TRÊS
QUADROS
RECRIAM EVENTOS das
INDEPENDÊNCIAS de TRÊS NAÇÕES.
Todas as espécies vivas
buscam o PERTENCIMENTO ao seu próprio coletivo. Para tanto usam signos visuais,
táteis, sonoros, olfativos ou gustativos como fato inerente à Natureza física e
sensorial da sua espécie. Contudo, ao se tentar gerar um fato cultural, e em
especial o artístico, estes signos necessitam de uma construção mental, além da
física e sensorial.
Nesta construção mental destacam-se
três pintores sul-americanos. Eles produziram pinturas como algo unificador do
seu coletivo nacional. Para tanto buscaram criar uma imagem de um evento
especifico e pontual com o objetivo de ressaltar e exaltar independência dos
seus Estados nacionais. Os artistas visuais Juan Manuel Blanes (1830-1901),
Martin Tovar y Tovar(1827-1902) e Pedro Américo(1843-1905) enfrentaram, numa
mesma época, a reconstrução da narrativa pictórica das independências
respectivamente do Uruguai, da Venezuela e do Brasil.
Os três pintores criaram
imagens como uma busca de algo há muito ausente numa época passada e que eles
próprios não haviam vivido. Imagens longa e exaustivamente negociadas com seu coletivo nacional. Coletivo que
necessitava recriar e adotar uma forma visual unívoca e linear a partir de um
mito fundante. Mito que se originava em fatos reais acontecidos numa época
longínqua e fora das circunstâncias nas quais se criavam estas imagens. Os
autores destas imagens necessitam recriar numa única imagem onde somavam aquilo
que o tempo havia filtrado a partir de
miríades de índices dos fatos reais de época e de outros que se sobrepunham.
Esta operação implicava na existência de um projeto de seleção daqueles fatos
que dariam imagens com esta dimensão de época fundante. Ao mesmo projetavam
esta imagem para o futuro e como seria usado como tal pelas gerações humanas
subsequentes.
Fig. 01 – Tema O JURAMENTO dos 33 ORIENTALES . Fato ocorrido
em 27 de fevereiro de 1811
Motivo da obra de 1877 do pintor Juan
Manuel BLANES (1830-1901). Óleo sobre tela 311
cm x 564 cm
Blanes, Tovar y Tovar e Pedro
Américo preparam-se longamente para esta construção física e mental. Pedro Américo foi o primeiro brasileiro a
doutorar-se em Filosofia e a realizar a prática acadêmica de uma tese defendida
em banca e diante de 2.000 ouvintes.
Esta preparação é uma
necessidade, pois quem produz, veicula e lida com eventos da memória humana
individual ou coletiva, sempre está diante de algo ausente e irrecuperável.
Especialmente um evento crucial e de repercussões coletivas, como de uma nação,
foram vistos por numerosas testemunhas onde cada uma das individualidades busca
realizar a sua própria narrativa. Ainda que seja possível transcender a
contradição - entre a percepção individual e natural com o se contrário de uma
visão coletiva no caminho da artificialidade dos Estados- nações- como Hobsbawn
concluiu (1990, p. 214) o seu estudo:
“essa história teria que, inevitavelmente, ser escrita como história de
um mundo que não pode mais ser contido dentro dos limites das “nações” e “Estados-nações”,
como estes costumavam ser definidos, tanto politicamente, ou economicamente, ou
culturalmente, ou mesmo, linguisticamente”
Fig. 02 – Tema BATALHA
de CARABOBO. Fato ocorrido em 24 de julho de 1821 Imagem criada por Martin
TOVAR y TOVAR (1827-1902). Pormenor de uma tela, pintada em Paris em
1887, e depois maruflada sob a abóbada elíptica da Assembleia Nacional da
Venezuela
O efeito pode ser
exatamente o contrário quando os grupos internos de uma determinada nação defronta-se
com o lado externo de suas cápsulas nacionais hermeticamente fechadas. Este
conjunto artificial implode e desmorona quando estes grupos internos constatam
as suas diferenças fundamentais os deixam em desvantagens diante de outras
nações que se abrem neste mundo planetário, democrático e de ágeis trocas
materiais e imateriais e de cujo fluxo estiveram longamente excluídos.
A obediência coletiva no
interior de numa cápsula nacional hermeticamente fechada, numa consciência coletiva ordenadora das
ações coletivas, desmoronou definitivamente no final do século XIX quando o mesmo Hobsbawm (1990, pp.104/5) observou que:
“tornou-se óbvio – a partir da década de 1880 – que onde
se concedesse a participação política, ao homem comum como um cidadão, não se
poderia mais confiar em que ele desse lealdade
automática e apoio aos seus superiores ou ao Estado[...] Alguns padrões que
tradicionalmente haviam garantido a lealdade, como legitimidade dinástica,, a
ordenação divina, o direito histórico e a continuidade a dominação, ou a coesão religiosa, estavam
seriamente enfraquecidos”.
Esta falta de obediência automática e natural,
impunha a criação de processos de planejamento, de geração e de conquista desta confiança agora negociada
permanentemente por meio de contratos por tempo determinado.
No Brasil a década de
1880 vem logo após o episódio da separação oficial da Igreja e do Estado e
culmina com a substituição do regime imperial pelo republicano. A população,
num ato supremo de vingança contra a nobreza, confere silenciosamente estes
títulos aos seus cães.
Na síntese entre a
massiva obediência cega coletiva e a negociação pontual de cidadão em
cidadão é possível argumentar que a
dialética entre a sístole da concentração única e massiva e a diástole para o
singular e único, obriga ao poder fluir constantemente entre estes extremos como
o sangue.
Na percepção lusitana
dominadora, a memória e a identidade do Brasil colonial, eram perigosas para a cápsula
que procuravam manter hermeticamente fechada, senão suspeitas ou subversivas.
Diante deste longo discurso colonial único e fixo hermético, as primeiras
narrativas e resgates de índices materiais tiveram de ser realizados por
estrangeiros isentos da cultura de heteronomia herdado do passado. Regina de
Abre escreveu (1996, p.163) que este trabalho teve realizado no Brasil onde se
constituíram “vários centros de
intelectuais, tomando por base a teoria da evolução, partiram para o trabalho
de reelaborarão das teorias européias em função do contexto específico
brasileiro, pensando em sua aplicação local”. Só no final do século XIX
este esforço atingiu alguma densidade e com alguns resultados para consumo
interno. A universidade no Brasil, como centro de pesquisa foi criada em 11 de
abril de 1931 por meio de decreto. Constata-se novamente no início do terceiro
milênio, que os estrangeiros e os caros estágios em universidades
internacionais de ponta, demoraram em dar os seus frutos neste mundo
planetário, democrático e de ágeis trocas materiais e imateriais e de cujo
fluxo os brasileiros estiveram excluídos longa e reiteradamente.
A mediação deste
processo por signos tangíveis não pode ser mero produto de marketing e
propaganda nacionalista, populista e onde domino o discurso de que “a quantidade produz a qualidade”.
Outras culturas tentaram
este caminho formal e externo, por meio da fabricação de seus imortais por meio
de narrativas heróicas. Este processo foi absorvido e adotada também nas Academias de Artes por meio
da disciplina da Pintura Histórica que institucionalizou esta fabricação da
história nacional. A Alemanha produziu, entre o BEFREIUNSGSHALLE de Kelheim, erguido entre 1815
a 1863, portanto antes da unificação alemã, sob o rei Ludovico I da Baviera e a
intervenção do arquiteto Franz Karl Leopold Klenze (1784-1864)
No Brasil esta cadeira
foi introduzida pela Missão Artística Francesa. Eles vinham da experiência
napoleônica. Dom Pedro I do Brasil e seu filho portaram o titulo de Imperador
em vez de rei como se pai e avô. Pedro Américo foi um dos herdeiros desta
tradição sendo professor de História da Arte na Academia Imperial de Belas
Artes
Fig. 03 – Tema GRITO de IPIRANGA fato ocorrido em 07
de setembro de 1822 Pintura da imagem em 1888 por Pedro Américo FIGUEIRDO e MELLO, (1843-1905) Óleo sobre tela 415 cm X 760 cm,
Culminância de um
Romantismo tardio. Romantismo que abandonou as narrativas e reconstruções do
mundo greco-romano a favor das narrativas nacionais e regionais da cultura e das gestas medievais. Reforçadas pelo Neo Gótico, da retomada
das legendas medievais como tema, o canto gregoriano e Arts and Craft's. A
curiosidade e o exótico são reforçados pelas comunicações técnicas e as mídias.
“A
maiorias dos estudiosos, hoje, concordaria que línguas padronizadas nacionais,
falas e escritas, não podem emergir nessa forma antes da imprensa e da
alfabetização em massa e, portanto, da escolarização em massa”. Hobsbawn,
1990, p. 19
A obra de arte na época
de sua reprodução estudada na denominada Escola de Frankfurt entre eles por Walter Benjamin. Eles seguiam as pistas aberta
por Paul Valery:
"Nossas
belas-artes foram instituídas, assim como os seus tipos e práticas foram
fixados, num tempo bem diferente do nosso, por homens cujo poder de ação sobre
as coisas era insignificante face àquele que possuímos. Mas o admirável
incremento de nossos meios, a flexibilidade e precisão que alcançam, as idéias
e os hábitos que introduzem, asseguram-nos modificações próximas e muito
profundas na velha indústria do belo. Existe, em todas as artes, uma parte física
que não pode mais ser elidida das iniciativas do conhecimento e das
potencialidades modernas. Nem a matéria, nem o espaço, nem o tempo, ainda são,
decorridos vinte anos, o que eles sempre foram. É preciso estar ciente de que,
se essas tão imensas inovações transformam toda a técnica das artes e, nesse
sentido, atuam sobre a própria invenção, devem, possivelmente, ir até ao ponto
de modificar a própria noção de arte, de modo admirável." (Paul Valéry, Pièces sur l'Art, Paris, 1934; "Conquête de
l'Ubiquité", pp. 103,104
É
vasto este panorama desta reprodutibilidade mecânica da obra de arte. As suas
fontes decorrem desde a crise renascentista do “homem como centro do universo”. Crise esta estudada na História da
Arte por Arnold Hauser. Crise que continuou a rebater e a fazer nascer reações
positivas e negativas na França, Alemanha, Itália Estados Unidos... expressas
nas obras da Escola de Paris e dos “pintores
pompier”.
A era industrial
legitimou e deu suporte à estas pesquisas e o papel da “Ciência do Folclore”
proposta, no dia 22 de agosto de 1846, por William John Thoms na Royal Society of London.
Este conjunto – cultural,
científico e industrial - desembocou nas pesquisas estéticas do Art and Craft’s
de William Morrris e no esplendor do Fin-du-Siècle francês, comandado pelo
hedonismo da Belle Epoque e Art-Nouveau justificadas pelo positivismo. Ao mesmo
tempo ela é apropriada pela indústria cultural, pelas empresas de marketing e
propaganda que irão promover as grandes feiras industriais
Fig. 04 – Um CARTAZ da EXPOSIÇÂO de 1910 mostra o uso dos signos da identidade nacional
da Argentina num evento comercial celebrado na Itália. Eventos realizados por
empresas de marketing e propaganda que se apropriavam do patrimônio simbólico
elaborado por uma geração de artistas, políticos, técnicos e instituições que
não tinham mais nada a ver com este uso. Daí para o populismo estético e a
industria cultural só foi um passo. Uso que irá afundar com a I Guerra a mundial entre os anos de 1914 e 1918..
Inclusive Vitor Meireles criou e expôs no Rio de Janeiro as suas cenas panorâmicas da 1ª Missa no Brasil e da Baia da Guanabara na Revolta da Armada.
Porém os anglo-saxões usaram a carga máxima da sua capacidade em
perceber em “cada necessidade um negócio”.
Os norte-americanos perceberam, nesta época, como transformar numa indústria cultural da imagem esta ameaça da perda de
unidade e confiança no seu coletivo Assim financiaram,
em 1883, os panoramas murais, da Guerra da Secessão
http://en.wikipedia.org/wiki/Paul_Philippoteaux
- tema que havia desafiado a integridade e a unidade norte-americana, seguida da obra de outro francês que modelou a
Estátua da Liberdade , em 1886, http://einestages.spiegel.de/static/topicalbumbackground/23781/fackel_im_turm.html
e que se tornou ícone nacional e internacional
que continua a funcionar como tal até os dias presentes.
Numa perspectiva
luso-brasileira é necessário destacar a eficiência da construção artificial
deste projeto de identidade nacional. O território do atual Brasil, na época de
sua descoberta européia, contava com mais de dois milhões de habitantes,
enquanto Portugal europeu o numero de seus habitantes estava na casa de um
milhão. Portanto eram 2 para um. Trinfou a minoria, pois esta minoria havia
projetado e construído arduamente a sua própria identidade. Esta era bem
superior ao difuso sentimento dos “tamoios” e que percebia a sua idendidade
apenas com o sentimento natural dos “velhos da terra” e sem maior elaboração
anterior ou ulterior ao choque com a cultura estranha européia. Enquanto a
identidade lusa era o resultado de somatórias e que, no ano de 1500, havia
atingido um ponto crítico no processo da construção de sua unidade nacional.
Esta identidade permitiu-lhe a reprodução no imenso território do Novo Mundo,
já habitado, mas sobrepor-se em territórios nos quatro cantos do mundo à outras
culturas e identidades bem mais elaboradas.
Na conclusão do presente
texto é necessário registrar que a busca do PERTENCIMENTO é característico de
todas as espécies vivas. Esta busca é realizada por signos visuais, táteis,
sonoros olfativos ou gustativos. Este é um fato inerente à Natureza. Contudo ao
se tentar gerar um fato cultural e em especial artístico, estes signos são uma
construção mental além da física. A fortuna desta construção pode ser medida pela
sua recepção e avaliada pela sua larga difusão. A sua eficácia pela
contribuição na construção do inconsciente coletivo destas nacionalidades que
adotam estas obras e as mantém como algo natural e incorporado como se sempre
estivessem ali fazendo este papel.
FONTES BIBLIOGRÁFICAS.
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escolhidos
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(Os pensadores nº 48)
HAUSER, Arnold
(1892-1978) - Maneirismo : a crise da
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HOBSBAWN
Eric John Earnest (1917 )– Nações e nacionalismo desde 1780:
programa , mito e realidade Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1990 230 p
MICELI,
Sérgio. Intelectuais e classe dirigente no Brasil (1920-1945). São
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____.
Imagens negociadas : retratos da
elite brasileira (1920-1940). São Paulo : Companhia de Letras, 1996, 174p.
ORTIZ,
Renato. Cultura Brasileira & Identidade Nacional. 3.ed. São Paulo : Brasiliense, 1985. 147p.
____. Cultura
e modernidade. São Paulo :
Brasiliense, 1991. 282 p.
FONTES NUMÉRICAS
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Juan
Manuel BLANES 1830-1901
PINTORES
URUGUAIOS
Os
33 orientales
HISTÒRIA
por IMAGENS
Martin
TOVAR y TOVAR (1827-1902)
PINTURA
de PANORÂMIOS:
BEFREIUNSGSHALLE
– Kelheim 1815-1842 – Klenze – 1863
Vitor
MEIRELES 1832-1903
Maior
Quadro do Mundo: Paul
Dominique PHILIPPOTEAUX (1848-1923) filho de Henri Felix Emmanuel (1815-1884)
A
FABRICAÇÂO do IMORTAL
A OBRA
de sua REPRODUDIPOLIDADE MECÂNICA
1886
- Estátua da Liberdade NY
Opiniões de periódicos do final do século XIX sobre a pintura no
BRASIL
PEDRO AMÉRICO
Breve biografia
O quadro do IPIRANGA
LIVROS
EDITADOS
FIGUEIRDO e MELLO,
Pedro Américo (1843-1905) – Considerações
filosóficas sobre as belas-artes entre
os antigos (1864)– Estudo introdutório de
Silvano Alves Bezerra da Silva. João
Pessoa : Editora Universitária – UFPB, 2006, 256 p
FIGUEIRDO
e MELLO, Pedro Américo (1843-1905)
-Pronunciamentos como Deputado da Paraíba na 1ª CONSTITUINTE REPUBLICANA BRASILEIRA - CONGRESSO NACIONAL Na sessão de 20 de
dezembro de 1890 in ESTADO da PARAHYBA Domingo, 11 de janeiro de 1891
------Pronunciamentos
como Deputado da Paraíba na 1ª
CONSTITUINTE REPUBLICANA BRASILEIRA CONGRESSO NACIONAL Na sessão de 27 de
janeiro de 1891. In O clero no parlamento
brasileiro. Pronunciamentos de parlamentares na Constituinte de 1891 –Rio
de Janeiro e Brasília: Fundação Casa de
Rui Barbosa : Senado Federal, 1982, pp. 314-322
------PROPOSTAS
APRESENTADAS pelo PINTOR PEDRO AMÉRICO de FIGUEREDO E MELLO na SESSÃO CÂMARA
dos DEPUTADOS, REALIZADA no 18 de JULHO de 1892.[ grafia atualizada ] Publicado
em VASCONCELOS, Amaury. Antologia dos Oradores Paraibanos
João Pessoa : A União. 2001, pp.30 -36.
-----
DISCURSO PRONUNCIADO por PEDRO AMERICO
na CAMARA dos DEPUTADOS na SESSÃO de 8
de JULHO de 1892. In: ESTADO DO PARAHYBA
- ANNO III - DOMINGO, 24 DE JULHO DE 1892 - N° 555
----------------LA SCIENCE ET
LES SYSTÈMES.O ECLETISMO de PEDRO AMÉRICO. CORREIO
das ARTES – João Pessoa – Paraíba, ano .. nº ..., 08/06/1999
p. --
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