quarta-feira, 19 de setembro de 2012

NÃO foi no GRITO - 050




A ARTE EXPRESSA os PRESSÁGIOS da GUERRA
e do PÂNICO diante das MUDANÇAS.
GOYA y Lucientes , Francisco José 1746-1828 - O Colosso - c. 1812 - 116 x 105 Museu do Prado
Fig 01 – Na passagem da era agrícola para a era industrial  o EGO desmesurado, da era agrícola,  rebelou-se. O EGO da era agrícola buscou, na Arte, formas para expressar o PODER do seu clã, do seu bando, do seu exercito ou  da sua crença. Este EGO romântico confronta-se com outra concepção de PODER cujo controle também é objeto de conquista pelo OUTRO,  Este OUTRO já foi coletivizado por meio da fábrica e pelo relógio.  O seu pensamento é legível no paradigma do PROLETÁRIO ou da “PROLE DADA” que a fábrica trata de tornar um produto uniforme, linear e identificável.

“Collocados por um concurso de prodigios no remate do drama, em que o vosso paiz pareceo, entre o berço, de uma parte, do mesmo paiz, e o túmulo ainda aberto da outra—a pintura que temos de vos apresentar, os acentos em que temos de dirigir-nos a vós, para serem freis, devem participar da terrível mistura de vida e de morte. Elles devem ao mesmo tempo inspirar esperança e consolação aos coraçoens das victimas, e terror aos de seus oppressores. Porém naõ basta isto; he conveuiente que se ponha em vossas maõs o lio que vos deve conduzir ao fim do labyrinto de desgraças, em que vos tem feito andar errantes por meio século”.

Correio Braziliense, nº 52, setembro de 1812, p. P. 412 Politica

O texto acima descreve o panorama da Polônia, no momento em que 400.000 soldados, e o próprio Imperador Napoleão, estavam marchando coletivamente para a catastrófica aventura da conquista da Rússia, empreendida no final de 1812.
Fig 02 – O “Sacerdote LACOONTE e os seus Filhos Estrangulados pela Serpente  (c.48 a. C)  é uma típica obra  das tendências estéticas do período HELENÌSTICO. Período em que os gregos haviam perdido a sua hegemonia para os pragmáticos romanos. Os artistas Alesandro -Almadoro e Polidoro ( conforme Plínio o Velho) produzem a sem a segurança plástica perceptível no período clássico. Eles estão submetidos e com medo dos triunfadores e produzem uma obra ao gosto destes.  Esmeram-se para agradá-los,  demonstrando domínio técnico e uma legibilidade linear e unívoca com a clássica narrativa da Ilíada de Homero.

No final do ano 2012 estamos vivendo mais uma época e uma cultura de transição. Novamente não sabemos o que espera a humanidade na era pós-industrial. Ressurge o medo da mudança. Medo da mudança com características semelhantes à época do helenismo, do maneirismo, do antigo regime, da “belle époque” e tantos outros. Toda época de mudança possui o medo por companheiro.

A mudança traz um sentimento de insegurança e que expressa inclusive da maioria dos crimes cuja raiz provém do medo. Sentimento de insegurança diante do medo do desconhecido e da dor.  Sentimento de insegurança diante da potencial perda, do pânico diante do imponderável, do medo e da dor do trabalho.

 Quando este medo de perder o controle, de perder o poder e da posse, se transforma em algo coletivo estamos diante da esquizofrenia coletiva e na véspera de uma solução violenta e que, na maioria das vezes, significa o massacre de quem se julga ser a causa do medo. Simbolicamente é o “bode expiatório” da multidão.

Fig 03 – O mal estar, gerado na passagem da era do coletador e do  caçador para os primórdios da era  agrícola  evidencia-se nas obras de arte das culturas e sedentárias que afirmavam a sua hegemonia pelo terror contra os OUTROS de fora. Os extremos da crueldade dos sacrifícios humanos estão presentes em praticamente em todas as culturas humanas. As mais adiantadas guardam, no se mundo simbólico,  fortes vestígios destas práticas e desta mentalidade. A recitação ritual de “quem não beber o meu sangue e comer a minha carne, não é digno de mim” é um forte índice destes vínculos ancestrais e universais. Ao mesmo tempo - esta recitação e a representação da crucifixão - constitui um referencial e uma forma de aceitação demonstrada pelos integrantes destas culturas ancestrais em angustiante ascensão.

Esta multidão só obedece a quem potencialmente percebe que pode DAR ou lhe RETIRAR algo. As manifestações artísticas prestam-se, não para representar este tirano, mas para colocar-se no lugar daquilo que ainda não possui corpo ou não mais possui corpo físico.

Na medida em que estas Artes possuem êxito em DAR, e constituir um simulacro, elas fornecem esperança. Para este simulacro as Artes usam elementos agradáveis aos sentidos humanos. O ideal deste simulacro é quando se concertam entre si mesmas. Neste paradigma agradável criam um concerto de imagens, sons, odores, gostos palatáveis e tem êxito em estimular o tato pelo toque. Foi a forma encontrada pelo Barroco usado pela Contrarreforma. Estes estímulos sensórios, contudo, se naturalizam. Nesta naturalização as suas forças entregam-se á entropia e tornam se ineficientes para o seu projeto original. Este projeto original necessita do recurso das estímulos dos seus contrários. A LUZ contra as TREVAS, a PROPORÇÂO é percebida frente à DESPROPORÇÃO, enquanto o SOM ganha todo o seu potencial no SILÊNCIO.
O supliciado - Obra proveniente das ESCAVAÇÔES da PIRÂMIDE e TUMULO do SENHOR de SIPÁN
Fig 04 – As torturas e as penas físicas  impostas pelas culturas e sedentárias que afirmavam a sua hegemonia pelo terror contra os OUTROS, evidencia-se nas obras de arte de um dos povos primitivos andinos.  Ao tirar a vida de uma forma lenta e mais dolorida possível, foi a forma encontrada pelos romanos e os seus predecessores assírios, para impor o seu poder absoluto e incontestável. A cultura brasileira manteve a escravidão, ao longo de  quatro séculos, por meio dos suplícios físicos e mentais aplicados sistematicamente as cativos, mesmo que fosse gratuito e aplicado  apenas para exemplificar o poder de dominador.  Nesta lógica entra todas as torturas físicas e mentais que continuam vigentes até os dias atuais.

Este conjunto bipolar - nas mãos dos mediadores e dos manipuladores - contudo, é o combustível para o seu projeto para atingir o amago da questão. Este amago movimenta-se pelos extremos de eixos da CULPA e do PERDÃO. Para dilacerar e jogar o indivíduo na neurose e na esquizofrenia, demonstram e insuflam o temor e os sentimentos de inferioridade e de incompetência. Com promessas de amor, com sentimentos de onipotência, onisciência, onipresença e de eternidade conseguem a desestabilização da inteligência e da vontade das suas vítimas. Materializam o seu êxito quando conseguem fazer com que a vítima entregue - aos mediadores e aos manipuladores - as suas próprias deliberações e decisões para aqueles que armaram este simulacro desestabilizador.
GISLEBERTUS - Juizo Final - Catedral de AUTUN - Fr
Fig 05 – A cultura da Idade Média europeia recuperou inconscientemente o legado egípcio contido subliminarmente na Bíblia. A “Pesagem das Almas” é o fulcro e a razão de ser do Livro dos Mortos da cultura egípcia. Pesagem temida tanto pelo mais poderoso faraó como pelo mais simples e rustico camponês. Nesta imagem a cena é recriada om as formas plásticas dos antigos povos nórdicos.

 Este processo de desestabilização por meio dos extremos da culpa  e do perdão, manipulado pelos aproveitadores é recorrente ao longo da Historia. Acentua-se e se potencializa nas épocas de transição de uma cultura para outra. O termo “ÉPOCA” pode ser associado a sentido de “período de suspensão de qualquer juízo”.
BOSCH Hirônimus 1450-1519 - A tentação de Santo Antâo c. 1495 óleo 131.5 x 119 cm
Fig 06 – Ao desmoronarem as representações medievais europeias e surgir no horizonte o Novo Mundo, o Velho Mundo foi abalado pelo Livre Arbítrio que colocava o destino e o mundo nas mãos do indivíduo. Diante disto os medos e os fantasmas medievais - ao se sentirem ameaçados - reagiram violentamente e ganharam o mundo prático nos tribunais e autos da fé.

Neste processo não há nada de metafísico ou cerebral. A resistência a simples memória e uma nova passagem do útero materno ao mundo externo - além dos naturais perigos - implica uma mudança radical na nova condição extrauterina. Evidente que esta memoria é inacessível ao consciente. Porém não menos presente em todo os momentos de passagem, de mudança em direção à uma nova condição.

            Uma multidão com medo, pânico ou frustrada pode instalar o terror muito mais profundo e avassalar do que qualquer indivíduo ou grupo identificável pode perceber.
CARAVAGGIO  Migelangelo MerisI -  Medusa urbana  atualizada por VIK MUNIZ
Fig 07 – A pós-modernidade recupera e contextualiza uma imagem típica das tendências maneiristas de Michelangelo Merisi CARAVAGGIO (1571-1610) Apropria-se da imagem da “MEDUSA MUTOLA”. O Maneirismo europeu é um período de passagem entre as certezas renascentistas do “homem como medida de todas as coisas” para os profundos constrangimentos e racionalizações do Barroco e da Contra Reforma. As certezas renascentistas dão lugar para as dúvidas e o jogo entre a culpa e o perdão que colonizam a alma do europeu. Estas dúvidas e complexos ele as joga sobre povos que o europeu considerava primitivos. Nesta lógica ele implanta, a ferro e a fogo, os regimes coloniais europeus que duraram meio milênio.   

O iluminista Voltaire disparava, em 1764, que "se fosse necessário escolher detestaria menos a tirania de um só do que a de muitos. Um déspota tem sempre alguns bons momentos; uma assembleia de déspotas nunca os tem." Ainda que para instalar o seu poder pelo poder, o tirano, o príncipe do mal e os grupos despóticos, valem-se e disseminam o medo, o pânico a frustração e o terror multidão. Este processo subliminar e silencioso, é a marca registrada da maioria dos déspotas do século XX e raiz do populismo de tantos outros.

O editor do Correio Braziliense publicava em dezembro de 1822 no  CORREIO BRAZILIENSE nº 175 p. 592

 “A multidão sabe sentir, ainda que naõ saiba ver. Do desprezo á revolta ha um só passo. Os Jurisconsultos habituam-se mais a justificar o que acham estabelecido, do que a raciocinar sobre o que deve ser. Nas revoluçoens he preciso attentar muito, que o espírito de facçaõ se naõ mixture, como custuma com o espírito de reforma. Podem-se matar os homens, mas naõ a natureza das cousas. Dizer que uma cousa he mà; porque he nova; he dizer que todas as cousas saõ más; porque as que saõ velhas já foram novas em seu principio A razaõ dita, que julguemos os homens, que governam, pelas suas medidas: o espirito de partido julga das medidas pelos homens”.

GOYA y LUCIENTES, Francisco José 1746-1828   - SATURNO DEVORA os FILHOS c. 1820
Fig 08 – A era industrial  devora e se alimenta dos seus próprios filhos. Ou em termos econômicos, vende a sua prole e doa para a fábrica (proletários) que consome ao exemplo do Cronos. Não é por nada que as fábricas ostentavam o relógio (Cronos)  como signo da posse da vida e da alma proletária.  A prole doada, ou deglutida, põe em cheque todos os valores da tradição, da cultura e dos suportes materiais e imateriais das sociedades cujo último vestígio é o rei e a família real hereditária. Esta abdica e renúncia da lógica do pátrio poder colocando em cheque a legitimidade da cultura do clã cujo suporte aniquila. Assim Luís XVI e Maria Antonieta não só repetem o drama de Édipo, mas se colocam um final sangrento aos dois milênios da cultura instaurada e mantida sob a base do pátrio poder. 

Evidente uma das estratégias é gerar um inimigo externo. Toda vez que a humanidade caminha para uma civilização global e não percebe inimigos externos dignos deste nome, forja seres extraterrestres. Estes são apresentados como seres extremamente inteligentes, sofisticados e que conseguem se escamotear entre os seres humanos.
CORREA, Henrique Alvin 1876-1910 - Guerra dos Mundos -  ilustração 1906
Fig 09 – As máquinas e as sociedades formatadas e orientadas pela lógica da era industrial - do relógio (Cronos) – se apropriam, devoram e possuem a vida e a alma proletária. Assim geraram o HOMO FABER cujo horizonte se restringe ao FAZER e não possui paciência e alógica comandada pelo AGIR. Numa ironia a esta lógica o escritor Herbert George WELLS (1866-1946), escreveu em 1896 a GUERRA DOS MUNDOS. Aqui numa ilustração de 1906 do brasileiro Henrique Alvin CORREA, (1876-1910). Esta mesma obra -  transposta para o rádio por  George Orson WELLES, (1915-1985) em 1938 -  expôs o inquieto, exacerbado e medrosa inconsciente coletivo americano depois de passar pela Quebra da Bolsa em 1929 e na véspera da II Guerra Mundial .

A Arte sempre desempenhou um papel primordial, neste conjunto, que representa e envolvem as circunstâncias dos medos e das esperanças individuais e coletivas Nesta seleção de imagens poderiam se acrescer todas as obras do Helenismo, do Maneirismo, do Barroco, do Art Nouveau, passando pela Guernica de Picasso até os artistas pós-modernos mais atuais.
Fig 10 – Para manter e ampliar a apropriação, deglutição e a posse da vida e a alma proletária a era industrial promove uma sequência contínua de guerras. Estas guerras são - alimentadas em larga escala pela RAZÂO e pelo  HOMO FABER que produziu armas em linhas de montagens orientada em fábricas  deu margem para várias tendências estéticas opostas a esta lógica de posse e deglutição. Nesta oposição a Arte buscou, produziu e estimulou a FANTASIA contraposta a esta lógica perversa da RAZÃO. O HOMO ESTÉTICO busca demonstrar a  insensibilidade do HOMO FABER. Demonstra como a ERA INDUSTRIAL se condena a si mesma à uma rápida obsolescência,  na mesma lógica dos seus produtos e das suas máquinas. Porém a industria cultural, no seu apogeu, controlou e absorveu a FANTASIA e o HOMO ESTÉTICO e fez deles a uma alta ponte para a ERA PÓS-INDUSTRIAL.
 
Este conjunto de obras de Arte, materializa para os sentidos humanos representações e objetos percebidos pelos sentidos humanos mas que vai buscar  no mais profundo da consciência coletiva e individual. Hannah Arendt escreveu (1983: 193) que. a imagem possui poder,  pois opera a substituição de uma força exterior na qual uma força não aparece a não ser para aniquilar uma outra força numa luta de morte”. Se esta força intrínseca não serve para curar e nem pretendem serem úteis, elas, como obras de Arte, constituem documentos e testemunhas.  No mínimo destes objetos - perceptíveis aos pelos sentidos humanos – são portadores do máximo que uma civilização pode produzir e universalizar no tempo e no espaço.
Fig 11 – Quando não há inimigo externo a vista - e digno deste nome - os medos arcaicos e inconscientes humanos criam inimigos provenientes de regiões extraterrestres. Estas projeções do inconsciente individual são reforçadas pelo inconsciente coletivo de pessoas que necessitam destas projeções para preencher refolhos de uma memória ancestral.  Na passagem da era industrial  para  a pós-industrial estas projeções ganharam todos os reforços de tecnologias que aos poucos buscam dominr de fato e de direito a credibilidade popular. Nesta busca vale qualquer similaridade com o de mais pavoroso a humanidade já produziu. A diferença está na absoluta imoralidade no uso do poder físico, mental e cientifico que estas criações humanas possuem.

A conclusão que se chega, em setembro de 2012, que a mente e o coração humano continuam dilacerados pelo medo mais concreto e pela esperança mais imponderável possível. Mentes e corações alimentados, inseguros e frustrados  diante dos poderes que se apresentam no cenário mundial e em cada cultura em particular. No panorama mundial o fundamentalismo resiste às mais sofisticadas e fortes exércitos das mais equipadas nações. De outro lado se uma simples data faz ressurgirem as angustias primitivas gestadas, há mais de mil anos, nas profundas florestas americanas.  Angústias resolvidas por estas culturas ao arrancarem os corações ainda palpitantes dos peitos vivos dos seus guerreiros mais valentes. Questiona-se o sentido do Estado nacional este exibe forças e poderes e esperanças incontornáveis e cujo fracasso e ineficácia jogaria a humanidade de retorno à vigência das leis darwinianas de cada um por sua conta e risco. Este mesmo Estado exibe temores fundados em que o seu sistema econômico vez o jogue no caos não administrável.

GOYA y Lucientes , Francisco José 1746-1828 - O Colosso - c. 1812 - 116 x 105 detalhe - Museu do Prado
Fig 12 – Ao contemplar nos meios digitais as imagens dos acampamentos de refugiados que continuam a se formar em todos os continentes não é possível esquecer como,  há dois séculos atrás,  o pincel de Goya não só previa o medo destes refugiados, além  da atualidade atroz das suas gravuras dos “Desastres de Guerra”. As últimas palavras do pintor Van Gogh de que “a miséria humana é eterna” sublinham e preveem o pavor, o medo e o poder dos regimes políticos que continuam a tomar corpo e a florescer em todas as latitudes e cultura humanas.

Em síntese, o pavor e o medo não irrompem repentinamente e do nada.  O pavor e o medo - que decorem do PODER que se esconde atrás deles - não tomam corpo NO GRITO e de um momento para outro. O pavor, o medo e o poder, tomam corpo, silenciosa e subliminarmente, ao longo de um largo tempo.  Na mesma proporção exigem cotas incríveis de vidas, de trabalho e de capital para serem neutralizados e vencidos.

 

FONTES BIBLIOGRÁFICAS

ARENDT, Hannah (1907-1975). Condition de l’homme moderne. Londres  :  Calmann-
       Lévy, 1983

FREUD, Sigmund.(1858-1939).O mal estar na civilização (1930). Rio de Janeiro : Imago, 1974. pp. 66-150.  (Edição standard brasileira de obras psicológicas completas de Sigmund Freud, v.13)
 ____.  Totem e tabu (1913).  2.ed. Rio de Janeiro : Imago 1995, pp. 13-193  (Edição standard brasileira de obras psicológicas completas de Sigmund Freud

 

FONTES NUMÉRICO-DIGITAIS



ALIENÌGENAS 1950

CORREIO BRAZILIENSE -Vol. IX nº 52 pp.405-568-  SETEMBRO de 1812
CORREIO BRAZILIENSE nº 175 p. 592 Miscellanea. - DEZEMBRO de 1822 

SÒ QUANDO ESTADO INTERESSA

VIK MUNIZ

VOLTAIRE ou François-Marie Arouet  (1694-1778). Dicionário Filosófico. Original de 1764.

WELLES, George Orson (1915-1985) “Guerra dos Mundos “ (1938) transmissão radiofônica

WELLS Herbert George (1866-1946) “Guerra dos Mundos “ (1896) livro

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SUMÁRIO do 1º ANO de postagens do blog NÃO FOI no GRITO


quarta-feira, 12 de setembro de 2012

NÃO FOI no GRITO - 049




A ESCRAVIDÃO SUBLIMINAR e SILENCIOSA.
Fig. 01 – A clássica imagem da Revolução Francesa retratando as condições das três classes sociais onde a mais antiga e numerosa serve de montaria e conduz as duas outras.

“Os abusos do Governo da Sicília, e a decadência daquela nação, provinham pela maior parte, da discontinuação de seu Parlamento, O do augmento progressivo do poder da Coroa. Era logo necessário para cortar o mal pela raiz, fazer reviver aquelas assembléas da nação, que sugeitando á discussão publica a conducta do Ministério, estabelecem um freio eficaz á ambição dos que Governam, e á sua propenção ao despotismo”.

Correio Braziliense, nº 52, setembro de 1812, p. 560.


George CRUIKSHANK --1792-1878 
Fig. 02 – O despotismo  que se verticaliza e centraliza é  uma caraterística de todas as sociedades nas quais está em jogo o PODER. Esta verticalização e o centralismo conduzem a jogar toda a carga política, econômica e do trabalho produtivo sob as costas de uma única classe. Esta é subjugada, manietada, tornada inofensiva e, no final, sucumbe, sendo a ruína de toda a pirâmide que se erguera sobre as suas costas.

O despotismo de uma nação só torna-se viável na medida em que os cidadãos entregam ao déspota a sua própria vontade. A retribuição e a. recompensa que este déspota confere, a quem renuncia a sua própria vontade, é a segurança e o gozo de uma confortável heteronímia de suas próprias vontades,  reforçada pela garantia que não haverá sanção para os seus atos. Os cidadãos descobrem tarde que as aparentes vantagens recebidas, a falta de necessidade de prestar contas dos seus atos, responde pelo feio nome de ESCRAVIDÃO. Por mais que aumentem as vozes e produzam a maior algazarra, já é tarde e despotismo vai até as suas últimas consequências.

A dimensão da escravidão só é compreensível, e possui sentido, na medida em que consideramos e possuirmos referenciais e o contraste da liberdade. Etimologicamente a liberdade (in Ferrater Mora 1984 verbete Liberdade) deriva da cerimônia publica promovida pela sociedade romana quando um dos seus integrantes atingia a idade núbil e de reprodução. A pessoa que atingia o estágio do “liber” liberdade era declarada oficialmente apta para reproduzir mais membros da sociedade. No contrário o escravo era reproduzido e não legava e nem os seus descendentes não pertenciam à sociedade romana.

Fig. 03 –- O pequeno Boney no Trono Imperial por George CRUIKSHANK --1792-1878  em gravura assinada de 12.10.1814. O indivíduo, despreparado para lidar com a verticalização e o centralismo do exercício do poder de um grupo, de uma nação ou religião,  assume e centra este exercício sobre si mesmo. É o culpado de tudo. De fato não aprendeu - ou esqueceu - que o poder circula. No caso de um fracasso ele torna-se o bode expiatório coletivo, não importando as causas da catástrofe. O suicídio destes indivíduos é recorrente ao longo da História humana. Os que o seguiam até aquele ponto percebem-se isentos de qualquer culpa ou sanção moral, pois “apenas estavam cumprindo ordens”.
 
O perigo não é a arma, em si mesma e nem o porte de arma. O problema consiste em que é PORTADOR de UMA ARMA. O porte de uma arma pode se concedida a quem se identifica com uma sociedade equilibrada e para quem cultiva a plena cidadania. Na pós modernidade esta identificação é possível realizar com uma pessoa que conscientemente se identifica por meio dos seus dados pessoais fornecidos para esta mesma sociedade. Esta possui o direito desta concessão deste porte de arma na medida em que esta sociedade possui acesso imediato aos dados de um cidadão que se identifica com os ideais que esta civilização possui e sobre os quais realiza os contratos correntes com  toda a coletividade. Tornar PORTADOR de UMA ARMA a quem ainda não atingiu a liberdade somática, moral ou individual, é uma evidente temeridade e um risco para esta sociedade. Risco e temeridade, que terminam em tragédia, em geral. Esta tragédia não terá sanção alguma se esta sociedade descobre tarde que esta pessoa PORTADORA de UMA ARMA, não gozava de autonomia da sua vontade, da plena liberdade ou de responsabilidade para responder por seus atos.


Fig. 04 – O indivíduo despreparado e temerário conduz a coletividade -  que se reúne sob a sua liderança – para a catástrofe da escravidão SUBLIMINAR com a subtração SILENCIOSA da competência e o direito de deliberar e decidir. A fama,  a emoção e o entusiasmo são maus conselheiros e são caminho como mostra a pintura “Naufrágio de do Juan” (1840) de Eugênio Delacroix   inspirada no drama de de Moliére. O líder está a beira de se tornar mais um bode expiatório.  A multidão, que o segue, movida pela. s forças da propaganda, do pertencimento e do rebanho, descobre tarde o engodo e é vitima de mais um naufrágio.

                A preparação - das cenas destes equívocos, tragédias e gestos - é silenciosa Quando os estampidos soam, os gritos ferem os ares e o sangue corre,  já é tarde. Qualquer esforço é inútil e só agrava os efeitos. Em política, arte e esporte não é possível pedir desculpas. O equívoco, a tragédia e o sangue do passado, apenas irão servir de alerta contra o silêncio, a omissão e os equívocos. No máximo pode constituir-se em alertas vindos de um passado morto. Alertas para tornar a liberdade compreensível a todos e torná-la cheia de sentido prático. Compreensão de sentido que se tornará prática corrente e universal na medida em que se considera, se possui referenciais e capaz de perceber e lidar com o contraste com aquilo que não é liberdade

Ilya Yelimovich  REPIN (1844-1930) – Detalhe “Os homens da Sirga no rio Volga”- c.1870   http://en.wikipedia.org/wiki/Ilya_Repin
Fig. 05 – O jovem despertando para a  escravidão eslava no meio do trabalho, numericamente gigantesco e condenado a puxar, pela sirga, o pesado barco do Estado Russo. A vontade popular na heteronímia era forçada ao trabalho físico e à adoração mental do Estado nacional. Este trabalho e esta adoração eram montados e controlados pelo regime dos czares.

 O exemplo concreto de pessoas deste passado que cultivaram e praticaram a liberdade, constituem um grande patrimônio para as escolhas de quem ainda pode fazê-las. Os problemas, em relação a estas pessoas de um passado morto, iniciam com narrativas, em relação a elas, e que no final derivam para a formação de um mito estranho tanto para o biografado, como para quem recebe esta narrativa. Em segundo lugar não naturalizar o que está fora da série normal de vidas. O terceiro é gerar uma narrativa fora do repertório daqueles que estão ainda em condições de escolher entre a liberdade e a escravidão.

eorge CRUIKSHANK --1792-1878 
Fig. 06 – O medo da reforma social toma forma na guilhotina com vida própria  perseguindo os donos do poder político, econômico, militar e religioso. O uso da imagem da guilhotina associa à Revolução Francesa, ao Terror e ao domínio de um Razão, Esta imagem busca argumentos visuais para desqualificar, neutralizar e congelar o Poder vindo da sua origem. Como imagem evoca exemplos e argumentos que tem por objetivo bloquear qualquer possibilidade de mudança política, econômica, militar e religiosa.

Entregar uma narrativa mítica sobre a liberdade, a democracia ou ética para alguém incompetente, é o mesmo do que entregar o porte de uma arma a um cidadão que não se identifica com os ideais que esta civilização. Sem conhecimento e sem vontade manifesta e pública, não há direito de ninguém presumir silenciosamente de que alguém possuir e ter condições de  realizar contratos correntes com  toda a coletividade. Primordialmente a educação forma e escolar possui este papel e este sentido. Quanto mais elaborada e complexa é uma sociedade, mais longa é esta educação do indivíduo, que se candidata a pertencer a ela. Na atualidade esta educação formal consome grande parte da vida de quem deseja realizar estes contratos.
Fig. 07 – O consumo perdulário da produção industrial conduz à escravidão comandada sob o nome do deus Baco. A imagem foi criada em 1860 e deve-se Jorge CRUIKSHANG (1792-1878). O artista cria uma metáfora visual onde massas populares embriagadas de consumidos vorazes e sem limites. Este consumo desenfreado os aliena da sua própria vontade transformam-se em seus escravos.  Este usufruto imoderado e desproporcional - daquilo que as máquinas produzem -  gera multidões cada vez maiores e cada vez mais alienadas de sua própria vontade e incapazes de perceberem as suas próprias competências e limites. As mensagens da propaganda e o marketing orientam e reforçam esta heteronímia subliminar e que é sinônimo de escravidão.
Clique sobre a figura para ampliá-la.
 
A escravidão SUBLIMINAR e SILENCIOSA pode ser resumida em não possuir a competência e o direito de deliberar e decidir. O pior acontece quando alguém já possuía a liberdade e a vem perder. O pior pobre é aquele que alguma vez era rico de fato ou se julgava como tal.

A escravidão voluntária é impossível de contornar e evitar na medida em que se apagam referenciais e os contrastes com a liberdade. A escravidão reproduz a escravidão. O escravo é incapaz de retirar outro escravo da heteronímia de sua vontade. O escravo só reproduz a sua condição. Não lega o “liber” da reprodução da liberdade aos seus próprios descendentes. Estes apenas se multiplicam numericamente numa sociedade de escravos que não deliberam e nem decidem.

 

FONTES
BOÉTIE, Etienne La (1530-1563).  Discurso da Servidão Voluntária (1549).  Tradução de Laymert G. dos Santos.  Comentários de Claude Lefort e Marilena Chauí.  São Paulo : Brasiliense, 1982. 239p.
CORREIO BRAZILIENSE -Vol. IX nº 52 pp.405-568-  SETEMBRO de 1812

Etimologia da palavra Liberdade na edição
FERRATER MORA, José –Diccionario de filosofia - Madrid : Alianza, 1981, 4v 
LIBER na cultura romana:

Jorge CRUIKSHANG 1792-1878
CAMPANHAS de NAPOLEÃO I – caricaturas de Jorge CRUISKSHANG 1792-1878

 
MOLIÉRE Jean-Baptiste POQUELIN (1622-1673) Don Juan (1665)

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