segunda-feira, 7 de novembro de 2016

144 - NÃO FOI NO GRITO

INTRIGAS de JORNAL e a CONVERSA de SURDOS entre o PODER POLÍTICO e o PODER ECONÔMICO.
A relação tumultuada entre o poder político e o poder econômico é tão antiga como a humanidade e cheia de desconfianças, traições, corrupções e de poucas luzes públicas.
Fig. 01 –  Os primeiros jornais impressos e divulgados pela primeira ERA INDUSTRIAL mereciam a mesma fé dada aos  textos sagrados e da erudição clássica. Na medida em que  o PODER POLÌTICO era inatingível, monocrático, hermético e sagrado  também a economia era controlada por este poder. Restava aos jornais, ao público e súditos investir pela especulação, por hipóteses absurdas e divagações cuja única prova era o SIGILO zelosamente guardado pelo poder político e econômico.   A proliferação de títulos e de jornais impressos investia contra o PODER instituído que se considerava de ORIGEM DIVINA e, portanto, inatingível.

Este espaço foi uma mina de ouro para os primeiros jornais da ERA INDUSTRIAL. Assim o CORREIO BRAZILENSE, de novembro de 1816, explorou este cenário por meio de um diálogo fictício entre o rei de Portugal- Brasil e Algarves e o seu ministro das Finanças.
Fig. 02 –  Os não convidados para os longos e caros “BEIJA MÃOS REAIS” e nem queriam ou tinha tempo para isto possuíam  uma fonte permanente de intrigas, de  maledicências e suspeitas em relação a aqueles que se prestavam para esta vassalagem Os investimentos econômicos, nestes faustosos eventos, tanto do trono como dos vassalos era matéria jornalística mais do que suficiente para intrigas, suspeitas ao gosto daqueles que liam e financiavam este tipo de imprensa. 
REYNO UNIDO DE PORTUGAL BRAZIL E ALGARVES.
Reflexoens sobre as Novidades deste Mez.

CORREIO BRAZILIENSE  DE NOVEMBRO, 1816. VOL. XVII. No. 102. 3 z
Miscelânea, p.661 até 667

Finanças do Brazil.

Se a abilidade de um individuo, de augmentar suas riquezas, fosse por si só bastante para qualificar alguém a ser administrador das finanças de um reyno, sem duvida Targini, Baraõ do quo quer que he que nos naõ lembra, devia reputar-se um excellente financeiro. He verdade, que poderíamos aqui applicar o rifaã Hespanhol "Quien cabras no tiene y cabritos vende de algures le viene." Targini escrevente do Erário, sem outros bens mais que o seu minguado salário, acha.se elevado a Thesoureiro-mor do Erário, Baraõ, e homem riquíssimo; administrando um Erário, que sempre se acha pobre. Ninguém dirá que estas matérias saõ segredo de Gabinete, que naõ convém que nenhum do povo examine.
Fig. 03 –  O Tesoureiro Francisco Bento Maria TARGINI era o culpado de tudo e de plantão. Enquanto isto o rei era sagrado, monocrático e  se confundia com Estado. Qualquer crítica pessoal ao soberano podia ser reprimida e castigada   severamente.  A alternativa era desgastar, desqualificar e investir contra a imagem de quem administrava os bens reais e da nação. Havia uma tropa  de pretendentes e de concorrentes ao cargo exercido pelo Visconde de São Lourenço.
 
O Erário he o deposita das contribuiçoens do povo: a bem do povo se devem empregar as suas rendas; o Erário rico pode gastar em cousas que enriqueçam a naçaõ; o Erário pobre naõ he capaz de promover os estabelicimentos nacionaes, que exigem despezas do Governo; logo as circumstancias, que occasionam a riqueza ou pobreza do Erário, naõ devem ser matéria de segredo de Gabinete, mas sim um ponto, em cujo exame pôde entrar todo o individuo da naçaõ ; porque a todos isto toca de mui perto.
Fig. 04 –  O Regente e depois Rei Dom João VI aproveitou os vastos conhecimentos e práticas de Francisco Bento Maria TARGINI como seu Tesoureiro. Este havia trabalhado para o Marquês de Pombal, depois para Maria I e enfrentou os gastos da transferência da corte ao Brasil tão bem como a montagem da corte no Rio de Janeiro.  Targini dominava várias línguas clássicas e modernas. Introduziu a filosofia de Kant em Portugal e traduziu para o português o Paraiso Perdido
Explicaremos, pois, o pouco que por agora intentamos dizer nesta matéria; suppondo que El Rey mandara chamar Targini, e tinha com elle uma conferência, sobre o estado actual do Erário; no que se passava o seguinte dialogo:
 Rey. Preciso de uma somma considerável para fortificar as fronteiras do meu reyno do Brazil, crear uma boa marinha de guerra, chamar para este paiz artistas e povoadores da Europa ¿diz.ei-me, Thesoureiro-mor, quaes saõ os restos das despezas, e as poupanças, que tendes feito nas minhas rendas?.
 Thesoureiro. Restos, Senhor! O Erário naõ tem um real; V. M. está pobre; as rendas naõ chegam para as despezas.
 Rey. ¿ Como pôde o meu Erário estar pobre, sendo eu o Soberano de um paiz, em que se produz o ouro, os diamantes, o assucar, o caffe, o arroz, o algodão, e tantos outros objectos preciosos e em tanta abundância, qqe nenhum outro paiz do mundo o excede ?
Thesoureiro. Senhor, tudo isso será assim, mas as despezas saõ tam consideráveis, que para ellas naõ chegam as reudas.
Rey. ¿ Quo despezas temos nós a fazer, que sejam mais consideráveis, que as de outros Estados de igual grandeza, (por exemplo os Estados Unidos) aonde o Erário naõ padece a pobreza, que aqui se allega ?
Thesoureiro. Os Estados Unidos naõ tem Casa Real que sustentem, nem o Clero, nem eutras muitas cousas, que nós cá temos.
Rey. Valha-me a fortuna; ahi vem as despezas da Casa Real em primeiro lugar; pois principiemos por diminuir estas. Eu commigo nao gasto mais do que outro individuo meu vassallo, e o que ha de mais he para sustentar o decoro da Coros, com criados, cavallos, carruagens, &c.; e ainda assim envergonho-me de ser puchado em uma carruagem velha, com duas mulas miseráveis, e dous lacaios esfaimados ; mas disso mesmo me quero privar, para dar o exemplo de economia ; e espero quo o meu Thesoureiro-mor fará o mesmo, largando metade do seu ordenado.
Thesoureiro. Deus tal nao permitia. Os ordenados das pessoas empregadas saõ mui tênues, a mal lhe chegam para viver.
Rey. Isso naõ pode ser; ¿ pois como ajuntastes riqueza para comprar casas, terras, e metter dinheiro nos fundos do Banco da Inglaterra, se o vosso ordenado vos nao chega para viver?
Thesoureiro. Senhor, ha outra cousa, que V. M. naõ repara, e he, a necessidade de sustentar a dignidade Real, com os criados, cavallos, carruagens, &c. ; e tudo isto requer despezas.
Rey. Ja me fallastes nisto outra vez. Eu estou capacitado de que todos os meus vassallos estimariam, que eu gastasse dobrada somma na sustentação da dignidade Real; porque isso mesmo he gloria e esplendor para o Reyno ; com tanto que se naõ dissipassem as rendas do Erário, que saõ applicaveis a ou. trás despezas publicas ; mas ja disse, que ainda assim, e para dar exemplo, quero diminuir essas despezas da Casa Real. Porém a questão he { como podeis vôs estar tam rico, oaõ teudo tido bens patrimoniaes, e dizereis ao mesmo tempo, que os ordenados apenas chegam para viver.
Thesoureiro. Senhor, eu naõ fallava de mim ; mas sim das despezas da Casa Real.
Rey. He ja terceira vez que fallacs nisso; estou prompto a diminuillas—que outras despezas ha que admitiam diminuição?
Thesoureiro. As despezas da Casa Real he certo que saõ mui consideráveis; porém eu naõ posso aqui de repente dizer, quaes sejam as outras que se possam diminuir.
Rey. Pois nem ao menos podeis dizer ¿, se podeis ou naõ dispensar parte do vosso ordenado ?

Thesoureiro. Se formos a bulir com tudo, por força havemos de diminuir também as despezas da Casa Real, e a minha lealdade e amor a V. M, naõ me permittem que pense em tal.
Rey. Uma vez por todas, eu sou o primeiro a querer diminuir as despezas de Casa Real; naõ me falleis mais nisso: saibamos quaes saõ os outros gastos,que se fazem, e podem admit. tir diminuição.
Thesoureiro. Eu, quanto mim, Senhor, ficarei sem nada, se V- M. assim o determina.
Rey. Tal nao desejo, quem serve deve ser pago. Mas dizci-me ¿ de que viveis, se vos naõ chegam os vossos ordenados, ou de que viviries se continuasseis a servir sem ordenado ?
Thesoureiro. Das minhas economias.
Rey. ¿Que economias pode fazer, quem naõ tem rendas para economizar ?
Thesoureiro. Eu cá me arranjaria com as minhas linhas.
Rey. Quizéra eu que applicasseis essas tinhas a traçar algum plano, para que os pagamentos andassem cm dia; e naõ fosse eu atormentado com ouvir fallar em rebates do que tem de pagar o Erário.
Thesoureiro. Senhor os rebates saõ necessários, e os rebatadores gente mui útil.
 Rey. Ao Erário naõ podem os rebatedores ser úteis; por que o Erário sempre paga a divida por inteiro.
Thesoureiro. Mas saõ úteis ao indivíduos a quem os rebatedores adiantam o pagamento, para depois o receberem do Erário.
Rey. Mas o credor do Erário quando rebate paga usuras horrorosas.
Thesoureiro. Isso naõ pode deixar de ser, pela incerteza em que está o rebatedor do tempo em que ha de receber a divida do Erário.
Rey. Eis ahi justamente o que Eu queria ver remediado; pois ainda que o Erário naõ pudesse pagar em dia, pouíam os pagamentos fazer-se por ordem alphabetica, datas, ou outras divisoens, demaneira que todos soubessem quando lhe cabia a sua vez de ser pago, sem que nem o Thesoureiro-mor, nem algum outro official do Erário pudesse fazer mercê ou injuria a ninguém com indevidas preferencias, de que se queixam todos, e Eu naõ sei, nem tenho meios de averiguar, se com razaõ ou sem ella.
Thesoureiro. Eu naõ posso impedir, que os calumniadores emas línguas faltem; nem está no meu alcance faz ar novos planos de finanças.
 Rey. Más línguas sempre houve no Mundo, mas he preciso, que se tirem os motivos de suspeita, estabelecendo tal ordem dos pagamentos, que ninguém possa fazer preferir os pagamentos de seus afilhados aos de outros que naÕ tem padrinhos. E quanto aos plano» a este respeito, eu devo espcrállos do Thesoureiro-mor ; porque o seu officio naõ he outro senaõ fazer os pagamentos do Erário em boa e devida forma.
Thesoureiro. Creia V. M. que tudo quanto se diz a respeito do máo arranjamento do Erário he sem fundamento. Só eu sei o que me custa alcançar o dinheiro para os pagamentos ; pois o Banco naõ me quer nunca ajudar; e até se me dificultam os saques para a Inglaterra.
Rey. Ouvi dizer, qne as ultimas letras, que daqui sacou o Erário sobre os Administradores dos Contractos Reaes em Londres, fôram sacadas a quasi 3 por cento mais caras, do que éra o preço do Cambio na praça { porque razaõ perdeo o Erário esta diferença.
Thesoureiro. Senhor as despezas da Casa Real obrigaram-me a fazer esses sacrifícios, para ter dinheiro com que as supprir.
Rey. ¿ Outra vez as despezas da Casa Real ?
Thesoureiro. V. M. prohibio-me que fallasse nas despezas da Casa Real, quanto ao futuro, mas isto he quanto ao passado, o que eu digo.
Rey. Quem foi o corretor, que negociou essas letras, com a differença de 3 por cento.
Thesoureiro. Eu naõ sei que houvesse tal differença de tres por cento.
Rey. Naõ vos pergunto isso; pergunto-vos quem foi o Corrector que negociou as letras.
Thesoureiro. Supponho, que foi Samuel.
Rey. Pois manda-me cá a Samuel, e lhe preguntarei se houve nas dietas letras a tal differença de 3 por cento demais do cambio corrente na praça; e se eu achar que tal differença houve; quero ser informado da razaõ.
Thesoureiro. Veja V. M. que se nos mettemos nisso, he preciso examinar as contas das despezas da Casa Real.
Rey. Pois bem; se eu achar, que todas as extravagâncias das despezas publicas, saõ para a Casa Real; como eu naõ tenho culpa diso, eu o direi publicamente ao meu Povo; e lhe declararei que tal naÕ he minha vontade, e elles me acredita, raõ : deixemos pois isso ; manda-me cá o Samuel, que quero examinar o negocio das letras.
Thesoureiro. Qual Samuel ?
Rey. Pois naõ me dissestes, que suppunhas que o Corrector das letras fora Samuel ? He esse Samuel quem eu quero examinar.
Thesoureiro. Naõ sei aonde está, uns dizem que foi para Inglaterra, outros que está doente; e outros . . .
Rey. Basta. Chegará o tempo de ajustarmos contas. Naõ digo que sejas culpado; porque se o pudera dizer, do meu dever fora castigar-vos; porém digo, que a repetição quo tendes feito, em fallar das despezas da Casa Real, e o naõ explicares o negocio das letras naõ he de quem sabe e entende da administração das rendas publicas ; mas sim de quem deseja embaralhar; e se naõ dereis disto a conveniente satisfacçaõ será preciso declarar-vos indigno do lugar que occupaes. Fazei publicas as publicas contas; e com isto mostrareis que entendeis do vosso officio, e que sois homem honrado; e senaõ cada um julgará o que lhe parecer.


O diálogo, reproduzido acima, não possui outra fonte e ninguém que o assine, a não ser o Redator do CORREIO BRAZILENSE. Este texto constitui uma amostra  espaço que foi uma mina de ouro para os primeiros jornais da ERA INDUSTRIAL. Os jornais a mídia do Brasil de novembro de 2016 continuam a explorar o pensamento que está atrás deste texto do diálogo fictício de novembro de 1816. Esta exploração é possível na medida em que se encontram ainda no mesmo  cenário armado graças a mesma opacidade entre o poder político, legislativo e econômico. Em relação a novembro de 1816 o cenário atual apenas criou outros véus. Os bancos ingleses agora são bancos  refugiados nas alvuras alpinas.
Fig. 05 –  O personalismo e o culto do EU absoluto, onipotente, onisciente e eterno estava distante de expressar uma política coerente com a vasta esfera politica lusófona expressa nas posses do Reino Unido Portugal, Algarves e Brasil. Na contramão desta unidade estava em marcha a ERA INDUSTRIAL e busca de mercados para as máquinas e a reserva de mercados e que em novembro de 2016 formam um imenso bazar planetário Os meios de comunicação continuam a jogar as intrigas entre o mundo político e econômico para gaudio de massas humanas cada vez mais numerosas e cada vez mais domesticadas entre o terror e as recompensas materiais possíveis nestes territórios em migalhas.

De outro lado o uso da imprensa e dos meios de comunicação não menos opacos. Nesta semiescuridão arma-se espaço para o jogo cênico e cínico de interesses que o leitor não possui meios de averiguar. Especialmente no regime monocrático, centralista e personalista que ainda persiste no Brasil de novembro de 2016.  O número de novembro do Correio Braziliense é um “ARMAZEM LITERÁRIO” repleto de argumentos, de sentenças, de meias verdades jornalísticas e prontas para serem aquecidas para despejá-las no ventilador da mídia atual. Mídia tecnicamente adiantada mas que conserva a sua essência o poder de intriga, de surpresas e  de desestabilização de qualquer paradigma contrário ao seus interesses.
Fig. 06 –  O refúgio do poder político brasileiro no Planalto Central não foi suficiente para torná-lo imune ao poder econômico e os ataques dos meios de comunicação. Estes se armaram e passaram a intrigar em rede nacional e internacional.   De outro lado também não há nenhuma novidade, pois o jornal  de Hipólito José da Costa era editado e impresso em Londres e distribuído nos navios fretados ao serviço da bandeira britânica.
FONTES NUMÉRICAS DIGITAIS

CORREIO BRAZILENSE novembro de 1816

FRANCISCO BENTO MARIA TARGINI

FRANCISCO BENTO MARIA TARGINI:  ataque e defesa

Intrigas de CORREIO BRAZILENSE

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