sábado, 1 de outubro de 2011

NÃO FOI NO GRITO - 016

BRASIL em OUTUBRO de 1811.



O IMPÉRIO LUSO se DESAGREGA SILENCIOSAMENTE.




Fig. 01 - MACAU – Escadaria e fachada da Igreja da São Paulo
..os Canaes da prosperidade, opulencia, e poder, que em outros tempos elevaram a Nação Portugueza ao maior auge de gloria, esplendor, e de riqueza, e que passando depois ao poder de outras nações industriosas..” Alvará do Príncipe Dom João publicado no CORREIO BRAZILIENSE nº 41 - outubro de 1811 p. 409
Iremos nos ocupar, nesta e na próxima postagem, daquilo que estava acontecendo no vasto Império Luso com a sua corte ancorada provisoriamente no Rio de Janeiro em outubro de 1811. Nestas postagens nos apoiaremos nas narrativas de textos produzidos e impressos em Londres sob o nome e a coordenação de Hipólito José de Costa. Estes textos não são únicos e exclusivos sobre o tema. Havia a oposição de outros jornais da época, como ele mesmo declara num dos textos.

Fig. 02 – O IMPÉRIO LUSO – Em quatro continentes, destacando-se alguns centros
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No primeiro iremos ler o que ele registrou do estado de coisas do antigo Império espalhado pelos quatro cantos do mundo. No seguinte iremos examinar o panorama político interno do Brasil, num cenário de 200 anos atrás.

Fig. 03 - FAMÍLIA REAL chega ao RIO de JANEIRO em 07.03.1808 – Interpretação recente da cena pelo pintor inglês Geoff HUNT - Acervo do Museu Dom Pedro IV
Mesmo na atualidade poucos brasileiros dão-se conta de que o seu território já abrigou a capital do imenso império luso. Evidente que esta corte aportou de repente no Rio de Janeiro, sem aviso, sem o conhecimento e muito menos sob consulta ou anuência contratual dos brasileiros da época. Para este império o Brasil era apenas uma colônia a mais.

Fig. 04 - PORTUGUESES de Diogo Cão erguem Pelourinho na África em 1482 – O Pelourinho - além demarcar posse das terras - servia para fixar os textos das leis. Assim ninguém podia alegar o seu desconhecimento e o lugar público para a aplicação de penas físicas aos infratores.
Diante desta potência, onipresença e onisciência ele permanecia deitado sem voz e sem vez. Da mesma forma como veio, esta corte retirou-se, sem conhecimento, deliberação e anuência dos brasileiros da época. No seu retorno à Lisboa esta corte levava consigo tudo aquilo que ela podia carregar, sem a anuência, deliberação ou decisão do povo brasileiro. Uma absoluta minoria sabia ler e, assim, ter acesso às informações destas idas e vindas da corte. Muito menos ainda podia entender, deliberar e decidir, na época, em relação a este fato. Exceção em Londres e que atendia por Hipólito José da Costa. Graças ao Império Britânico, ele era alguém com olhar panorâmico e produzir um entre os muitos jornais da sua época. Ele escrevia para algumas mentes esparsas. No entanto estava fora de qualquer poder de decisão. No máximo podia compulsar alguns documentos avulsos aos quais tinha acesso na capital do mundo britânico, em rivalidade com Espanha e frontal com a França. Esta Inglaterra dizia-se proteger os interesses ibéricos nas mãos das tropas francesas.

Fig. 05 - MAPA – Império Luso
O Império Britânico conduzia políticas semelhantes em relação à Madrid e à Lisboa. Monitorava cada núcleo urbano mais próspero das duas colônias. Recolhia nelas as informações mais relevantes aos seus interesses, as processava e as transformava em decisões políticas, econômicas e militares.

No presente também não faltam motivos para interagir com este antigo universo ibérico e luso em particular. No entanto para certos interesses internacionais, esta visão, percepção e vontade do brasileiro, comum, é uma séria ameaça ao andamento velado dos seus interesses políticos, econômicos e estratégias de longo alcance. O bicentenário da Independência do Brasil seria uma boa oportunidade para reconstruir este universo. O universo ibero americano é um próprio, mas latente. Faltam instrumentos fidedignos para produzir sentido adequado, medir eficácia e coerência, reconstruir e manter formas civilizadas, positivas e férteis. Contratos coletivos de soberanias nacionais tornam-se gradativamente estéreis e inúteis quando não renovados e atualizados. A sua acelerada obsolescência, senão da sua entropia total, originam-se da falta de seu entendimento pleno. Sem a renovação continuada destes contratos coletivos e ao nível da sua origem, as colocam no caminho da inutilidade ou potencias perigos coletivos.

Fig. 06 - PELOURINO – SÂO TOMÈ e PRINCIPE
O desastre estava em andamento há duzentos anos. O perigo dava sinais de ação plena e a inutilidade coletiva do Império Luso era algo de concreto. Distante no tempo é mais fácil perceber hoje o processo deste naufrágio. Para o presente trata-se de um desastre de uma era de ouro do Império luso. Submersos ainda no regime colonial, escravocrata e depois imperial, os olhos, a emoção e a vontade pouco podiam perceber e entender o significado da liberdade e soberania potencial. No entanto, na época, certamente, nem todos estavam dormindo a bordo ou que estavam em terra firme. Assim pode-se recorrer à narrativas do interior da corte ou vindos de Londres.

Fig. 07 – PELOURINHO do Século XVI – Cabo Verde - Ilha de Santiago
CORREIO BRAZILIENSE nº 41 - outubro de 1811 pp. 407-409 POLÍTICA.
Documentos Officiaes relativos a Portugal.

Alvará com força de ley sobre o Commercio da índia.


O Principe Regente Faço saber aos que este Alvará com força de Lei virem. Que, Havendo Eu, pela Carta Regia de vinte e oito de Janeiro de mil oitocentos e oito, e outras subsequentes Determinaçoens Minhas, aberto os Portos deste Estado do Brazil, e facilitado, mediante os mais generosos princípios e amplas concessoens, o commercio e navegação assim nacional como estrangeira, em geral beneficio e utilidade dos meus fieis Vassallos, e dos estados e naçoens em Alliança, Paz, e Amizade com a minha real coroa.

Fig. 08 - ÍNDIA - DIU - igreja de São Pedro.
A globalização lusa já havia sido um vasto e vigoroso sistema de comércio que se estendia pelas quatro partes do mundo, nas mais felizes e ricas paragens. Em outubro de 1811 mantinha, por inércia, uma frágil rede, quase histórica, e que desmoronava por fora. Outras potências emergentes e concorrentes de Portugal copiavam, ampliavam e aperfeiçoavam este sistema. Por sua vez Portugal havia superado Veneza, a orgulhosa Rainha do Adriático.

Continua o texto do Alvará sobre o Comércio da Índia reproduzido no Correio Braziliense nº 41, em outubro de 1811, nas suas páginas 407 até 409:
E julgando próprio das minhas paternaes disposiçoens, que todos os meus fieis vassallos, residentes nos vastos e distantes dominios, pertencentes á monarchia Portugueza, hajaô de gozar, sem distincçaó, de todas as vantagens, que tenho facilitado por uma bem entendida liberdade de commercio. Determinei extende-las e amplia-las a beneficio do commercio assim nos meus domínios na costa de África Occidental e ilhas adjacentes, como em todos os mais estados além do Cabo da Boa Esperança, para que, por este vasto e geral systema de commercio, se reproduzaõ novos meios de conrespondencia e relação entre os Meus Vassallos, residentes nos importantes e preciosos domínios, que possuo nas mais felizes, e ricas paragens do globo, e venha a formar-se um novo nexo, que, ligando as distantes possessoens, sugeitas ao meu império, pelo desenvolvimento de novas especulaçoens e relaçoens commerciaes, haja naõ somente de facilitar aos Meus Vassallos grandíssimos interesses, mas deva também concorrer para consolidar a força, e energia, e o poder do Corpo do Estado.

Fig. 09 - AÇORES - Terceira - Chafariz das Cinco Ribeiras
O governo teria teoricamente um ponto privilegiado no domínio dos oceanos, quando instalado no Brasil, e por meio deste ponto atingir e interagir tanto com os fornecedores como com os consumidores. Porém esta mesma terra não tinha nada para produzir e “agregar valor”. O português comprava, transportava para vender em outro ponto geográfico no qual havia falta de um produto. Ele não produzia como também Veneza não produzia, agregava valor ou elaborava. A Rainha Dona Maria I havia proibido, perseguido e jogado na clandestinidade toda a indústria no Brasil pelo Alvará 05 de janeiro de 1785 . Os países concorrentes agradeceram o espaço vazio, protegeram as suas industriais emergentes e, em 1811, eram potencias e as suas máquinas e produção estavam literalmente “a todo vapor”. Sem a produção própria, sem a sua transformação e a circulação de valores o Brasil, mantido como colônia por Portugal, não adiantava enforcar, castigar escravos fujões, manter rituais medievais e exigir ordem e obediência por melhores que fossam os seus decretos e intenções.

Fig. 10 - MOMBAÇA – gravura de Georg Braun 1572
O Alvará sobre o Comércio da Índia no Correio Braziliense nº 41, em outubro de 1811, PP. 407 até 409 continua:
E tendo-me sido presente, que as Disposiçoens, que em difíerentes tempos se haviam legislado pelo Alvará de oito de Janeiro de mil setecentos e oitenta e nove, c Alvarás de dezasete de Agosto de mil setecentos e noventa e cinco, e de vinte c cinco de Novembro de mil e oitocentos, dirigidos a promover e animar o Commercio da Ásia, e a restaurar o esplendor e prosperidade de Goa, Capital dos Meus Estados na índia, e monumento, em que se achaõ gravados em caracteres indeléveis os gloriosos feitos dos meus fieis Vassallos, naÕ podiaÕ ser applicaveis ás actuaes circunstancias do Estado, nem corresponder aos grandes fins, que Me Tenho proposto pela organisaçaõ de um plano e systema geral de commercio, que haja de abraçar todos os meus reinos, e domínios nas quatro partes do Mundo, e soltar as prisoens, que impediaõ e fechavaõ parte dos portos dos meus estados ao commercio directo com outros portos dos meus próprios domínios.

Fig. 11 - MACAU – Praça
Para este novo mundo, em vias de industrialização, não adiantava governar por leis ideais, decretos e alvarás recheados de ódio ou boa vontade gloriosa, precedendo os fatos, as ações e a produção efetiva do mundo empírico. Vazio de sentido prático e de sustentação em longo prazo o jogo e o controle, sobre o poder colonial luso, já estavam rompidos e perdidos para Portugal. Em contrapartida outros povos se industrializavam e passavam a manipular os seus próprios produtos, que ofereciam cada vez mais abundantes, atraentes e baratos ao comércio mundial.

Fig. 12 – SÃO TOMÉ e PRÍNCIPE – Palácio do Povo
Os hábeis negociadores destes países, em vias de industrialização, conduziam a conquista de posição em posição, quais espertos jogadores de xadrez. Derrubavam as peças dos seus rivais e garantiam territórios cada vez mais vasto e dispersos pelo planeta transformando-os em dependentes destes produtos e como reservas do seu próprio mercado. Estes estrangeiros praticavam, no seu comércio marítimo e terrestre, o mesmo jogo que Portugal já havia realizado em outros tempos e circunstâncias, com produtos de povos estranhos. A diferença era que as máquinas industriais agregavam valor nas mãos dos países em vias de industrialização. Estes novos jogadores conferiam, a este produto industrial, um sentido renovado e específico para cada novo cliente que surgia nos seus caminhos e em territórios com reserva de mercado garantido ou pela guerra ou por tratados e contratos.

Fig. 13 - GOA - mapa 1750 – in Victorcouto
O Texto Alvará sobre o Comércio reproduzido no Correio Braziliense, nº 41, em outubro de 1811, pp. 407 até 409 conclui:
E considerando por outra parte, que a posição geográfica do Brazil he por si mesma a mais favorável e apropriada, para se constituir o empório do Commercio de Entreposto entre a Europa e Ásia. Resolvi facilitar, por meio das amplas concessóens, que por este Alvará Liberaliso aos meus -fieis Vassallos, o commercio e navegação directa nos mares da índia, China, Enseadas, Rios, Ilhas, e Portos, assim nacionaes, como estrangeiros além do Cabo da Boa Esperança, como também nos portos de Portugal, Brazil, Ilhas dos Açores, Madeira, ilhas de Cabo Verde, portos da costa de África Occidental, e ilhas adjacentes, pertencentes á minha real coroa ; abolindo todas as restricçoens, que por muitos annos obstruirão os Canaes da prosperidade, opulencia, e poder, que em outros tempos elevaram a NaçaÕ Portugueza ao maior auge de gloria, esplendor, e de riqueza, e que passando depois ao poder de outras naçoens industriosas, lhes facilitaram os meios de força e grandeza, com que, sustentando a sua Independência, se fizeram poderozas e respectaveis.

Por tanto. Revogando as dispoziçoens do citado Alvará de oito de Janeiro de mil setecentos e oitenta e nove, e dos Alvarás de dezasete de Agosto de mil setecentos e noventa e cinco, e de vinte e cinco de Novembro de mil e oitocentos.

Fig. 14 - MADEIRA – Funchal
Este panorama chega a ser patético, que se desenha diante dos poucos leitores da época, e muito poucos atuais. A leitura dos textos escritos pelos esforçados estrategistas lusos era para o ritual da assinatura do seu soberano. O Príncipe, exilado nos “tristes trópicos”, estava esperando a coroa da sua mãe inabilitada para exercer as funções inerentes ao cargo que detinha. Cabia-lhe a Regência, num ambiente que nunca havia assistido a estes rituais. Poucos se importavam destes rituais e do seu sentido. A corte sonhava retornar para civilizada Europa e, assim, recuperar a sua cadeira-trono a beira do Tejo e, assim retornar ao cenário aos hábitos multisseculares. Assim poderia retomar o nó dos fios desta imensa teia que Portugal havia sobre os quatro cantos mundo e cujo centro fora Lisboa. Contudo muitos destes fios haviam se rompido há muito tempo.

Fig. 15 - AÇORES casa
Neste meio tempo, na Europa Napoleão Bonaparte estava, em outubro de 1811, no apogeu do seu Império e a ponto de iniciar a aventura da sua investida contra o Império Russo.

No entanto chegavam ao Rio de Janeiro e para Londres as mais estranhas, alarmantes e inesperadas noticias de forças deflagradas em províncias do interior do Brasil. Forças que tinha a cobertura oficial, pois o conhecimento público dos seus desmandos, poderia amotinar o povo. Para estas forças fazia a menor diferença encontrar-se no Brasil ou na Europa. Inclusive os representantes destas forças acobertadas que atravessavam o Atlântico, em viagens particulares, para usufruir sorrateiramente as delícias de Lisboa desprovida da autoridade que a corte não podia usufruir, exilada que estava nos trópicas. É o que se verá na próxima postagem.

Fig. 16 – CABO VERDE – - igreja nª Srª do Rosário
FONTES

ALCÂNTARA MARANHÃO – Pelourinho



ALVARÁ de DONA MARIA I em 05 de janeiro de 1785



PORTUGAL e o MUNDO LUSO




Portugal e a lista dos Estados com influência lusa



FUGA ao BRASIL


GEOFF HUNT (1948 - ) – marinhista





ANGOLA



ANTILHAS ou Nova Escócia e Terra Nova



BOMBAIM



CABO VERDE



GOA ÍNDIA





DADRA e NAGAR-AVELI



DIU



LUSOFONIA



MACAU PORTUGUESA




MARIANA – Minas Gerias – Pelourinho




NAGASAKI portuguesa



TIMOR LESTE




Fig. 17 - BANDEIRAS – Mundo lusófono

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