domingo, 27 de maio de 2012

NÃO foi no GRITO - 038



ENSINO a DISTÂNCIA em 2012 e o
CORREIO BRAZILIENSE de 1808 até 1822.

“Cesse tudo o que a Musa antígua canta,
 Que outro valor mais alto se alevanta”.
Camões – Lusíadas -  Canto I -3


Fig. 01 – A cerimônia de formatura da 1ª turma do Curso Superior de Licenciatura em Música,  modalidade Ensino a Distância (EaD) promovido pelo CAEF do Departamento de Música do Instituto de Artes da UFRGS. Os estudantes estão assinando e recebe os seus diplomas definitivos no atoa da formatura o que foi possível devido aos recursos numéricos digitais.

 Este blog destina-se a investigar o sentido do bicentenário da soberania brasileira. Para esta investigação busca subsídios para evidenciar que esta construção da soberania foi lenta e difícil e “não foi no grito”. Para tanto acompanha e interroga o que Hipólito José da Costa (1774-1823) publicou mensalmente há 200 anos no jornal Correio Braziliense.

Este jornal, publicado em Londres, tinha o projeto de disponibilizar, a distância, uma cultura apropriada para que o brasileiro pudesse se preparar para as dificuldades de exercer a soberania de sua pátria. Soberania a ser implementada efetivamente, na longa duração, depois de três séculos de um aviltante regime colonial fechado e movido pela abjeta escravidão



Fig. 02 – A impressora que serviu aos revolucionários venezuelanos, em 1811, nos fornece uma ideia da aventura para imprimir um jornal naquela época. O jornal de Hipólito José da Costa era composto de tipos móveis, montados letra por letra, impresso página á página e cada número do jornal tinha meia centena de folhas impressas em ambos os lados.
Pode-se se argumentar que Correio Braziliense praticava educação e Ensino a Distância (EaD) valendo-se, como ferramenta, da imprensa dos primórdios da era industrial. A Revolução Francesa  nutria o sue ânimo em  numerosos jornais impressos que circulavam em Paris nesta época crucial da História da Humanidade como os atuais e-mails nutrem as redes sociais.  Ao fazer o salto para o ano de 2012, percebe-se que o cerne do projeto da educação e do ensino do jornal foi transposto para a era Numérica Digital. Mudaram suas ferramentas, as formas as técnicas, os meios de distribuição e circulação. Contudo o seu ânimo pedagógico continua e ainda possui toda a atualidade. Este ânimo potencializou-se e se vale dos meios numéricos digitais nos quais a humanidade está ingressando. O ingresso nesta nova etapa também é difícil, “não pode ser no grito”, na improvisação ou no amadorismo.


Fig. 03 – Uma das primeiras reuniões do CAEF, no gabinete da direção do Instituto de Artes da UFRGS, no dia 10 de maio de 2004, da 18h30min até 22h00, para tratar dos detalhes do Edital nº 01. Estiveram presentes [da direita do observador para sua esquerda] o Diretor do Instituto de Artes Prof. Círio Simon, a Profª Drª Helena Müller de Souza Nunes Coordenadora do CAEF, Prof João Rippol, Profª Drª Liane Henscke, Diretor da Faculdade de Educação Física Prof Ricardo Petersen, Profª Drª Liana Tarouco Coordenadora da Secretaria de Educação a Distância da UFRGS, Profª Maria Cristina Villanova Biazus,  Profª Luciana Dal Bem [encoberta pela imagem da] Profª Profª Umbelina Barretto e Profª Drª  Helenita [no 1º plano da imagem].[Foto : Liane Tarouco}

O jornal era publicado em Londres antes do uso da eletricidade, sem linotipos, imagens fotográficas, rotativas e, era remetido, clandestinamente ao Brasil em navios entregues aos humores dos ventos. Duzentos anos depois os meios e os recursos para Ensino à Distância evoluíram notavelmente. O tempo de circulação diminui drasticamente.
O que espanta é que ao encurtar o tempo também diminuem a quantidade e qualidade das ideias, a coragem e os esforços para mudanças coerentes com a atualidade. Espanta uma Educação e de um Ensino institucional que ainda patinam e se reproduzem exclusivamente em função de uma linha montagem obsoleta e de intermináveis séries da era industrial que perdeu seu sentido e ânimo. O estudante ainda é submetido ao treino para operações mecânicas obsoletas e que passa a reproduzir, vida afora, sem questionamentos e alimenta um ódio do tempo que  “perdeu” na sua formação. O resultado é uma pessoa humana que teme mudanças e que se aferra a repertórios cada vez mais pobres e gastos.

Fig. 04 – A cerimônia de formatura do dia 25 de maio de 2012 no Salão de Atos da UFRGS
Contra este horizonte industrial obsoleto, coloca-se hoje a Educação Permanente e sem discriminação de idades, saúde, culturas locais. Educação que ajuda no constante processo de deliberar e de decidir em relação á rupturas epistêmicas e de escolhas significativas e coerentes com a sua vida. Coerência que a coloquem no pleno fluxo de uma civilização planetária. A Educação, e ENSINO a DISTÂNCIA, promovidas por instituições que apostam alto e que possuem uma larga tradição de desenvolver os hábitos de integridade intelectual.
Para tanto estas instituições colocam suportes coerentes para que a criatura humana tenha condições par enfrentar o seu eterno desafio de escolher entre o JÁ CONHECIDO e a SEGURANÇA, ou enveredar para o NOVO e o DESCONHECIDO. Se tivesse vencida a SEGURANÇA absoluta, a criatura humana ainda estaria refugiada na CAVERNA PRIMITIVA. De outra parte entregue à TEMERIDADE absoluta esta criatura já teria destruído o planeta Terra.
Evidente que a permanência na CAVERNA iria dispensar qualquer outra educação ou ensino a não ser a inculcação do hábito de repetir cotidianamente o comportamento dos seus ancestrais mais remotos. A TEMERIDADE também dispensa qualquer educação ou ensino. Em ambos basta seguir instintos opostos e leva-los aos extremos.

Fig. 04 – O estudante MARCIO ALEXANDRE MERINO dos ANJOS, do polo de Porto Velho/RO, é exemplo de como o EaD permite que pessoas  portadoras de necessidades especiais - mesmo momentâneas - não precisam interromper o seu estudo por isto, nem o ritmo de trabalho e por isto perder semestre ou desistirem do próprio curso.  Como um dos lucros extras do EaD - ao não serem exigidos esforços físicos rotineiro, permanentes e continuados da sua presença numa sala de aula convencional - é o aumento da produtividade intelectual e artística. A economia deste esforço, e de sofrimento humano, pode render dividendos pela intensificação do estudo, no ambiente doméstico e no ritmo que estas necessidades especiais permitem ao seu portador. As instituições gastam-se energias e economia, muitas vezes, na preparação da acessibilidade universal e que podem ser compensado pelo oferecimento com qualidade no horário conveniente no domicílio do estudante

Assim qualquer sistema educativo possui, e cultiva, elementos de PERMANÊNCIA das suas essências. No polo oposto busca a INOVAÇÃO. Pela INOVAÇÃO a humanidade conseguiu, a muitos custos, manter um equilíbrio e progredir lentamente entre ensaios, erros e acertos. Nos últimos três séculos esta humanidade esteve a mercê da infraestrutura da ERA INDUSTRIAL e da LINHA de MONTAGEM. Neste contexto a EDUCAÇÃO e o ENSINO seguiram, se condicionaram a PERMANECER na linha de montagem e no ensino coletivo nas séries institucionais colocadas em ordem linear e unívocas. Porém a ERA INDUSTRIAL põe a mostra, por toda parte e a partir de 1945, a sua entropia natural e seguindo obsolescência programada que é a sua lei central. Novamente a humanidade sente-se desafiada a deixar este paradigma obsoleto do ENSINO SERIAL unívoco e linear, para investir em algo que preserve todas as conquistas anteriores e ao mesmo tempo responda aos novos desafios culturais.


Fig. 05 – A família de o estudante FERNANDO ADIR GONÇALVES, do polo de Linhares/ES, é testemunha como pelo Ensino à Distância,  ao ocorrer no âmbito familiar, permite uma série de vantagens, tanto para quem se submete ao aprendizado, para a sua família como para a instituição. O EaD oferece à família – onde os seus integrantes são em numero de cada vez menor - espaços e comodidades e horários. Com esta permanência dos seus estudantes por mais tempo no ambiente doméstico. A instituição possui a contrapartida de dispor de mais tempo, energias e massa crítica para projetar o processo ensino aprendizagem. Até o presente o grande esforço e desgaste institucional eram os prédios e a sua preservação devido ao seu uso intensivo e contínuo. Pode dedicar-se, agora,  a criar contratos mais coerentes com os seus estudantes e cobrá-los com rigor e integridade intelectual no momento da avaliação.

A ERA NUMÉRICA DIGITAL é um fato que cerca todas as instituições formais de educação e ensino. Contudo poucas destas instituições INOVAM e se mudam para esta NOVA infraestrutura. Na sua PERMANÊNCIA, no estágio anterior, tornarem-se simples usuárias da informática passiva, sem entender o seu potencial ativo para produzir e fazer circular o real poder do saber. O estudante, ao penetrar nestas instituições, ainda comandadas pelas séries unívocas de montagem e colocadas nas linhas coletivas, sente-se convidado a regredir e abdicar dos seus recursos da Era Numérica Digital. Neste regredir e abdicar ele sente-se mais SEGURO, pois isto lhe poupa esforço, não precisa mudara a todo instante e racionaliza a sua cultura, Aquieta-se e pacifica sua tendência natural de ir para muito além do “dejá-vue”. Porém quando retorna ao seu mundo prático, depois se entregar de corpo e alma a esta heteronomia institucional, percebe que recebeu uma singela cultura, treinamentos mecânicos obsoletos e conhecimentos inúteis para a sua realidade atual. Na medida que ele se afasta, no tempo, destas instituições obsoletas e estiver só consigo mesmo , no futuro,  percebe o logro em que esteve envolvido e condicionado.
Uma instituição superior, séria e comprometida, não subsiste e nem pode aventurar-se a prescindir de profissionais provenientes de longa e segura formação. Formação para atravessar as necessárias rupturas epistêmicas além de um seguro tirocínio em lidar com um estudante brasileiro mergulhado na escravidão e servidão voluntária. Profissionais da educação e de ensino, competentes para dispensar a necessária atenção continuada ao seu estudante. Atenção capaz de perceber as poucas oportunidades que o seu discípulo possui nas circunstâncias entrópicas brasileiras e com vontade de provocar mudanças para melhor nos seus desempenhos.
O registro desta entropia nacional foi expressa, logo após a Revolução de 1930, pelo primeiro ministro da Educação e Saúde Pública do Brasil.
“O Brasil dos dois países, o legal e o de fato: o país da mentira e o país da realidade,  queremos ter professores sem cuidar de formá-los, higienistas sem uma escola de higiene, operários qualificados e produtores capazes, sem formação técnica e educação profissional. Daí em quase todos os ramos de atividade a improvisação de curiosos em competentes.”  (CAMPOS, 1931, p.5   ).

Esta consciência de lidar com a contradição da PERMANÊNCIA e ao mesmo tempo buscar a MUDANÇA afligiu sempre os agentes públicos. Eles tomaram os mais variados caminhos para transformar esta CONTRADIÇÃO em COMPLEMENTARIDADE. Entre estes caminhos o Ministério de Educação e Cultura lançou, em novembro de 2003, o Edital SEIF-MEC nº 01/2003, com o objetivo de selecionar vinte Centros de Pesquisa e Desenvolvimento de Educação Infantil e Ensino Fundamental para o Brasil. Entre estes, três estariam voltados para o ensino das Artes e da Educação Física.  O projeto do Instituto de Artes da UFRGS foi selecionado para um deles. O Convênio SEB/MEC-UFRGS, foi firmado e recebeu nº 12/2004. Iniciando pela formação profissional dos agentes deste Convênio foi colocado em prática a capacitação continuada de professores da educação básica em todo o território nacional. O objetivo central desta capacitação deste programa é promover desenvolvendo materiais e métodos que atendam demandas em tecnologia educacional e gestão escolar Para tanto aconteceram cursos semi-presenciais e à distância, bem como parcerias entre sistemas públicos de ensino, universidades e empresas.


Fig. 06 – A alma e agente central desta primeira experiência certamente foi a Profª Drª Helena Müller de Souza Nunes, vista nesta imagem na cerimônia de colação de grau

O Instituto de Artes inovou na sua proposta de interagir pela EaD. Para tanto a Profª Drª Helena Müller de Souza Nunes  integrou os seus esforços com a Secretaria de Ensino à Distância da UFRGS. Mantendo o seu projeto e a sua autonomia propositiva por meio do Centro de Artes e Educação Física (CAEF). O CAEF implementou programas e na forma experimental. Destas experiências resultou a constatação de que este sistema além de um rigoroso planejamento, necessita,  na sua entrega e verificação de sua eficácia muito mais trabalhoso do que aquele desenvolvido na Educação Presencial. Como tal necessita de um rigor institucional e contratos cidadãos que possuem outra base institucional e física em polos distantes no território nacional. 



Fig. 07 – O Prof. Dr. ALFREDO NICOLAIEWSKY, presidindo, na qualidade de Diretor do Instituto de Artes da UFRGS,  a FORMATURA do CURSO SUPERIOR LICENCIATURA MÚSICA por meio da EDUCAÇÃO a DISTÂNCIA  no dia 25 de maio de 2012. Este dirigente da UFRGS é um dos agentes mais ativos, atentos a todos os detalhes e capaz de generosas delegações de sua autoridade como esta para a Profª Drª Helena de Souza Nunes Coelho que superou todas as expectativas diante do mundo de dificuldades do pioneirismo deste projeto.
Esta experiência está nas suas origens, o seu esforço ainda está voltado para a sua reprodução por tempo indeterminado e para além da vontade de eventuais dirigentes. Contudo é coerente e segue o projeto original do Instituto de Belas Artes do Rio Grande do Sul, cujos fundadores escreveram e expressarem este projeto no Livro de Atas nº I da CC-ILBA-RS
“O que constitui a pessoa jurídica em associação do tipo da nossa, não é propriamente o conjunto dos sócios; é antes o seu patrimônio, o qual no caso ocorrente, será formado pelas doações e liberalidades das pessoas que verdadeiramente se interessem pelo desenvolvimento das artes entre nós”.    (em 01.05.1908. f. 3v).
Um agente diretivo de uma instituição - no papel de uma autoridade - NÂO é o do FAZER. O seu papel é o AGIR por meio de deliberações e de decisões, não em relação ao PODER do qual se julga investido, mas em relação ao PODER que ORIGINA a sua AUTORIDADE. Na contramão, a autoridade que limita a sua ação ao FAZER, acaba, em geral acaba “FAZENDO BESTEIRAS”  das quais outros deverão suportar as consequências. O mais grave é entravar a CIRCULAÇÃO o SEU PODER de ORIGEM. O papel da autoridade autêntica encontra-se, sobre tudo, na delegação e na cobrança de contratos legais celebrados com profissionais qualificados. Nesta capacidade de AGIR conseguem reconduzir o poder institucional para a correta e coerente circulação.
 No caso da administração do projeto, conduzido pela  Profª Drª Helena de Souza Nunes Coelho, teve êxito e fortuna na formação dos seus 185 estudantes ao integrá-los, de corpo e alma,  rede de circulação do poder. Os meios numéricos digitais foram os veículos para fazer circular o poder do saber. Circularam em tempo real, entre uma determinada sede e os seus polos, sob a autoridade do EaD no seu agir, no seu deliberar e o no seus decidir.
O estudante sempre foi - e continua sendo - a origem e o fim desta circulação no sistema formado para o EaD. Especialmente quando este estudante já possui o dobro da idade e experiência do seu tutor. No âmbito dos meios numéricos digitais a novíssima geração está ensinando para a antiga geração. Uma das raras ocorrências deste fenômeno numa civilização. No entanto, no processo ensino-aprendizagem, a figura central é ESTUDANTE ao qual o mestre inteligente delega o poder para que este discípulo atinja os seus objetivos e seja feliz nas suas escolhas. O pediatra Olímpio Olinto de Oliveira (1866-1956), fundador do Instituto de Artes da UFRGS, insistia que o estudante está acima - e é a razão de ser -  de todos os conselhos de uma universidade. Num pais, onde predomina ainda o hábito da escravidão voluntária, os tutores possuem uma imensa e crítica tarefa para conduzir estes estudantes para a sua autonomia e para as imensas potencialidades. Isto não acontece por acaso, não se improvisa e muito menos é possível determinar por cima e por fora orientado por um idealismo legal. Nesta escolha equivocada o resultado será um acúmulo de heteronomia e dos comportamentos de um rebanho.


Fig. 08 – Os momentos finais da cerimônia de formatura presencial de 185 estudantes da 1ª turma do Curso Superior de Licenciatura em Música, modalidade EaD, promovido pelo CAEF do Departamento de Música do Instituto de Artes da UFRGS. Dois estudantes estão se dirigindo, em nome dos seus colegas, aos presentes.
Mas acima, de todos estes cuidados e distinções, paira a soma das experiências vividas pelos 185 estudantes que acabaram de concluir o primeiro curso superior de Licenciatura em Música no Brasil na modalidade de EaD. Com certeza, com estes tempo de preparação, implementações e realização deste curso, em tão alto nível, a Universidade Brasileira possui riquíssimo material empírico e testemunhas atentos para avaliar e projetar ao mundo teórico e ali tratado ao nível demais saberes superiores. Para avaliar e projetar ao mundo teórico este curso não serão necessários os dois séculos que nos separam da criação, impressão e distribuição do Correio Braziliense e do qual possuímos os textos impressos e cujo processo nos escapam agora.  Afinal o Brasil foi um dos pioneiros em colocar as ARTES na competência de uma determinada UNIVERSIDADE.

FONTES
CAMPOS, Francisco,. «Reforma do Ensino Secundário: exposição de motivos do decreto. Nº 19.890 de 19.4.1931» in Boletim do Ministério da Educação e Saúde Pública Rio de Janeiro : MESP, nºs 1 e 2 Jan.Jun. 1931

CENTRO de ARTES e EDUCAÇÃO FÌSICA
http://www.caef.ufrgs.br/

CORREIO BRAZILIENSE – coleção completa digital em

INSTITUTO de ARTES da UFRGS

PODER ORIGINÁRIO

Fotos Círio SIMON
Este material possui  uso restrito ao apoio do processo continuado de ensino-aprendizagem
Não há pretensão de lucro ou de apoio financeiro nem ao autor e nem aos seus eventuais usuários. ...

1º  blog :

segunda-feira, 21 de maio de 2012

NÃO foi no GRITO - 037


De MAIO de 1812 até MAIO de-2012:
MUDARAM as MOSCAS.


In TOBINO -2007- p 012b
Fig. 01 – O abismo entre a origem e destino do imigrante  foi evidenciado por Pedro WEINGARTNER (1853-1929) no quadro “ TEMPORA MUTANTUR” - TOBINO -2007- p 012b 1898 - óleo - 110.3 X 144 cm do acervo da MARGS

“Os tres pontos a que alludimos, saõ 1°. o arranjamento das finanças; 2°. a policia interna a respeito dos Indios naturaes do paiz, escravos, e emigrados da Europa; e 3°. as relacoens externas, principalmente com as colonias Hespanholas da America”.
BRAZIL.Mudança de Ministerio.In: Reflexões sobre as novidades deste mez de MAIO de 1812 in Correio Braziliense Voi. VIII. No. 48. 4 s  612 Miscellanea p. 671


      Seguindo o 2º ponto, a que o Correio Braziliense se refere, em maio de 1812, tentaremos no deter um pouco e prestar atenção com as preocupação com três segmentos humanos que constituem a Nação Brasileira. De fato se considerarmos os ameríndios, os afro-brasileiros e os imigrantes e seus descentes, teríamos uma esmagadora maioria da população nacional. População responsável pelo maior volume de trabalho, de produção e de preservação das riquezas nacionais. No entanto, se observarmos e estudarmos, em maio de 2012, as condições econômicas, educação formal institucional e saneamento básico de cada segmento destes, o nosso ufanismo, a crença no homem cordial e na ORDEM conduzindo ao PROGRESSO, teria poucos créditos ao seu favor. No máximo podemos concordar que foram propaganda e marketing para manter no seu devido lugar cada segmento destes

Fig. 02 – Os cativos saindo das suas savanas  para a sua comercialização e exploração brutal do seu trabalho para benefício exclusivo do seu dominador e para a construção de uma identidade nacional na qual a escravidão era legalmente reconhecida e regulamentada nos termos coloniais e nas o africano não tinha mínima voz e vez.

O ameríndio perdeu, entre 1812 e 2012, os seus parcos recursos naturais e dos quais seria teoricamente o melhor guardião. Ninguém lhe conferiu este cargo e estas competências, muito menos alguém cogita ou leva esta hipótese para o mundo prático. O machado, e depois a moto-serra, devastaram estas florestas para o gado ou para uma agricultura predatória. O índio vive cada vez mais exprimido em migalhas de toldos, reservas indígenas e em condições piores de que nas reduções como já assinalava em maio de 1812 o redator do Correio Braziliense. O governo central conferiu-se ao afro-brasileiro a abolição da escravidão legal. Abolição que foi mais uma forma jurídica de se ver livre dele e dos compromissos que devia pelos quatro séculos no que lhe foram subtraídos o seu bem estar social, político e das suas naturais necessidade básicas. 

Fig. 03 – Na contagem dos ameríndios  -  registrada nesta imagem de Johan Baptist SPIX 1781-1826 e de Carl Friederich Philipp von  MARTIUS 1794 - 1868 - evidencia-se e aprofunda-se o abismo entre os nativos e os europeus, mesmo que estes não portassem armas de fogo.

As favelas, ao redor das cidades brasileiras, estão a clamar em altos brados e a céu aberto,  contra a propaganda enganosa e o  marketing de algo imoral, sem fundamento a sua cultura, vontade e direito do ex-escravo. O imigrante foi uma solução aparente No entanto até hoje não se fez a contabilidade daqueles que foram induzidos para ocupar o lugar dos escravos e logrados sem contrato e que pereceram física, moral e economicamente nestas condições. E se comparamos uma população uma cidade ou de um município, constituídos eminentemente por estes imigrante,  e se compararmos esta realidade com a realidade da região, a cidade e a cultura de sua origem, iremos constatar consternados, que os do Novo Mundo perderam ou  desaprenderam quase tudo que os  do Velho Mundo possuem e usufruem atualmente. As experiências dos filhos de japoneses voltando a Terra do Sol Nascente sabem deste abismo.

Fig. 04 – Os imigrantes  aguardam o seu destino na ILHA das FLORES. Se deum lado existe a perspectiva da libertação do trabalho escravo, de outra parte o hábito do dominador e da apropriação da “mais valia” deste trabalho alheio persiste até maio de 2012 e sob outras denominações. 

MAIO 1812
Correio Braziliense Voi. VIII. No. 48. 4 s  612 Miscellanea p. 671 até 674.
 BRAZIL. Reflexões sobre as novidades deste mez.

Mudança de Ministro.
A morte do Conde de Linhares, que tinha a primeira influencia nos negocios publicos do Brazil, deve trazer consigo novo arranjamento de Ministros, e talvez novas maximas de systema de Governo.
Tres pontos importantes da conducta politica daquelle ministro merecêram sempre a nossa constante reprovaçaõ, e esperamos que seu successor, ou successores, attendam aos clamores da razaõ; ou do contrario incorreraõ nas mesmas censuras, e finalizaraõ a ruína daquelles bellos paizes, cuja sorte naõ pode ser indifferente a quem nelles vio pela primeira vez a luz.
Os tres pontos a que alludimos, saõ 1°. o arranjamento das finanças; 2°. a policia interna a respeito dos Indios naturaes do paiz, escravos, e emigrados da Europa; e 3°. as relacoens externas, principalmente com as colonias Hespanholas da America.

Fig. 05 – A cena flagrada, em  1983, pelo fotógrafo Luis MORIER evidencia o abismo e o tratamento idêntico aquelas da fig. 02   

As finanças saõ da repartiçaõ do Ministro do thesouro; mas a lnfluencia do Conde de Linhares, neste rampo, éra taõ vizivel, que naõ hesitamos em imputar-lhe a culpa de muitos desmanchos sobre este artígo. Tal he por exemplo a medida de mandar directamente pelo Governo, a Londres, os diamantes, páo Brazil, marfim, &c; para ser vendido pelo Embaixador Portuguez em Inglaterra; fazendo de um homem diplomatico um agente de commercio; e consentindo especulaçoens desta natureza por conta da fazenda Real, em um paiz taô distante; e por um methodo taõ falto de precauçoens, que serå impossivel ao Erario tomar conhecimento cabal da natureza destas transaçoens; da exactidaõ das contas, nem da deligencia ou negligencia dos empregados.
Ao Conde de Linhares imputamos tambem a ereccaõ de dispendiosos e inuteis abarracamentos, e outros edeficios no Brazil, com cujas despezas o Erario naõ pôde.
Ao systema do Conde attribuimos tambem as despezas, que devem occorrer com a guerra de Montevideo, e outras medidas similhantes, que tendem a exhaurir os recursos do Erario, sem que nem o Conde, nem nenhum dos Ministros seus Collegas, se empregasse a fazer um bom arranjamento para a cobrança e melhoramento das rendas publicas.

Fig. 06 – A luta pelo poder e domínio foi registrada nesta imagem do ataque a uma aldeia da obra de  HANS STADEN que esteve no Brasil em 1549 e 1552,

O segundo ponto de policia do Conde de Linhares, que sempre reprovamos, diz respeito á populaçaõ. Os Indios naturaes do paiz, que podiam ser, era seu genero, membros uteis da sociedade, foram quasi inteiramente largados por maõ, desde que se extinguio a sociedade dos Jezuitas, a quem os lndios devem o gráo de civilizacaõ, em que se acham. O Conde de Linhares, em vez de procurar utilizar os Indios, pelos mesmos meios doces e suaves dos Jezuitas, começou por declarar a guerra aos Botecudos, chamando-lhes antropophagos, ou papoens como se diz ás criancas, para lhes metter mêdo; e com estas e outras patranhas armou divisoens de um exercito imaginariø da conquista dos papoens Botecudos; projecto taô ridiculo, quanto he pernicioso á tranquilidade do Brazil; quando ao mesmo tempo se sabe que alguns missionarios, de virtude e prudencia, faziam mais em um anno do que as suas pretensas sette divisoens militares em sette annos; como se prova pelo exemplo dos Jezuitas no Brazil; e pelos dos Quaqueros no Estado de Pensilvania na America Septentrional.


Fig. 07 – O trabalho escravo no CAFEZAL foi substituído pela mão de obra dos IMIGRANTES sem o menor contrato e sem qualquer benefício social ou garantia de saúde e onde se misturavam crianças e velhos, homens e mulheres e sem o menor preparo para lavouras desconhecidas na agricultura de sua origem.

Depois da descripçaõ espantosa da ma indole destes Botecudos, que, na declaraçaô de guerra que se lhes fez, saô representados como nutrindo-se de carne humana; apparece agora uma carta de um padre vigario, em data de 6 de Julho do anno passado, e publicada no  Rio-de-Janeiro, em que se diz que um Botecudo apanhado na divisaõ do Cueté, fez abismar a todos os habitantes da freguezia, que o viram e observâram, pelo seu conhecimento e viveza, docilidade, genio, e a facilidade com que se se entregou å amizade, e paz com que he tractado. Ora a isto se reduz a ferocidade dos papoens de gentel
Sobre este ramo pois da populacaõ do Brazil; diremos em summa, que he necessario suavlzar a sorte dos Indios aldeados, tirando-Ihes os commandantes militares, e attrahir o que chamam gentio, não por meio de uma guerra infructifera, fundada na quimera de que elles comem gente, mas por meio da persuasaô, do commercio, e de algumas dadivas.



Fig. 08 – O Senhor posando, para o fotógrafo, entre os seus escravos descalços  e vistos como troféus a serem exibidos como mercadoria e patrimônio pessoal a quem o Estado permitia o exercício de vida e de morte para manter este abismo social e econômico

0 outro ramo da populaçaõ do Brazil, saõ os escravos d'Africa. N'isto somente diremos, que he necessario naõ sôó diminuir; mas extinguir de todo a sua importaçaõ. A importantissima delicadeza deste assumpto naõ nos permitte dizer mais.


Fig. 09 – A captura, a manutenção e a exploração da escravidão desenrolava-se num dantesco aparato de violência e coação  que aumentava dia a dia na medida em que esta espiral de instrumentos de dominação descia ao níveis mais baixos de humanidade.

O terceiro ramo da populacaõ saõ os emigrados da Europa. Esta seria a mais abundante fonte, se della se quizessem aproveitar; não ja mandando tirar os artistas de Portugal; porque isso he roubar å maõ direita, para enriquecer a esquerda; mas sim convidando os homens habilidosos de toda a Europa, por meio de regulamentos que os protêjam ; e de uma liberdade bem pensada na tolerancia.

A politica do Brazil a respeito do exterior, e principalmente a respeito da America Hespanhola, tem sido taô mal intendida, que se o novo Ministerio do Brazil nao seguir outra vereda parece-nos indubitável que tem de soffrer males consideraveis. Os politicos do Brazil, que fôram de opiniaõ que se devia  fazer guerra a Monteyideo, que mandáram tomar posse militar de Maldonado, e da Colonia do Sacramento ; alegáram com a necessidade de reprimír, com a força militar, os principios revolucionarios,que se iam desenvolvendo nas colonias Hespanholas. N6s somos de opiniaõ que uma tal ingerência he injusta, e impolitica. Injusta; porque nenhuma naçaõ tem o direito de entrar por meio de outra com forca armada, para a obrigar a adoptar este ou aquelle systema de policia interna, que os povos mais desejem. Impolitica; porque o exemplo da actual revolucaõ da Franca prova amplamente, que a ingerencia das naçoens estrangeiras, que desejaram derribar com as armas os systemas revolucionarios dos Francezes, foi quem os unio entre si, para repellirem os inimigos externos; e foi quem trouxe aos outros estados as ideas revolucionarias da França, que os anniquiláram a quasi todos



Fig. 10 – A exploração do Pau Brasil foi a primeira riqueza saqueada e que inclusive deu o nome ao país. Esta imagem - que registra as viagens de Hans Staden ao Brasil - mostra os conflitos e as devastações do meio natural e que se praticava nas mais violentas formas de saques em territórios onde a lei dominante era aquela das armas e da argúcia do saqueador. Esta mentalidade infiltrou-se em todos os recantos da cultura brasileira e continua a fazer estragos,  inclusive pelas armas e pelos instrumento numérico digitais  ativos nos saques eletrônicos vigentes em maio de 2012.

Esta liçaõ recente mostra claramente a conducta, que se deve seguir no Brazil, na conjuntura em que se acha a respeito das colonias da Hespanha ; que vem a ser, naõ oppor a força á torrente da opiniaõ e fazer taõ uteis regulamentos de governo interno a favor dos povos, que o grito seductor da liberdade, em seus vizinhos, naõ tenha de produzir effeito.
A p. 898, vol. vii. N°. 42, demos os regulamentos sobre a liberdade da imprensa, em Venezuela ; e neste N_. p. 586, damos agora os regulamentos, que se adoptaram para o mesmo fim em Buenos- Ayres. E naõ podemos deixar de chamar a attençaõ do Governo do Brazil; para a legislaçaõ que se vai adoptando nestas duas extremidades de seu paiz. A obra da revoluçaõ da America Hespanhola vai progredindo, tanto ao norte como ao sul, debaixo dos mesmos principios; e convem ao Governo do Brazil, naõ fechar os olhos ao que ali se passa.


In Correio do Povo de 18.03.2012
Fig. 11 – Os parcos recursos, que ficaram nas mãos dos ameríndios e para os seus propósitos, se  evidenciam na arte da escultura dos  ATUAIS INDÍGENAS GUARANIS do RIO GRANDE do SUL

Suppor o Governo do Brasil, que he possivel fechar de tal modo as entradas, que os Brazilianos nao saibam o que se passa entre seas vízinhos, he presumir um impossivel: tanto mais quanto o exercito que se oppoz a Buenos Ayres fôrma o ponto de contacto, e canal de communicaçaõ, que se desejava evitar. 0 unico meio logo que há de prevenir o golpe, he imitar no Brazil todos quantos regulamentos os Hespanhoes adoptarem, que sêjam a favor dos povos, em tanto quanto elles forem applicaveis á differente forma de Governo, e diversa situaçaõ dos dous paizes. Nos esperamos pois que ésta seja a linha de conducta, que adopte o novo Ministerio do Brazil j e remedeie por este modo os males do anterior Ministro.



Fig. 12 – Este abrigo de infância, registrado pelo fotógrafo Luis MORIER,  mostra as condições de uma infância sem amparo direto dos seus pais e que certamente terá uma noção distorcida do que é uma identidade nacional coerente. Segue ao padrão de tantas culturas extirpadas pela raiz e que insistiam na socialização indiscriminada e sem que o indivíduo pudesse realizar um contrato social autônomo na plenitude de uma formação familiar e individual. Este tipo de contrato não tem vez numa cultura que insiste em se antecipar, deliberar e decidir nos seus próprios projetos e transforma a sua nação num rebanho sob as ordens do mais forte e perspicaz em se manter como dominador.  

O fosso entre o PODER ORIGINÁRIO e o PODER POLITICO parece se aprofundar cada vez mais entre 1812 e 2012. Basta observar atentamente e estudar, no mês maio de 2012, as condições econômicas, educação formal institucional e saneamento básico de cada segmento destes. Ainda que no mundo de maio de 1812, a Ciência e Tecnologia fossem menores que na atualidade, no entanto o PODER ORIGINÁRIO e o PODER POLITICO valem-se do domínio desta mesma Tecnologia para criar-se dois mundos distintos e com vida própria. O PODER POLITICO criou e segue os seus  próprios rituais, realiza para si mesmo propaganda e marketing para se convencer que pode prescindir o seu próprio PODER do qual se ORIGINA. Este por sua vez perdeu toda esperança e descolou-se daquele que constituiu num segundo de uma urna eletrônica a qual comparece e que freqüenta por uma simples coação legal.




Fig. 13 – Um flagrante de violência e de dominação oficial captado pelo fotógrafo  Luis MORIER, no dia 29.12.1997, expõe o domínio direto e pela força do aparato do Estado que deveria garantir a prática dos mais elementares princípios de cidadania aos seus agentes e ao mesmo tempo constituir-se em expressão

 

As comunicações entre o PODER ORIGINÁRIO e o PODER POLITICO são sincopadas num único sentido, no longo período de quatro anos e sem esperanças de interações continuadas. Esta clivagem continuada separou as duas partes e simplesmente se descolaram. Inteligentemente o PODER ORIGINÁRIO constitui o PODER POLÍTICO como alguém que ele pode culpar de tudo, fugir da sanção moral de qualquer um dos seus atos determinados e continuar como dócil prisioneiro de uma escravidão voluntária multi-secular.

Nestas condições de clivagem interna, não há mínimo sentido em falar para fora da nação ou pretender um assento permanente na ONU. Mesmo deve ser dito em relação aos vizinhos mais próximos como o Mercosul.

- Como na ausência de uma autêntica delegação e da falta de  um contrato interno continuado e renovado, alguém pode falar em nome da nação brasileira?.



Fig. 14 – Os propósitos e as buscas da 1ª República Brasileira tropeçaram imediatamente numa série de contradições e que resultaram em trágicas experiências de 1893 e depois em 1897 onde os Gaúchos acorreram CANUDOS para praticar as mesmas degolas praticadas quatro anos antes nas coxilhas dos Pampas.  em Foto Flávio Barros

 

Somente buscando, por todos os meios disponíveis, impor unilateralmente este contrato e no paradigma do dominador. Internamente, os altos índices de aprovação popular e as sucessivas reeleições, tiveram a sua credibilidade minada pelo regime nazista com seus altos índices de aprovação de um povo dos mais instruídos. Governos dos esdrúxulos, ou mesmo criminosos podem ser  alavancados  e mantido no poder pelo mesmo marketing e propaganda usado pelo regime nazista e do qual ele é apenas uma amostra.

Por todas estas razões chega-a a conclusão que, nas relações entre PODER ORIGINÁRIO e o PODER POLÍTICO,  MUDARAM apenas as MOSCAS entre MAIO de 1812 e MAIO de 2012.

 

ALGUMAS FONTES

CORREIO BRAZILIENSE - Maio de 1812 - Vol VIII, No. 48, 4 s  612

http://www.brasiliana.usp.br/bbd/handle/1918/060000-048#page/1/mode/1up

 

Dia de refletir sobre escravidão

CORREIO do POVO -ANO 117 Nº 214 - PORTO ALEGRE, TERÇA-FEIRA, 1 DE MAIO DE 2012 Geral

LUIZ MORIER – foto da escravidão

FOTOS de FLÁVIO BARROS



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