Viena. O primeiro ponto era trazer ao mundo esta realidade abjeta e que ninguém queria ver muito menos enfrentar.. Realidade que toma e se esconde as mais variadas sombras,  formas e matizes para encobrir esta chaga viva aberta e dolorida e que continua subliminarmente continua movimentando fortunas em abril de 2015

No Congresso de Viena, em abril de 1815, os britânicos estavam fazendo jogo duplo. De lado interno a indústria necessitava a abolição da escravidão para colocar os seus produtos de suas novas máquinas. No lado oposto e externo os armadores ingleses fretavam os seus navios aos traficantes de escravos que as embandeiravam as bandeiras brasileiras e norte-americanas e assim os britânicos continuavam  a favorecer o tráfego ilegal do escravo.  
Fig. 11 – A pauta dos noticiários quotidianos continuam a priviligear e colocar em destaque os feitos ou desgraças dos governos e suas personagens de ocasião e que espalham nos amplos noticiários políticos, técnicos e militares. A pauta da escravidão e os seus mal feitos passou para a categoria da crônica policial e raramente ganha algum estatuto político, econômico ou humano. A escravidão e o colonialismo  toma forma e se esconde nas mais variadas sombras,  formas e matizes para encobrir esta chaga viva aberta e dolorida e que continua subliminarmente continua movimentando fortunas em abril de 2015 .

Chama atenção do pesquisador é a carência,  em abril de 2015, de uma literatura brasileira que vá direto para a raiz da heteronomia, do colonialismo ou da escravidão no Brasil. O que existe são  mitificações e generalizações. Mitificações que giram e que descambam ao redor do problema central. Proliferam títulos como a “CORDIALIDADE do HOMEM BRASILEIRO” ou da “HARMONIA entre CASA GRANDE e SENZALA” ou entre “SOBRADOS e MOCAMBOS”. Mitificações realizadas por descendentes de escravocratas.  Descendentes ou herdeiros que devem a raiz herança de suas fortunas ao trabalho servil. Isto se estes mesmos não tratam de censurar  eliminar e purificar os documentos que devem figurar em arquivos dignos deste nome.  Arquivos públicos concebidos previamente para não conter documentos que comprometam a “glória e a pujança do colonialismo e da escravidão brasileira”. Afinal para tão “nobres objetivos” é justificável, e necessário, censurar,  purificar e eliminar os documentos ou, então,  silenciar tudo o que possa fazer vacilar a propalada tese da “democracia racial”. Neste sentido o 7º e derradeiro aforismo do vienense Ludwig Wittgenstein “o que não poder ser dito deve ser calado[1] aparenta ser cínico. Contudo expressa os impasses diante do tema da escravidão e do colonialismo em abril de 1815. Silêncio conivente que continua a pairar sobre muitos discursos e orientá-los em abril de 2015
A falta de logística arquivística brasileira - em relação o tema do colonialismo e da escravidão -  permite, de um lado, o escamoteamento e a naturalização da verdade. No lado oposto esta lacuna - da memoria objetivada – permite o fluxo de combustível para a construção imaginária de uma mitificação das vítimas. Na vertente política este escamoteamento ou esta mitificação escancaram a torneira para o fluxo no qual os dois lados forjarem e se abastecem de desculpas, de toda ordem, para não pensar, projetarem construírem um autêntico e fundamentado pacto social, cultural e econômico brasileiro. Marc Bloch, um dos pais da História Contemporânea, apontou para a força determinante que um paradigma pré-existente no repertório e na mente de quem fala possui, escreve ou cria uma imagem.  Marc Bloch apontou (1976, pp. 60/61)  pouco antes de ser fuzilado, em 1944:
 A investigação histórica admite, desde os primeiros passos, que o inquérito tenha já uma direção. De início está o espírito. Nunca, em ciência alguma, foi fecunda a observação passiva. Supondo, aliás, que seja possível”. Marc Bloch 1976, pp. 60/61.[2].
O teste para esta direção preliminar da  narrativa falada, escrita ou icônica é a consulta ao documento, sua devida prova de veracidade e hermenêutica comparada e contextualizada com outras fontes.



[1] WITTGENSTEIN, Ludwig. (1889-1951)Tractatus Logico-Philosophicus. Trad. Luiz Henrique Lopes dos Santos. São Paulo: EDUSP, 1994
[2] - BLOCH, Marc (1886-1944)  . Introdução à História.[3ª ed] Conclusão de Lucian FEBVRE - .Lisboa :Europa- América  1976  179 p.

BIARD François-Auguste 1798-1882 -  ESCRAVOS TRANÒRTANDO um PIANO  1862 p. 91
Fig. 12 – O artista francês  François-Auguste BIARD - vindo ao Brasil em 1858  para ser professor da Imperial Academia de Belas Artes - nos dois anos que permaneceu nesta terra foi um observador implacável  de gente e de costumes. Os seis escravos carregando na cabeça um piano é uma metáfora da pouca distância física entre a cultura material do senhor e dos seus escravos. Porém a distância entre a cultura imaterial dos dois havia abismos.   O cultivo da música, das artes e das habilidades da dança foram uma das pontes cujos extremos tardaram a se conjugar num todo e que constituem  índices das potencialidades deainda longe de serem entendidas e aceitas por ambos os lados.

Ao forjar desculpas, de toda ordem, com o objetivo não declarado de contornar um autêntico e fundamentado pacto social leva a aditar estratagemas populistas. Estratagemas como as “cotas”, os “salários família” e a multiplicação de outros “toldos” de quilombos. “Toldos” nos quais se confina os verdadeiros vigiados como em “campos de concentração” de pessoas não desejadas pela elite dominante. Pessoas para as quais “DEVE-SE”  mostrar, antes de mais nada, “COMO É DIFÍCIL UMA CIVILIZAÇÃO e COMO PESA a NOBREZA HERDADA”. Assim se opera, na cultura, na sociedade e na economia brasileiras,  a “MUDANÇA sem NADA MUDAR” do colonialismo e onde a escravidão, arrastados séculos afora, continuam a ter o seu livre curso.

FONTES BIBLIOGRÀFICAS
BIARD François-Auguste (1798-1882) – Deux annés au Brésil. Paris: Hachette, 1862 680 p il
BLOCH, Marc (1886-1944)  . Introdução à História.[3ª ed] Conclusão de Lucian FEBVRE - .Lisboa :Europa- América  1976  179 p

SENECA, Lucio Anneo (4 a.C – 65 d.C) – De la Tanquilidad de Animo – Brasilia: Dominio Publico

WITTGENSTEIN, Ludwig. (1889-1951)Tractatus Logico-Philosophicus. Trad. Luiz Henrique Lopes dos Santos. São Paulo: EDUSP, 1994

FONTES NUMÉRICAS DIGITAIS
Leia os tratados de VIENA sobre a ESCRAVATURA em
CORREIO BRAZILIENSE de abril de 1815

ESCRAVIDÂO em ARISTÓTELES

Filme “QUILOMBO” direção de CACÁ DIEGUES

FRANÇOIS AUGUSTE BIARD: Dois anos de brasil
O livro
Foto de negros
Transportando um piano
Em imagens digitais

LIBERDADE como DIREITO de EXPLORAR o OUTRO

LIBERTAÇÂO
LIBERTAÇÂO da ESCRAVIDÃO

VENDA dos ESCRAVOS

 VIDEO NAVIO NEGREIRO NORTE-AMERICANO
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Referências para Círio SIMON






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