BRASIL em SETEMBRO de 1811.
“As conseqüências inevitáveis do systema colonial, que não querem abolir; tudo conspira a fazer que o povo do Brazil se não aproveite dos preciosos dons que a natureza lhe offerece, nem goze das felicidades que o seu local lhe permitte”.
CORREIO BRAZILIENSE Miscellanea, setembro de 1811. VOL. VIL Nº. 40. p.. 398
http://www.brasiliana.usp.br/debret
Fig. 01 – COMÉRCIO de ESCRAVOS. Rio de Janeiro – Jean Baptiste Debret (1768-1848)
Em setembro de 1811 faltavam ainda 11 anos para o Brasil conseguir a sua soberania. A luminosa primavera da independência vinha sendo adiada pelo lento e obscuro inverno colonial que congelava as vontades nacionais por meio de sucessivas protelações e intervenções de toda ordem e natureza.
https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjNYRsyQBc6ozlM30qlvOAnBFUyG5HM1w6bpVrNij465lrvyLfLi9FgFHy7OKzw6re_Ixj8chGJFD5crrZajj_5UAAJDh1mjFAurGo7rYtjweiM8ifIwpcqd36CH6XIV5UFwOy_2CQZzhzp/s1600-h/convencao-de-sintra.jpg
Fig. 02 – Frota de navios de guerra ingleses que deu cobertura e que transportou a corte lusitana em fuga ao Brasil e que também transportou o saque frances dos tesouros de Lisboa.
As notícias vindas de Portugal, em setembro de 1811, davam conta dos desmandos continuados e múltiplos que o povo lusitano sofria nas mãos de servidores submetidos a quatro patrões diferentes. Cada um deles com os seus próprios interesses em jogo, com segredos e com iprevisíveis vazamentos de informações. Um dos patrões estava refugiado na América. No entanto os instrumentos formais de seu governo continuavam a funcionar em Portugal por hábito e inércia explorados por hábeis velhacos que ocupavam os cargos com as funções esvaziadas por estrangeiros. O esvaziamento vinha da França, outro patrão pelas armas. Estas armas traziam de roldão, na ponta da baioneta, os espanhóis de cuja casa real provinha Dona Carlota Joaquina, princesa e depois Rainha de Portugal e que queria ser obedecida de joelhos a partir do Rio de Janeiro. Estes três se esgueiravam do poder dos astutos ingleses que estavam picados, pois recentemente haviam perdido os Estados Unidos e procuravam fonte alternativa de riquezas e poder.
Fig. 03 – Os saqueadores franceses dos tesouros de Lisboa que antes haviam pago uma pesada contribuição ao erário de Napoleão para permanecer neutra. Os sábios políticos do Gabinete Português acharam que deviam mandar para a França quanto dinheiro puderam espremer dos povos; assim acabaram de arruinar o Estado, e os franceses depois de repetidas sangrias tomaram posse de Portugal, e obrigaram a família Real a emigrar para o Brasil.
Certamente havia uma guerra em andamento e a única coisa que o povo tinha de pagá-la. As condições destas contribuições podem-se depreender do que publicou o CORREIO BRAZILIENSE setembro de 1811. VOL. VIL Nº. 40. pp. 399 até 403 na sessão Miscellanea.
A situação de PORTUGAL registrada em setembro de 1811.
· O segredo do Erário é uma capa de velhacos.
· Brigam as comadres, descobrem-se as verdades
No começo deste N° publicamos a portaria do Governo em Lisboa, em que se estabelecem as contribuiçoens de guerra, e forma da sua colleta. Nos supporiamos que éra este um objecto, em que deveria ter voto Lord Wellington, e Mr. Stuart; por ser um negocio pertencente á fazenda, e á guerra ; mas temos razaõ de suppôr que nem nem outro estiveram presentes às deliberaçoens; porque Lord Wellington acha-se no exercito, e Mr. Stuart naõ vai á regência há perto de quatro mezes; ao menos os porteiros e mais gente do sancto palácio, aonde a Regência faz as sessoens, naõ o tem visto entrar ali, ha muito tempo. Nós sentimos bastante a auzencia destes dous membros da Regência, quando se tractava tal matéria • porque a administração das finanças he um dos artigos em que nós desejáramos ver a Portugal immitando Inglaterra ; e se aquelles Inglezes assistissem he summamente provável que applicassera as suas ideas ao caso actual.
http://www.wikipaintings.org/en/francisco-goya/the-duke-of-wellington-1814
Fig. 04 – Sir Arthur Wellesley (29.04.1769-114.09.1852) o 1º Duque de Wellington no comando das tropas britânicas. Após a epopéia Napoleônica foi Primeiro Ministro Britânico.
Mas Lord Wellington naõ podia largar o commando do exercito para vir a Lisboa : bem : e Mr. Stuartf estará doente. Valha-nos Deus; doente logo nesta occasiaõ, e doente ha quatro mezes 1 Talvez seja mais natural suppôr, que este Ministro não vai á Regência, ou porque elle naõ gosta de seus collegas; ou porque seus collegas naõ gostam delle. Se esta he a causa, a desgraça He ainda maior, do que se for por moléstia.
Como quer que seja; vejamos a portaria das contribuiçoens de guerra, em que parece naõ tiveram parte os membros Inglezes da Regência. Saõ estas contribuiçoens fundadas quasi no mesmo plano, das que se lançaram ha dous annos, e que eram, segundo a promessa do Governo “por aquela vez somente” mas que se continuaram o anno passado extraordinariamente, e sem exemplo e agora ficam durando em quanto durar a guerra; e sabe Deus o que se dirá depois de se acabar a guerra; porque uma vez que a imposição de tributos está considerada matéria taõ insignificante, que até se impõem por uma Portaria, e essa mesmo naõ assignada pelo Soberano, mas unicamente com as rubricas do Principal Souza e parte de seus collegas, não será nada, que assim como faltaram ao que promettêram. »o primeiro, e no segundo anno ; faltem também ao que promettem no terceiro.
Mas lá vem a pedanlaria com um retalho de Tácito, nem paz sem exercitos, nem exércitos sem paga, nem paga sem os tributos. Porém essas razoens já existiam quando se disse, que a contribuição tn por aquella vez somente .- seria pois mais sincero, dizer o que agora se diz; " emquanto durar a guerra."
Entrando no exame das disposiçoens desta portaria, principiaremos por observar, que pelo tributo da décima (talvez o único que se cobra legalmente em Portugal, segundo os nossos principios do Direito Publico Portuguez) pagam todos os homens, para a sustentação do Governo, a décima parte dos seus rendimentos; pagando alem disso todos os fructos da terra o dizimo a Deus: deste nada diremos; he um custume antiquisirao o applicar esta espécie de rendimento para o serviço do altar, o povo paga-o de boa vontade; e he preciso, e justo, que o pague porque os ministros da Religião, e o culto externo devem ser supportados com decência; nisto só era para desejar, que os dizimos se applicascem para o que o povo os destina; e naõ para dar de comer a pessoas que nada tem de commum com a Igreja. Vamos aos tributos.
Em tempo de paz, a décima parte dos rendimentos de toda a gente deve ser bastante para sustentação do Governo *. e a fallar claro muito bom deve ser aquelle Governo, que valha a pena de pagar por elle mais da décima parte dos rendimentos de todos os individuos do Estado.
Fig. 05 – Os maiores tesouros de Lisboa eram alfaias sacras de ouro, prata e pedras preciosas subtraídas das igrejas e dos conventos mantidos pelas doações religiosas do povo Este fato não foi constrangimento para os ingleses e muito menos os franceses em especial após a Revolução Francesa que havia assaltado igrejas e mosteiros na sua pátria de origem. As autoridades lusas remanescentes lançaram impostos sobre as atividades religiosas
Em Portugal naõ se contenta o Governo com esta décima; o tira da Igreja, com vários pretextos, rendimentos que entram debaixo da denominação de bens das ordens militares : alem disto cobra das compras e vendas o direito chamado a siza.; alem disto, tem o direito do maneio; alem disto cobra os renditários das alfândegas; alem disto o quinto dos morgados; alem disto o papel sellado; alem disto a décima aos ecclesiasticos; alem disto a exclusão aos individuos de negociar em certos; gêneros, de que o Governo faz monopólio; alem disto ; muitas outras cousas que são demasiado tediosas de enumerar: e nada chega para as despezas; porque, pela morte d' El Rey D. Jozé naõ devia o Governo cousa alguma, e achava-se no Erário muito dinheiro de reserva : durante o reinado seguinte naõ houve guerra, peste, fome, ou outra calamidade que produzisse confusão nas rendas publicas; e naõ obstante, quando foi necessário oppor alguma resistência á França, achou-se o Erário exhausto, e o Governo com uma grande divida ; de sorte que se augmentáram os tributos, e se recorreo á medida, do papel moeda.
Ora durante este periodo de que falíamos, naõ sò naõ houve calamidade alguma que affligisse o reyno, mas houveram circumstancias que o deviam fazer prosperar; tal foi a guerra da independência da America, na qual esteve Portugal neutral, e ainda que o Governo naõ soube tirar todo o partido desta neutralidade, comtudo o commercio dos individuos ganhou bastante. Durante a mesma epocha, naõ se fizeram gastos a bem do estado que mereçam entrar em linha de conta; a estrada de Leyria, e o encanamento do Mondego saõ nada em comparação do resto das despezas do Erário; a re-edificaçaõ de Lisboa parou, pelo que pertencia a edificios publicos-, excepto dous que saõ o chamado Erário novo, e convento da Estrella.
Fig. 06 – A cidade de Lisboa desprovida de muralhas. Sem iniciativas de novos prédios administrativos, imobiliários e manutenção urbana, foi assolada pelo desemprego e abandono ao estilo do que aconteceu na ocupação nazista de Paris entre 1941-1944.
Naõ terá logo o povo de Portugal o direito de perguntar ; Que He feito dos tliesouros que tem pago para as despezas nacionaes ?
Como remédio para esta pobreza os sábios Politicos do Gabinete Portuguez acharam, que deviam mandar para a França quanto dinheiro puderam espremer dos povos; assim acabaram de arruinar o Estado, e os Francezes depois de repettidas sangrias tomaram posse de Portugal, e obrigaram a familia Real a emigrar para o Brazil.
Desejamos que cada Portuguez que tem o seu senso commum sem saber nada de politica, sem nunca ter estudado a sciencia do Governo, ou Economia; reflectisse sobre esta situação das cousas ; porque estamos certos, que o senso commum bastará para ver que nisto tem havido o mais grosseiro desbarato. E se naõ publiquem as contas do Governo desde o ano de 1774, até 1808; e veremos se se justificam no que tem feito. O passado ja nao pôde remediar-se; nem ainda mesmo se podem castigar muitos dos culpados; mas ao menos exponham-se esses males para se remediarem para o futuro. O ministro da Fazenda, que deixou seus filhos esperdiçar as rendas publicas com funcçoens, e prodigalidades em Vienna, e Londres ; Napoles, e Petersburgo ; he morto. O outro que foi embaixador, em Roma, e até chegou a empenhar vergonhosamente a baixella da embaixada para jogar; he morto, e morreo mui premiado por & c. &c. Mas se naõ ha remédio a respeito des. tes, a exposição desses abusos, mui circunstanciadamente, servirá para os remediar de futuro. Numa palavra; o segredo do Erário, He uma capa de vilhacos.
http://www.brasiliana.usp.br/debret
Fig. 07 – Os sábios nobres portugueses, exilados nos trópicos, mantinham rituais e envergavam trajes das cortes européias.
Esta portaria, até se lembra de fazer o intendente de policia cobrador desta contribuição !. A quem tal lembraria ! Por a cobrança e lançamento em uma só maõ ; e que maõ ? a de um magistrado absoluto e dispotico.que tem em seu poder com am fiat annihilar todo o individuo, que se atrever a queixar-se delle. Nos naõ queremos applicar o que vamos a dizer ao actual intendente de policia, porque naõ temos nenhumas informaçoens contra elle, que nos justificassem a tal ; mas argumentaremos na supposiçaõ da possibilidade, delle ou de outro qualquer seu successor querer abuzar deste malpensado poder, que se depositou em suas maõs.
Supponhamos que o Intendente de Policia lançava ás loges da inspecçaõ da sua cobrança, o dobro do que devia; e juncto com o escrivão, que para isso escolhia, fazia cobrança, e mettia na sua algibeira a parte que lhe parecia. So um aecaso poderia descubrir isto, mas a pessoa que pagou de mais queixava-se disto em publico, o Intendente mandava-a prender de segredo; e dahi embarcar a bordo de um navio para as ilhas, sem mais processo do que pôr lhe a alcunha de jacobino • Que remédio tem isto, se o Intendente quizer ser máo e obrar desta maneira ? Naõ ha appellaçaõ.
Fig. 08 – Dom João era Príncipe Herdeiro e governava, em 1811, devido o afastamento das funções de sua mãe Dona Maria I que assinara o alvará contra indústria no Brasil em 05.01.1795, e manteve a pena de Tiradentes.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Maria_I_de_Portugal
Em nossa opinião esta he outra prova, dos esforços que constantemente se fazem em Portugal para tirar o poder da ley, e pôllo nas maõs dos indivíduos ; reduzindo uma das melhores constituiçoens da Europa ao systema do Governo de Marrocos.
A p. 365 achará o Leitor uma portaria, pela qual se manda servir de Secretario na respartiçaõ do Reyno, o Desembargador do Paço Alexandre José Ferreira Castello, por se haver dado por molesto o Desembargador Salter. Dizem (valha a verdade) que as observaçoens do D T . Vicente, sobre a Septembrizaida Lisbonense he causa destas mudanças; porque Salter levou muito a mal, que o Doutor Vicente lhe carregasse tanto maõ, e disculpasse o Principal Souza ; isto causara, dizem, grandes altercaçoens entre estas duas personagens ; e portanto ja em Lisboa se naõ faz mysterio de dizer, que S. Ex». Reverendissima estava á testa daquella politica medida. Brigam as commadres, descobrera-se as verdades. Nos esperamos agora que O Dr. Vicente melhor informado, haja de desdizer-se, e restituir a S. Ex». Reverendissima o que deo de mais ao Secretario; tenha cada demo só o que lhe pertence, diz o rifaõ dos Estados Unidos.
http://www.cm-obidos.pt/Manchete/FicheirosDownload/20080815151fb8.pdf
Fig. 09 – Estudo sobre o patrimônio português saqueado na ausência do Rei e da Corte
Clique sobre texto para poder ler
As miseráveis condições do “SERVO de DOIS PATRÕES” (1745) de Carlo Goldoni, diante deste cenário do povo lusitano, submetido a QUATRO PATRÕES, multiplicam-se ao infinito e não tem a menor semelhança ou a graça da Commedia Del Arte. Estes patrões, por mais que se multiplicassem e especializassem, jamais este caminho levaria a uma democracia ao estilo daquela que os norte-americanos estavam ensaiando nesta época. Em Portugal, de 1811, as vontades encontravam-se na mais completa anormia inclusive dos próprios pretendentes a patrões tiranos que se aniquilavam, um contra o outro, os seus próprios interesses, segredos e os vazamentos de informações. Já os gregos sentenciavam que “a tirania de muitos é pior do que a tirania de um só”.
http://en.wikipedia.org/wiki/File:Tiradentes_Esquartejado_(Pedro_Am%C3%A9rico,_1893).jpg
Fig. 10 – Tiradentes Esquartejado. Por mais que se deseje discutir - as intenções do pintor deste quadro e a consciência do Mártir de seu própria projeto - prevalece um demonstração de força e crueldade do Estado Colonial lusitano da época para afastar da mente dos seus súditos qualquer veleidade de independência e subversão do Regime. Neste objetivo é necessário admitir pleno sucesso estatal em implantar pelo terror a anormia geral dos seus súditos. Sucessor projetado por meio da comunicação estatal sem concorrência e direito ao contraditório
PEDRO AMÉRICO 1843-1903 Tiradentes esquartejado 1893 – Detalhe- Museu Mariano Procopio
http://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/ju/novembro2006/ju345pag6-7.html
http://www.ifch.unicamp.br/pos/hs/anais/2006/posgrad/(48).pdf
Para o Brasil este quadro era acrescido com a prática e a legislação da escravidão em plena vigência, silenciada e tornada natural por todos os meios humanos e desumanos. Não fica difícil imaginar os fundamentos do dilema entre INDEPENDÊNCIA ou MORTE por mais aversiva e temida que ela fosse, pois nestas condições coloniais e de escravidão, viver significava na pior das mortes.
Pode-se argumentar que a transferência da corte de Lisboa ao Rio de Janeiro foi uma destas estratégias para não perder a colônia que sustentou os luxos metropolitanos após a descoberta do ouro de Minas Gerais por meio do fluxo deste metal para o erário lusitano. A presença da corte no Brasil pode ser visto como estratagema para conseguir apagar ou escamotear aquela separação entre “crioulos” e os “reinóis” tão vivamente sentido e usado como argumentos para as independências de países submetidos à Espanha.
Para o povo brasileiro a luminosa primavera não prorrompeu num grito o pela simples substituição das cores de fitinhas. O lento e obscuro inverno que congelava as vontades nacionais, por meio de sucessivas protelações e intervenções de toda ordem e natureza, levou um tempo enorme e sacrifícios de toda ordem para que o Sol da liberdade nascesse e brilhasse em todos os dias da vida da Nação.
FONTES
OURO DE LIBOA e a CONVENÇÃO de SINTRA
http://www.cm-obidos.pt/Manchete/FicheirosDownload/20080815151fb8.pdf
DEBRET brasiliana
http://www.brasiliana.usp.br/debret
DONA CARLOTA JOAQUINA
http://pt.wikipedia.org/wiki/Carlota_Joaquina_de_Bourbon
Carlo GOLDONI 1707-1793
http://en.wikipedia.org/wiki/Carlo_Goldoni
Commedia Dell Arte
http://pt.wikipedia.org/wiki/Commedia_dell'arte
VICE REI de MONTEVIDEU FRANCISCO JAVIER de ELIO e DONA CARLOTA JOAQUINA
Nenhum comentário:
Postar um comentário