domingo, 4 de março de 2012

NÃO foi no GRITO - 030



BRASIL em MARÇO de 1812.
ENTRE um GOVERNO NATURAL e 
um  CONTRATUAL

A experiência ensina ao homem sábio;
o estulto, nem com a experiência aprende”.
Correio Braziliense nº 46 p.379

Fig. 01 – A figura de COLOSSO  de Francisco José de Goya y Lucientes (1746-1828)  representado de costas, desatento com o seu observador e preocupado apenas consigo mesmo. A imagem foi criada nitidamente como uma emanação do natural e de uma monstruosa metáfora do EU romântico. Eu colossal, na sua mente. Mentalidade que toma em suas mãos fisicamente o PODER NATURAL. Realiza esta proeza - de se impor à multidão anônima e sem rumo - a pretexto de suas imaginadas capacidades naturais políticas, econômicas e sociais  Como se julga natural, descarta liminarmente a sua reinvenção a cada instante e lugar. Ao contrário: considera-se - a si mesmo eterno e  como um consenso válido no âmbito universal.

Existe um abismo entre um GOVERNO NATURAL e um GOVERNO CONTRATUAL.  O Brasil de março de 1812 estava se debatendo entre um GOVERNO COLONIAL NATURAL e um outro GOVERNO constituído de forma e natureza CONTRATUAL.  O governo COLONIAL LUSO considerava-se a si mesmo como legitimo a partir do pressuposto de ter “descoberto” esta região e, portanto, pertencente e devendo ser governado NATURALMENTE pelos europeus. No Brasil, dez anos antes de sua soberania e independência, pairava no horizonte a possibilidade de um GOVERNO CONTRATUAL como paradigma oposto ao GOVERNO COLONIAL vigente há três séculos. Enquanto isto despontava formas e bases que acentuavam o contraste entre um GOVERNO NATURAL e um GOVERNO CONTRATUAL, em regiões afetadas pela era industrial nos seus primórdios. Formas e bases alicerçadas nas necessidades das novas bases materiais, sociais, políticas e econômicas que este novo e inédito modo de produção impunha.
Entende-se aqui como GOVERNO NATURAL aquele que nada possui por dentro. Um GOVERNO NATURAL expressa-se - e se reproduz -   formalmente em rituais, em leis e em tradições herdadas de um passado mitificado. Esta estrutura comporta-se formalmente como a Natureza que na expressão do poeta Fernando Pessoa[1]a Natureza não tem dentro; senão não era a Natureza”. Os regimes naturais mitificam e se diz herdeiros de um passado no qual residiria sua pretendia alma. No  caso do Brasil a “descoberta pelo portugueses” alimentava este mito primordial. Este mito era embalado pelo doce hábito inquestionado da escravidão voluntária e recompensado pelo sentimento de irresponsabilidade, afastando, assim, qualquer sentimento de culpa ou algum pecado.

Fig. 02 – A figura de LEVIATHAN (1651) de Thomas Hobbes (1588-1679)  é  representada de frente, atenta com ao seu observador e preocupada com a multidão que o compõe seu todo na forma de mínimos fractais do seu todo gigantesco.  É nitidamente uma invenção mental e ideal, Como uma emanação mental e uma metáfora de um possível CONTRATO COLETIVO, impõe a sua reinvenção constante e em cada lugar.

No contraditório, um GOVERNO CONTRATUAL ostenta, age e se reproduz em função de um projeto. Projeto que o torna histórico a cada novo momento, responsabiliza e sanciona todas as ações.
No seu estertor o GOVERNO COLONIAL no Brasil inventava, em março de 1812, inimigos externos e históricos. O fazia para alimentar, embalar e dar uma sobrevida a este o mito de sua origem NATURAL. Inimigos imaginários e os tornava reais com o objetivo de acobertar a verdade da falta de sua alma. Para isto não faltavam pretextos. Reinventava confrontos constantes com a sua  rival ibérica na fronteira Sul duas suas posses terrenas. Nesta região da bacia o Rio da Prata existe uma incrível dança pelourinhos portugueses. Eles trocavam de lugar ao som da orquestra regida por vontades de papas, por reis, por ministros ou por generais no comando da Capitania Del-Rei de São Pedro.
A seguir acompanhamos mais uma forma de procrastinação lusa em revelar a falsidade do mito da origem do seu poder. Procrastinação em admitir que o PODER ORIGINÁRIO do Brasil estivesse em tempo e apto para possuir um GOVERNO CONTRATUAL de fato e de direito. O fazemos no Correio Braziliense no seu Vol VIII, nº 46, pp. 378 até 381, março de 1812, na seção Miscelânea
Reflexoens sobre as novidades deste mes.
BRAZIL.
Guerra com as Colônias de Buenos Ayres
As noticias recebidas este mez do Rio da Prata fazem menção de disputas, e até mesmo pelejas entre Hespanhoes e as tropas Portuguesas, mandada pel Corte do Rio de Janeiro a proteger o socego nas colônias Hespanholas, e parecem concordar estas informaçoens em que o exercito Braziliense, naõ obstante a concordia,entre o Governador de Monte-Video, e a Juncta de Buenos-Ayres,nao tem querido deixar Maldonado.
O caracter do Ministro, que formou o plano desta expediçaõ ; he bem conhecido de todos os Portuguezes, que, quando despacharam Manique Conservador das lamas de Lisboa; empregáram este Ministro no apropriado cargo de Inspector dos moinhos de vento

Fig. 03 – O cavaleiro da TRISTE FIGURA, criação literária,  concluída em 1615 por Miguel Cervantes (1547-1616) e representado por Gustavo Doré (1832-1883).O  HOMEM NATURAL de Sancho Pança  contrasta com a imaginada figura e deslocada, no tempo e no lugar, de um Dom Quixote. Este, imagina-se cavaleiro medieval e parte fisicamente pronto e disposto a investir contra tudo e todos - mesmo contra moinhos de vento - para a honra de sua Dulcinéia imaginada. A metáfora é NATURAL como as mentalidades e as ações e GOVERNOS que se sucedem no tempo e lugares. Governos que perderam a sua coerência como seu tempo e com o PODER ORIGINÀRIO que julgam representar e defender e pretexto de inimigos que estes governos se imaginam e inventam.

O character do general, encarregado desta expedicaõ, parece uma emanacaõ a mais pura do dicto inspector, porque foi ja Governador do Maranhaõ; (e nossos Leitores tem recebido essas noticias, pelo nosso periodico, da boa gente que para ali se manda); e entre outros actos de seu genio ; construhio um navio guadrado, a. custa da fazenda Real, em que gastou muito dinheiro ; e que por fim naõ pôde navegar, como todos prevêram, excepto o Sñr. Governador. Com tal ministro a fazer os planos, e com tal general para os executar; bem pódem os povos do Brazil conjecturar as vantagens, que tem de esperar de uma guerra tal.

Fig. 04 – O NÃO POVO  e considerado NATURAL como tal, atravessava o Atlântico  acumulados quadrados em navio negreiro e com seis escravos em metro quadrado. O que poucos ressaltam que estas embarcações navegaram sob bandeira e companhias britânicas, Quando navios e companhias perderam esta função de “negreiros” passaram a transportar imigrantes para “branquear” a América
Nós raras vezes fundamos os nossos raciocinios, e observacoens, em noticias naõ authenticas; taes como as que se receberam agora do Rio-da-Prata, em que se diz, que as nossas gloriosas armas, foram batidas pelos Hespanhoes, em vez de darem os seus golpes decisivos; mas realmente he isto taõ conforme ao que naturalmente se deve seguir do começo de taõ impolitica empreza, que naõ temos nenhuma difficuldade em o acreditar ; posto que por forma nenhuma apresentamos os factos como provados.

Fig. 05 – A fortaleza lusa  de COLÔNIA do SACRAMENTO (1680-1775),
O Politicaõ de Inglaterra, que tanto se tem esforçado em publicar a justiça, a sabedoria, e a providencia, desta medida de invadirem os Brazílianos o territorio Hespanhol do Rio-da-Prata, pareceo mostrar grande triumpho quando chegáram as noticias da accommodaçaõ de Buenos-Ayres com Monte-Video; e tanto mais, quanto se disse, que ésta pacificaçaõ éra devida ao terem ali apparecido as tropas do Brazil. Praza a Deus que essa paz seja mais sincera do que nos julgamos que he ; más comoquer que seja, nos fundamentamos nesse mesmo facto os reproches, que fizemos ao Ministro do Brazil; por rer emprehendido tal guerra ; porque se aquella concórdia foi motivada so pela apparencia das tropas estrangeiras; segue-se que os Hesparhoes temiam tanto a influencia desses estrangeiros; que julgáram conveniente esquecer-se de suas dissençoens domesticas, para se unirem em mutua defesa; e a repugnancia do general Portuguez em sahir outra vez do territorio, que lhe não pertence, e aonde entrou sem resistencia, prova que os seus temores naõ éram mal fundados. Mas o argumento do politicaõ he que esta ingerencia convem aos interesses do Governo do Brazil. He isto que negamos absolutamente.

Fig. 06 – O forte  de SANTA TERESA no atual território do Uruguai e próximo á Lagoa Mirim,
Se as fronteiras do Brazil, contíguas a éstas colônias Hespanholas, em estado de revolução, são felizes debaixo de seu Governo, naõ podem  os seus povos desejar imitar o exemplo de seus vizinhos,aonde o estado de perturbaçaõ, e de guerra civi, cauza encomodos e males que se naõ poderão ignorar; assim, o unico meio de impedir  o contagio he, o fazer com que os povos dessas províncias limitrophes sejam  cada vez mais e mais felizes, para lhes fazer desejar a continuação do seu estado actual, e aborrecer as mudanças, e novidades da outra nação. Ora perguntamos ¿ se o estado de guerra desnecessária , em que o seu Governo os põem , pode contribuir a uagmentar a sua prosperidade?
Supponhamos, que os povos da capitania do Rio-Grande do Sul, estavam desgostosos com a administraçaõ do seu Governo; e que era de temer que fossem illudidos com os gestos da liberdade, e independência de seus vizinhos Hespanhoes, fazellos entrar em guerra com elles he augmentar o desgosto da administraçaõ, em consequencia das oppreçoens que a guerra traz com sigo; e por tanto augmentar a inclinação a favor dessas novidades, que se passam entre os seus vizinhos.
  A experiência ensina ao homem sábio; o estulto, nem com a experiência aprende. Nós propomos aos Ministros do Brazil o considerar, com reflexão: qual foi cauza da destruição dos antigos governos da  Europa: e porque se vio o Governo de Portugal constrangido a emigrar para o Brazil. Isto nos levará a conhecer a linha de conducta, que o Governo do Brazil deve seguir, no estado actual das cousas; e relativamente as Colônias Hespanholas, que se acham em revolução.
A restauraçaõ das letras, e das sciencias, na Europa, fez conhecer aos povos os vícios dos antigos governos, fundamentados nos absurdos do chamado direito feudal : a vóz REFORMA retumbou de uma a outra extremidade da Europa; e ao mesmo tempo os gabinetes fizeram causa commum, para se oppor a todas as ideas de melhoramento.Todo sábio, que descubrio alguma falta nos governos, foi estigmatizado de perturbador: todo patriota que lembrou algum remédio ao mal, foi tractado como traidor; trocaram-se os nomes das cousas, o vicio foi chamada virtude, e a virtude vício. O primeiro governo que cahio victima desta impolítica luta foi o de França; e este paiz organizou uma republica de malvados, que prometteo a toda a Europa at reformas porque os povos anhelávam.

Fig. 07 – A FORTALEZA SANTA TECLA origem de BAGÈ – RS
He manifesto que a mudança na forma de governo, só por si, nunca podia remediar os abusos de que os povos se queixávam; mas como os governos naturaes naõ attendiam a nada que parecesse reforma, olháram todos para os Francezes como para a fonte de sua salvaçaõ. Os Governos em vez de illuminar os seus povos, mostrando-lhe que nenhum bem podiam esperar da Franca revolucionaria;e em vez de procurar por sí reformar os abusos de que os povos se queixávam com muita justíça; desembainháram a espada, e fizéram com as armas a guerra contra a opiniaõ. Succumbiram todos; excepto a Inglaterra. Naõ porque séja uma ilha; naõ porque as suas esquadras séjam mui numerosas; naõ porque séja mui rica: mas sim porque os Inglezes obram cordealmente com seu Governo; conhecem as felicidades que hao de perder se um inimigo externo os invadir; e portanto soffrem com paciencia os incommodos de uma guerra, que serve de lhe proteger os importantes direitos de que gozam.
Appliquemos ao Brazil esta triste experiencia da Europa. Os povos soffrem os abusos de um governo, se he possivel peíor que feudal, um despotismo militar: as colonias Hespanholas em revoluçaõ pôdem offerecer-lhe o remedio a estes males, com as mesmas promessas illusoriás dos Francezes na Europa ¿ e será o remédio a isto o seguir o mesmo plano dos governos da Europa; que por isso fôram derribados ? Que considerem os Ministros do Brazil ás difficuldades em que mettem o seu Soberano com taes conselhos. Poderaõ elles talvez impédir, que estas verdades não cheguem aos ouvidos do monarcha, ou dos- povos, mas com isso faraõ as consequencias tanto mais terriveis.


Fig. 08 – A rua pacífica de COLÔNIA do SACRAMENTOA fundada pelo portugueses na desembocadura do Rio da Prata e que foi lusa de 1680 até 1750. Cidade na qual nasceu Hipólito Jose da Costa redator de Correio Brazilense,

Sendo a revoluçaõ da America, uma guerra de opiniaõ, como tem sido na Europa; o remedio deve ser o mesmo. Nada ha mais fácil doque mostrar aos povos do Brazil a falsidade do páralogismo,que suppoem a mudança de forma de Governo remédio proprio aos abusos da administraçaõ. A forma de Governo que existe no Brazil  he a melhor que pódem ter, he a mais conforme ao character, custumes, e situaçaõ geographica da quelle paiz. Nós falamos assim, mostrando a nossa opiniao; porque desejamos fazer clara a grandissima distinçaõ entre forma de governo, e modo de  administracaõ.
Provado pois ao povo por meio dos escriptos, e theoreticamente, que actual forma de Governo he a que lhe convem; deve seguir se o mostrar-lhe que a administração está por tal maneira arranjada, que procura sinceramente a sua felicidade. Esta parte he a que se naõ póde fazer sinaõ com a practica ; porque naõ ha palavras que bastem para provar ao gotoso, que a gota lhe não dóe. Adoçar a sorte dos povos; abrir as portas às queixas; não suffocar as representaçoens qu fazem os indivíduos, attender à voz ou aos escriptos que proclamam a opinião publica: taes são as próprias medidas, que convencem os povos da bondade de uma administraçaõ.
Que importa ao individuo que ¿o seu oppressor séja o ministro de Luiz XVI que o manda para a bastilha pelo pretenso crime de antirealista; ou seja o ministtro do Directorio que o encerra no Templo, por ser antirepublicano? O que faz a infelicidade dos indivíduos, e dos povos, he a arbitrariedade das medidas, e o despotismo da administraçaõ: o nome do oppressor importa pouco ou nada.
Concluimos portanto, que o mal de que se teme o Governo do Brazil, e que diz o seu ministro he a razaõ de mandar tropas às colônias Hespanholas, naõ se cura com metter os povos nas dificuldades da guerra; mas sim com lhes procurar as felicidades da paz; principiando por uma reforma radical na admistraçaõ das provincias: porque nos parece evidente, que em quanto o systema for o despotismo militar; aonde se emprégam os validos da corte sem attençaõ a outra qualidade; nenhuma reforma, por mais util que se julgue pode ser permanente ; visto que sempre há de depender do capricho do ministro do dia ; ou do humor do Capitão General. Esta forma de administrar he mui boa para um exercito ; para uma naçaõ qualquer, he pessima.



Fig. 09 – O COLOSSO  - distraído e perdido nos seus devaneios e caprichos pessoas - é apresentado por Francisco José de Goya y Lucientes (1746-1828), em 1810,  como a Natureza o colocou no mundo. Seria apenas a imagem de mais um simples louco e alienado, se multidões não cultivassem secretamente a mesma mentalidade do retorno ao modelo da natureza bruta e dada. Esta mentalidade é induzida por governos que procrastinam soluções civilizadas e que levam os rebanhos humanos ao matadouro como é lei incontornável da Natureza dada e bruta

Na Grécia clássica esta distinção – ou confusão – entre  um GOVERNO NATURAL e outro GOVERNO CONTRATUAL e IDEAL já havia sido estudada e descrita por um dos maiores filósofos e com prática de conselheiro de governos. Esse esta vontade possui origem e interesse governamental pode- se aceitar  Platão, (1985,p.84) como
Cada governo estabelece as leis para a sua própria vantagem: a democracia leis democráticas, a tirania leis tirânicas e os outros procedem do mesmo modo; estabelecidas estas leis, declaram justa, para os governados, esta vantagem própria e punem quem transgride como violador da lei e culpado de injustiça

Certamente a sua máxima de observemos os astros e depois o deixamos em paz e façamos Astronomia” pode ser transposto “observem os povos e os seus governos que possuem e depois façamos Política”.
Contudo numa ciência digna deste nome, o retorno à realidade empírica é sempre possível.  Realidade empírica dos astros que brilham nos céus ou as multidões que sobem a palco da Historia. Certamente os tiranos gostariam de riscar este mundo empírico dos astros ou a identidade própria das pessoas com rosto, deliberações e decisões e reduzi-las a um céu fixo no qual eles são centro, e as multidões são reduzidas a um ente único e abstrato sem rosto, fixo e sem autonomia ou vontade própria. O prêmio que se oferece às multidões é aquele de não ser responsabilizado ou criminalizado pelos piores atos - que este coletivo cego, sem rosto, identidade própria ou deliberações próprias - vier a cometer. Esta heteronímia da vontade, do sentimento e do direito próprio  confere este prêmio ao conjunto que se costuma denominar povo, maioria ou multidão e que aguarda pacificado a solução final do matadouro coletivo.
Muitas formas de governo movem-se escondidos atrás desta fachada de procrastinação de soluções civilizadas.
A obediência cega à Natureza e à governos coniventes com a mentalidade que dela emana, é uma forma política e estratégica que esta multidão acha para dar livre curso aos mais baixos instintos. Depois, diante dos evidentes e previsíveis estragos, achar alguém e apontá-lo como culpado responsável pelo que acabou de praticar.
Em março de 2012 o Brasil ainda está na estrada de um GOVERNO NATURAL. Estrada pavimentada pelos rituais externos da contagem de votos compulsórios e sinalizada pela ciranda dos mesmos nomes e das mesmas mentalidades repetidas “ad nauseam” e naturalmente pelas mídias e interesses de sempre. Este GOVERNO NATURAL aposta na BOA ÍNDOLE, na vontade e satisfação do HOMEM NATURAL. Manobra massas alfabetizadas com o objetivo de mantê-las na heteronímia da Natureza. Mantém essas massas em GOVERNOS NATURAIS com validade datada por períodos. Períodos nos quais age solto e soberano,  apostando tudo para se manter-se, pelo maior tempo possível, sobre sela do touro bravio e natural. GOVERNOS NATURAIS que tratam a todos e a tudo, com atenção e seus olhos voltados para a sua próxima  reeleição ou no prolongamento por tempo indeterminado da sua própria hegemonia ou aquela da corporação a que pertence.


Fig. 10 – A paisagem natural ordenada de forma civilizada pela estadia do PODER ORIGINÀRIO LUSO de COLÔNIA do SACRAMENTO (1680) e cujos vestigios civilizados persistem,
Em março de 2012 -na metáfora dos ministros dos moinhos de vento e dos navios quadrados - os moinhos vento foram substituídos pelos aero geradores plantados nas mesmas fronteiras - em disputas sangrentas em março de 1812 - e os navios quadrados pontilham os mares na forma de plataformas petrolíferos. Se ainda falta ministro dos aero geradores e das plataformas marítimas, a verdade é que o poder originário continua a não possuir o menor contrato, alcance político para deliberar e decidir sobre este tema e tantos outros.
Contudo no campo das forças das artes a vigência desta heteronímia é determinante para o malogro da fortuna e do sucesso da pois “o produtor do valor da obra de arte não é o artista, mas o campo de produção”  Bourdieu, 1999, p. 259. Este campo de produção da arte ainda segue, em março de 2012, na heteronomia dos paradigmas de um GOVERNO COLONIAL NATURAL. Paradigmas de GOVERNOS NATURAIS que aprofundam, renovam e reinventam abismos nos quais jogam, matam e sepultam os seus pretendentes a artistas. Este paradigma contrapõe-se frontalmente com um projeto de um GOVERNO CONTRATUAL - em todos os tempos e todas as latitudes. Este último marca pela ARTE a sua ação CIVILIZADA e com a ARTE obra com o objetivo de sua permanência fértil e positiva na memória local e universal. 

FONTES.
CORREIO BRAZILIENSE nº 46 – março de 1812

FORTE de SANTA TECLA- Bagé
FORTE de SANTA TERESA -  CASTLHOS - Uruguai


PLATÃO ( 427-347) – A REPÚBLICA – Tradução di J. Guinsburg  1º volume . São Paulo : Difusão Européia do Livro, - 1985 - 238 p.    http://pt.scribd.com/doc/36631268/A-Republica-Platao-Vol-I

PLATÃO : COTEXTO do PENSAMENTO
TIRANIAS




A presente postagem possui objetivos puramente didáticos
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domingo, 19 de fevereiro de 2012

NÃO FOI NO GRITO - 029





O CORREIO BRAZILIENSE e a
CONFEDERAÇÃO dos TAMOIOS.


Fig. 01 – A estadia de HANS STADEN (1525-1579), no meio dos ameríndios no Brasil, coincidiu com a CONFEDERAÇÂO dos TAMOIOS  (1554 e 1567). Uma das imagens da sua OBRA mostra a movimentação de um grupo indígena ao redor dele subjugado e a preparação do pescado num moquém

Certamente o CORREIO BRAZILENSE “NÃO FOI NO GRITO” proveniente das profundezas históricas da CONFEDERAÇÂO dos TAMOIOS. Bem ao contrário. O CORREIO silenciou completamente, entre 1810- 1822, o levante dos ameríndios brasileiros ocorrido no Brasil entre os anos de 1560 e 1575, portanto 230 anos antes. Como  o autor do periódico também nunca abriu as suas páginas para noticiar a situação dos primitivos habitantes da Américas. Ou considerar ou qualquer projeto para eles ou para avaliar eventuais conquistas deles ao longo da era colonial brasileira. Mesmo o fato de eles conquistarem, a duras e prolongadas penas,  a isenção do regime da escravidão legal.
Fig. 02 – Retrato de HIPOLITO JOSÉ DA COSTA
De outra parte não há noticia que algum indígena brasileiro fosse destinatário e / ou leitor do Correio Braziliense, ou que desejasse conhecer o que nele se publicava em Londres.
O autor deste blog problematiza este silêncio recíproco. Em primeiro lugar onde existe um silencio, também existe um problema a ocultar. Em segundo lugar este vazio - e este problema -  aponta um grande e rico manancial a investigar. Em terceiro lugar este silêncio revela a urgência e a importância que o autor de Correio conferia a outros projetos. Entre estes outros projetos estava a representação de um sujeito imaginado que tentava passar ao seu leitor. Este sujeito imaginado consumia toda a tinta, o papel e os seus esforços para que o destinatário do seu jornal  entendesse seu projeto central. 


ECKHOUT Albert - Dança dos Tapuias
Fig. 03 – Nesta imagem do INDIO BRASILEIRO visto  e registrado pelos HOLANDESES, meio século após a Confederação dos Tamoios

A CONFEDERAÇÂO dos TAMOIOS, ou “os velhos  de terra” faz pensar  nas atribuições de um senado Romano. O termo “senado” procede do latim “Senex”, significando “homem velho”. Senado significa, portanto, literalmente, “conselho de homens velhos”. Evidente que a idéia não estava madura. Gerações de “antigos da terra” havia devorado em rituais antropofágicos os valentes da tribos inimigas. Tribos inimigas e juradas de morte, queriam, de repente se confederar. Apesar das tentativas nesta confederação, isto era impossível de um momento para outro. Impossibilidade interna e externa graças à força , perspicácia, decisão inabalável e equipamentos dos inimigos externos. A passagem da cultura do caçador nômade face ao agricultor sedentário não constitui nenhum passo de mágica.  Os territórios de caça eram coletivos da tribo. Esta mentalidade isente do sentido de posse individual enfrentavam-se com a mentalidade do agricultor sedentário com posse uni familiar e individualizada. Este confronto não terminou, pois as nações e as reservas indígenas continua a praticar esta posse coletiva
É impossível imaginar que Hipólito José da Costa - nascido na Colônia de Sacramento e educação realizada em Porto Alegre -  desconhecesse e soubesse nada do primitivo habitante do Brasil. Colônia que fora trocada com  a Coroa de Castela pela posse das terras das Missões


Fig. 04 – A multiplicidade dos agentes e dos interesses em jogo neste contato entre os divididos ANTIGOS da TERRA e os não menos divididos europeus é visível nesta imagem e mapa com os nomes dos territórios  em aguerridas e vitais disputas. Certamente os ruídos e gritos guerreiro não chegaram e nem mais interessavam aos ouvidos e aos interesses do Editor do Correio Braziliense e as seus leitores.

O Iluminismo europeu não foi algo monolítico e sem contradições. A questão do indígena americano recebeu as mais ardentes defesas de um Rousseau. Outros deram-se conta, na direção contrária, que este primitivo idealizado era um iletrado vivendo a pré-história no atual território do Brasil. Para “corrigir” este bárbaro era necessário reduzi-lo, dominá-lo e fazê-lo trabalhar no âmbito da nova era industrial que despontava nos centros hegemônicos da Europa.
A contradição entre estas duas concepções era expressa pelo vice-reinado ainda instalado em Salvador por meio de um Diretório ainda em 1758 e coerente com corte lusitana de Lisboa. De um lado reconhecia no primeiro parágrafo definia, como o ideal... o “governo” dos próprios índios através dos “principais”. No contraditório privava os índios   da língua avanhenga e tomava todas as providências para que ela fosse banida .

Isto apesar de o bandeirante ser filho de português e mãe indígena. Esta mãe havia ensinado a língua geral da terra e a preparação dos alimentos nativos da região como a mandioca, o milho e as carnes da caça e pesca preparando o filho para se comunicar com toda a população e passar anos nas suas “bandeiras” conquistadoras. A hegemonia de uma língua decorre da força política de uma parcela dominante.
O governo de Portugal imantou-se pelas luzes deste projeto, no âmbito da colônia brasileira. Ali o governo lusitano uniu-se, ao seu mais figadal inimigo ibérico. Juntos financiaram uma custosa campanha militar para exterminar as Reduções. Esta campanha foi descrita, por cima e por fora, por seus intelectuais num típico discurso em Prosa e Verso. Entre os versos encontra-se o poema “URAGUAI” (1769) de José Basílio GAMA (1741-1795). Tentavam projetar as suas glórias para a eternidade. Glórias que imaginavam incontestáveis, únicas e definitivas. Todo o CORREIO BRAZILIENSE parece ser um corolário deste projeto inacabado iluminista. Projeto que sempre corre o risco de surgir alguém qualificado para apontar as contradições que lhe são imanentes. O primitivo habitante do Brasil era matéria a ser silenciada, ocultada e sem lugar neste projeto como continuam ainda em 2012.


Fig. 05 – Os antigos castelos medievais europeus encontraram semelhança no Brasil as aldeias dos silvícolas constituídas pelas emblemáticas e funcionais mandalas das caiçaras que cercavam as ocas coletivas e um centro sem ocupação e sem dono. Os combates constantes entre tribos - devido a interesses imemoriais e de ocasião - trabalhavam contra toda a possibilidade de uma sólida e sustentável  CONFEDERAÇÂO dos ANTIGOS da TERRA

Em 1812, o autor do Correio Braziliense necessitava fazer ouvidos moucos para esta história antiga da CONFEDERAÇÂO dos TAMOIOS ou a mais recente das MISSÕES. A estratégia era remeter a culpa ao sistema colonial. De outra parte, como Hipólito José da Costa projetava manter a unidade do sistema lusitano, seria um erro flagrante prestar a menor atenção a particularidades e identidades regionais.  A solução era enterrar a identidade brasileira no silêncio em especial em relação ao seu primitivo habitante. Contudo proclamada a Soberania - e Independência do Brasil em relação ao sistema unitário lusitano -  foi na questão indígena que os poetas, os escritores, os músicos e os artistas visuais encontraram fonte inesgotável par escandir e mostrar esta identidade e diferença em relação o resto da cultura lusitana.


Fig. 06 – O barbudo e velho  HANS STADEN (1525-1579), no meio da aldeia. Ele  soube  entender  o sentido do ritual da antropofagia e o transformou de totem da tribo  em tabu coletivo. O totem de que a carne do forte fortalecia as tribo contras os seus inimigos foi aproveitado pra provar   que a carne de um branco e velho iria tornar fraca a tribo e os guerreiros .

O editor do Correio Brazilense unia-se a cultura dos administradores britânicos que agiam por cima e por fora de qualquer outra cultura qu na fosse a sua. No Brasil, antes desta explosão cultural as missões européias, não lusitanas, foram generosas em produzir documentos científicos e artísticos cujo tema era esta primitiva população brasileira.
Os Tamoios, que os portugueses viam como rebeldes confederados aos franceses, permanecem uma imagem profícua para o Brasil. Não apenas  para pensar o nascimento da nação mas, recentemente, inclusive, para  pensar os destinos dos povos indígenas atuais que, aos poucos, encontram  formas de se representar como um “conjunto” e como um “movimento”.

PERRONE – MOISES Beatriz et SZTUTMAN Renato “Notícias de uma certa confederação tamoio” in MANA 16(2): 401-433, 2010 *p. 403


Fig. 07 – Chefe Guaicuru preparando-s para a viagem até a corte do Rio de Janeiro onde foi desenhado por Debret e depois este desenho foi publicado em Paris. Esta tribo havia sofrido a aculturação missioneira e dos bandeirantes

Na mesma época em que o CORREIO BRAZILENSE silenciava o tema do primitivo habitante ameríndio. o francês João Batista Debret abriu o seu olhar, atenção e traço para registrar as abundantes acampamentos de indígenas que se formavam ao redor da corte lusa refugiada no Rio no Rio de Janeiro. Bastava estar atento.
Quant à l'histoire particulière des sauvages, une circonstance heureuse m'en fournit les premiers matériaux : deux jours s'étaient à peine écoulés depuis notre arrivée, que Ton nous fit voir des indigènes Botocoudes récemment amenés à Rio-Janeiro par un voyageur qui me donna la facilité de les dessiner avec soin, en ajoutant à cette complaisance des renseignements aussi vrais qu'intéressants sur les moeurs de ces indigènes, au milieu desquels Il avait vécu. Le hasard me fit ainsi commencer, au sein d'une capitale civilisée, cette collection particulière des sauvages que je devais achever dans les forêts vierges du Brésil.

Os Tamoio ou Tamuja, como os  chama Anchieta, é um cognato de tamo que, em muitas línguas tupi-guarani,  significa “avô”, “homem velho”, e não raro também chefe, líder doméstico, espiritual e/ou político. Entre os Guarani atuais, como salienta Pissolato,  tamoi significa, em princípio, “avô”, mas costuma ser utilizado de modo mais  amplo para se referir a “homens mais velhos, em particular líder p. 415

É interessante perceber que os Iroqueses da América do Norte empreenderam a sua confederação, antes da descoberta da América. As suas cinco nações originais continuam a aglutinar os descendentes atuais. Também foram estudados e descritos pelos jesuítas e cujas obras foram publicadas na Europa que Hipólito não poderia ignorar.


Uma nação pertence a todos, porém a ninguém individualmente. A Confederação dos Tamoios desejava implantar esta lógica. Percebia a necessidade de afirmar este principio diante do sentimento comandado pela cupidez e as ações de  apropriação e de posse individual e singular, que o europeu estava implantando na terras que sempre pertenceram a todos. Terras e bens que inclusive poderiam serem usufruídos pelos europeus, contanto que eles também respeitassem este legados dos seus ancestrais. Principio que os guiou no passado e aos seus descendentes até os dias atuais nos seus toldos e suas reservas.  Os parques nacionais  passaram a constituir curiosidades exóticas e únicas para  a CULTURA OCIDENTAL numa espécie de MUSEU ao VIVO e ao CEU ABERTO.
O espetáculo a CEU ABERTO denunciam, no seu conjunto material, não só os discursos “por cima e  por fora” iluministas requentados. Discursos estrondosos de marketing, de propaganda e de contra propaganda. Discursos cada vez mais estridentes, monótonos e ensurdecedores - de ouvidos e mentes - mas necessários para abafar e silenciar os argumentos e necessidades primárias do poder originário.


Fig. 08 – As figuras de  DACUI e AIRES evidenciam que a tribo da origem da índia não necessitava nada dos comerciantes e da era industrial de outra parte nda tinha de oferecer de atrativo par a mundo industrial. A 29 de novembro de 1952, na igreja da Candelária, no Rio de Janeiro, o sertanista Aires Câmara da Cunha casa-se com a índia Diacuí, do Xingu. O padrinho foi Assis Chateaubriand. Presentes 10.000 pessoas, entre grã-finos, índios e curiosos. O fato, na época, foi registrado pela imprensa de todo o mundo. 


O longo cortejo europeu foi movido pelas mais diferentes motivações nas suas empresas na América face ao seu primitivo habitante. O primeiro conquistador procurou impor a sua lógica e pretendido  direito de “descobridor” sobre os nativos. As legiões de religiosos viam neste ameríndio “almas a conquistar” a qualquer preço. O discurso iluminista abriu caminho ao comerciante da 1º era industrial diante do ‘bom primitiva e sem culpas”, mas cuja cultura e língua mais atraplhavam o negócio imaginado e controlado pelo europeu. No Brasil o positivismo motivou um Marechal Rondon (1865-1958) e no Rio Grande do Sul Carlos Torres Gonçalves (1876-1974) a perceber no índio um ser humano. Eles o denominavam de “irmão selvagem” e com este discurso abriu reservas, toldos e aldeias como peças de um museu ao céu aberto de uma cultura disfuncional para o tempos e as práticas contemporâneos.
Contudo estas motivações possuíam, na prática, o seu  centro na cultura e mentalidade mercantilista, capitalista e da era industrial incipiente do qual o Correio Braziliense era uma das expressões escritas. O ENTE indígena fugia a estas motivações. Restava praticar o silencio e a cegueira intencional para que este  SER ameríndio não fosse percebido muito menos viesses atrapalhar o euro centrismo que se queria hegemônico. O ameríndio não se enquadrava no ente europeu. Este o esquadrinhava  buscando nele um potencial consumidor ou um fornecedor continuado de matéria prima como havia sido o ouro momentâneo da América ou a madeira que deu o nome ao nosso país e que a longo tempo já se esgotara.

FONTES

GAMA, José Basílio – URAGUAI - in

 DEBRET, Jean Baptiste, 1768-1848  Voyage pittoresque et historique au Brésil [...] (Volume 1) ou, Séjour d'un Artiste Français au Brésil, depuis 1816 jusqu'en 1831 inclusivement, époques de l'Avenement et de l'Abdication de S. M. D. Pedro 1er, fondateur de l'Empire brésilien. Dédié à l'Académie des Beaux-Arts de l'Institut de France, par J. B. Debret ..: Paris : Firmin Didot Frères  1834 3 v., v. 1 : il., front., 48 gravs., 1 mapa ; 54,5 x 35 cm Francês

ANCHIETA José 1534-1597 GRAMÀTICA AVANHENGA ART E da GRAM A T I C A   mais falada na costa do Brasil. Padre José de :Ànchieta da Ordem de JESU Impressor Coimbra per Antônio de M«íz em. I $ 9S

Alvar Núñez Cabeza de Vaca (1492-1568)

HANS STADEN (1525-1579)

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sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

NÃO foi no GRITO - 028


O BRASIL EM FEVEREIRO de 1812
..ou a tentativa de corrigir um erro histórico.
Fig. 01 – Nesta imagem de Nicolas d'ESCRAGNOLLE TAUNAY (1768-1830) do RIO de JANEIRO, um pouco posterior a 1812, não há ainda menor vestígio da atividade industrial. As rudes construções, por mais poéticas que pareçam, refletem a falta de artistas e artesões. Alguns pastores entretidos com seu gado enquanto alguns monges mantéem suaves tertúlias enquanto um deles especula por um teodolito ou luneta a paisagem sem nenhuma utilidade imediata. Rio de Janeiro
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 Enquanto Napoleão Bonaparte preparava, no início de 1812,  a sua catastrófica investida sobre Moscou, a Corte no Brasil sofria na carne um dos seus erros históricos cometidos antes,  como aquele Alvará Real do dia 05 de janeiro de  1785. A rainha Maria I (1734-1816) que o assinara. Esta Rainha, quando no poder efetivo havia aprovada, por este Alvará, a destruição de toda indústria na Colônia Brasileira. Ela ainda estava viva, em fevereiro de 1812, mas quem exercia o seu poder era seu filho o Príncipe Regente Dom João. Os prejuízos do Alvará de 1785, além dos econômicos eram silenciosos e não eram percebidos à primeira vista. Os prejuízos tornavam-se mais evidentes com o passar do tempo. Eles se escancararam quando uma geração de profissionais qualificados havia deixado a se formar desde 27 anos. Enquanto isto os países líderes avançavam na 1ª Era Industrial.  O abismo humano e tecnológico a vencer no Brasil era imenso e se aprofundava e agora inquietava a corte. Assim, depois da migração da nobreza e da elite ao Brasil a Corte no Rio de Janeiro, a corte tentava trazer para o Brasil os poucos artistas e artesões que permaneceram em terras lusitanas devastadas pelas sucessivas invasões dos exércitos napoleônicos. Contudo a medida não passava de mais um golpe do legalismo lusitano e de propaganda do governo, sem nada resolver na prática.

Fig. 02 –  A imagem de LISBOA desenhada pelo ingleses na época da ausência da corte  também não apresenta vestígios de atividades de artistas, artesões e muito menos de qualquer indústria. Persistia o marasmo que Miguel Ângelo ouvira de um dos seus assistentes portugueses.

Esta preocupação era uma das notícias do CORREIO BRAZILIENSE DE FEVEREIRO, 1812 no setor da POLITICA entre  Documentos officiaes relativos a Portugal publicado nas páginas 113 e 114.
EDICTAL. Pelo qual se convidam os artistas de Portugal a emigrar para o Brazil.
A Real Juncta da Fazenda da Marinha, em cumprimento da Immediala, e Real resoluçaõ dc 4 do corrente mez, faz pùblico a todos os operarios, e artistas das differentes officinas de Carpinteiro de machado; de Ferreiro de forja  e lima; de Latoeiro, e fundiçaõ; de Caldeireiro; e de Cordoeiro que conheçaõ de Calda, e Estufa; que voluntariamente quizerem passar para o Rio de Janeiro, dirigindo os seus Requerimentos ao mesmo Tribunal, para a sua qualificaçaõ, se lhes fara effectivo pagamento de tudo o que tiverem vencido, e de quatro mezes de avanço de seus jornaes, pagando-se um logo aqui, e os tres à sua chegada aquella capital, passando-se-lhes para isso os despachos necessarios, e dando-se-lhes passagem, e ás suas respectivas familias, e racaõ diaria de Puraõ para cada um: Outro sim se declara, que esta deliberacaõ se estende igualmente aos artistas, e operarios, que se occupam nas oficinas, e destinos do serviço público, e dos particulares.
Lisboa, 11 de Janeiro, de 1812. Manoel Joaquim d,Oliveira Lage.

Fig. 03 –  A mão de obra que a corte encontrou, ao chegar ao Brasil, era a de escravos não especializados e recém chegados da África. Não havia alguém capaz de orientá-los  nos seus trabalhos forçados, visto com castigo e sem lucro algum. O artista da Missão Artística Francesa, Jean Baptiste Debret levou esta imagem  para a Europa e a publicou em Paris em 1834
Este edital mereceu comentários do mesmo número do Correio Braziliense os mais amplos no setor de  Miscelânea nas página 252 até 254  
Edictal para a emigraçaõ dos artistas de Portugal.
 A p. 113, publicamos uma ordem, que se diz viéra do Rio de Janeiro, convidando a que emigrassem para o Brazil os artistas de certas classes, que saõ alias de grande necessidade em Portugal; e offerecendo-lhe todas as vantagens, que os podem induzir a fazello.
As prohibiçoens, e restricçoens, que até agora tem existido, sobre o passarem os Portuguezes de Portugal para o Brazil, ou do Brazil para Portugal, &c. sempre as suppozemos injustas; porque naõ viamos que houvesse alguma necessidade de quartar a liberdade natural do cidadaõ de se mudar de uma provincia para outra, no mesmo Estado, tal qual se devem considerar Portugal, e Brazil; porém passar agora ao outro excesso, e fazer effertas para que os artistas uteis em Portugal abandonem este paiz, e se vam estabelecer no Brazil; era o que os Portugalenses naõ tinham razaõ de esperar de seu Governo; vistos os grandes sacrificios que estaõ fazendo, nesta guerra taõ desastrosa, para sustentar a integridade da monarchia.

Fig. 04 –  Outra imagem que o artista da Missão Artística Francesa, Jean Baptiste Debret colheu no Rio de Janeiro a partir de 1816 e levou esta para a Europa e a publicou em Paris em 1834.  Um saber tradicional que o dono da loja está impondo a chibatadas e palmatória.

Quando naõ houvesse muitas razoens para os Ministros do Brazil naõ darem similhante passo ; bastava a impolitica da medida, que de sua natureza indica um abandono do paiz ? e parece dizer, que “havendo o paiz de perder-se, o melhor he disfructallo em quando se pode, tirando lhe os artistas uteis".
Alguns escriptores Ingleses, traduzindo do nosso Periodico a celebre ordem ao desembargo do Paço sobre as licenças das impressoras noticiaram que nas contas publicas do anno de 1810 se acha o seguinte ittem.
Sire Robert Walker e Companhia. pelas despezas de duas imprensas mandadas de presente à S.. M. J. Regencia de Portugal 706 17 -2
Diz um deles engraçadamente que “la he um pouco duro, que naõ permita o louvar a constituição Ingleza, pelas mesmas imprensas, que custaram o dinheiro Inglez. O Principe Regente, porem permitte que se imprimam obras sobre as artes e ciências he pode escrever-se sobre o modo de plantar batatas, e cousas semelhantes  contente-se com isso que já não he pouco;  e não se intrometam com a constituição Ingleza, que faz a nossa felicidade, os põem em estado de lhes fazer presentes”.

Fig. 05 –  O comercio de escravos, sem a menor informação e preparo técnico,  era o sustento de uma casta cujo poder era imposto pela intimidação do relho e violência sem limites. Esta imagem do artista Jean Baptiste Debret da Missão Artística Francesa, que ele levou  para a Europa e a publicou em Paris em 1834
O character em uma naçaõ he força real, e estas medidas tendem a deprimir o character da naçaõ de certo a enfraqueçam : a nossa reflectida e meditada opiniaõ de muito tempo a ésta parte, que a esta serie de medidas erradas do Governo, he devido o grao de abatimento que chegou a naçaõ ; e para tornar a trazer o povo Portuguez ao mesmo estado em que estivéra d'antes, he preciso abandonar o systema seguido até aqui seguido, pelos satélites do despotismo e sectários  do Godoyanismo.
Perguntaramos aos Ministros do Brazil ¿que direito tem aquela província sobre Portugal, para a preferencia de possuir artistas porque  precisa mais delles?  î Naõ; porque o pezo da guerra não o sofre o Brazil, mas sim Portugal, e portanto he nestte ultimo que se precisam os artistas e gente util de todas as classes. Não porque os Brasilienses o mereçam mais do que os Portugalenses naõ porque estes e naõ aquelles saõ os que ardem actualmente na desolação, e se acham no centro da miseria. 

Fig. 06 –  A rainha Maria I (1734-1816) o assinou o Alvará Real do dia 05 de janeiro de  1785, provocando a destruição de toda indústria na Colônia Brasileira e a desqualificação de uma geração de mão de obra especializada. Certamente a obra foi dos seus cortesões que só lhe submeteram um lado da questão e pouco se importavam com as consequências, como alerta o redator do Correio Braziliense.

Em fim naõ de outro motívo senaõ que a Corte residindo agora no Brazil: e nos termos que esta predileçaõ do Governo a favor de uma provincia e desvantagem das outras  he taõ perniciosa ao Estado como uma predileção de uma   mãy ou de um pay, para algum dos filhos que he causa de zelos, odios, e diassençoens na familia, que saõ muitas vezes intermináveis. Eis aqui quando he summamente utill a liberdade de imprensa para expor estes abusos em suas verdadeiras causas porque se obtem a assignatura do Soberano, representando o negócio de uma face que parece vantajosa, e calando, ja por ignorância já por outro motivos de resto dos argumentos de maneira que o Soberano figura nisto como nas graças que concede, e saõ obtidas delle subrepticia ou obrepticiamente.


Fig. 07 –  O pano de fundo das concepções em confronto era a concepção da origem do poder político do Estado nacional. De um lado os que defendiam a origem divina e sagrada deste poder. Do outro era a concepção da origem deste poder como uma delegação e um contrato aceito por todos e expressa como na DECLARAÇÃO DOS DIREITOS do HOMEM e do CIDADÂO
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Evidente que estes comentários são se ordem política e pouco tem a ver com a real natureza dos artistas, artesões e uma preocupação consistente e coerente com suas condições de sua formação efetiva. A briga para a sua presença tem mais a haver com o horror com o trabalho manual e ao qual todo lusitano ou brasileiro tentou e tenta fugir.


Fonte http://www.ciriosimon.pro.br/aca/aca.html  - ORIHENS DO INSTITUTO de ARTES –UFGRS fls. 637 a 639
Fig. 08 –  As ACADEMIAS e as ESCOLAS de ARTES e OFICIOS vieram substituir as antigas guildas medivais dos artífices. A partir o Renascimento o seu foco foi da preservação dos saberes, a defesa da classe e a continuidade institucionalizada dos processos de ensino e aprendizagem
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No texto de Hipólito José da Costa busca de fato argumentos a favor das leis inglesas e suas esperanças era que o vasto reino lusitano, de sua época, seguisse pelo caminho britânico que procurava manter a unidade do seu próprio mundo intacto, articulado e coerente. Assim no sitema d mental do editor do Correio Braziliense não havia sentido para a soberania brasileira. Mas este mesmo mundo britânico havia visto a soberania dos Estados Unidos romper esta rede que depois seria consagrado na figura do COMMONWEALTH. O Brasil seguiria pelo caminho dos Estados Unidos. Esta mesma nação estava balançando apoio entre a Grã Bretanha e França napoleônica. O Cooerio Brazilense registrava as repercussão desta posição no seu número de fevereiro de 1812
ESTADOS UNIDOS. A questao de guerra ou paz com a Inglaterra continua ainda com a mesma indecisaõ em que tem estado ha dous annos; o Congresso respira ainda os mesmos sentimentos hostis, que o Executivo, mas ambos parecem estar plenamente convencidos dos males, de que a guerra os ameaça. Com tudo decidio-se o levantamento de mais 25,000 homens para o seu exercito. A indecisaõ dos Estados Unidos, entre França e a Inglaterra he sem duvida o peior partido que podia tomar o Governo Americano.
Mesmo porque o General Lafayete de tão grata memória para a soberania nacional atuava agora na França. Não nas hostes de Napoleão mas com influência decisiva e da qual a jovem nação americana reconhecia os méritos.
Contudo na Ilha do Albion as noticias, do outro lado do Canal da Mancha, não eram nada animadoras, em especial para o seu comércio no Mar Báltico. Assim na página 254 esta preocupação ganhava corpo
FRANÇA. Diz-se que o Imperador aperta seriamente a Russia, para que se extingua de todo o commercio Inglez no Baltico; e para mostrar que falla deveras, tem reforçando o seu exercito da Polonia.
Esta notícia era o prelúdio da séria e devastadora investida da Armada Francesa contra os russos e que eles apararam apesar da Moscou ocupada, mas vazia.
Contudo há necessidade de retornar aos artistas e artífices lusitanos que a corte instalada no Rio de Janeiro tentava atrair ao Novo Mundo. Não se possui no momento a eficácia do edital e o número da artistas e artífices que se deixaram atrair por estas vantagens governamentais. Contudo parece que a questão tinha de esperara a cada de Napoleão Bonaparte e os artistas de sua corte, caídos em desgraça e hostilizados pelo Regime posterior ao Tratado de Viena,  se vissem coagidos em escolher entre ir para Moscou ou para o Brasil. Com o seu Imperador na Ilha de Santa Helena, entre a África e a América, certamente ficariam mais próximos dele na corte do Rio de Janeiro do que na fria e hostil Moscou.
Mas, acima deste fato, paira a natureza desta Missão Francesa, que trazia artesões os mais qualificados, artistas capazes de dar esplendor e visibilidade nova para a corte e artistas capazes de engendrar uma nova estética para substituir a estética do barroco colonial e capazes de criar a semente de um processo de ensino e aprendizagem orientado pela Enciclopédia Francesa. O REINO o Brasil migrou, na concepção destes artistas franceses, para o regime IMPERIAL. Paris serviu ao longo de um século como diretriz estética para a Civilização Ocidental e na qual, graças a esta Missão, o Brasil se inscreveu e interagiu. Os artistas e os artesões lusitanos de 1812, por mais qualificados que fossem, pouco poderiam contribuir nestas diversas dimensões. Miguel Ângelo havia mostrado a causa quando afirmou ao jovem Francisco de Holanda
Nesta nossa terra [Itália] até os que não estimam muito a pintura a pagam muito melhor que em Espanha e Portugal os que muito a festejam, por onde vos aconselho, como a filho, que não vos devíeis partir dela, por que hei medo que, não o fazendo, vos arrependereis”.  Miguel Ângelo a Francisco de Holanda, 1955, p. 66


Fig. 09 –  A LONDRES de 1872 numa gravura do artista francês Gustavo DORÈ mostra o acumulo de gente, de materiais e de capitais. Este foi o cenário em que o alemão Karl Marx buscou os seus elementos para escrever o CAPITAL e as novas circunstâncias do trabalho humano sob a égide da máquina e linha de montagem
  Os estrangeiros franceses formavam um corpo neutral frente às leis lusitanas- tanto as editadas na América como na Europa. Motivados e dispostos a transformar em totem o tabu lusitano apontado por Miguel Ângelo. Alguns deles haviam estagiado na ‘Académie de France à Rome’ da Itália ou Villa Medicis, criada por Colbert em 1663. Reforçado e legitimados, com esta neutralidade, estavam infensos ao corpo jurídico formado a partir dos antigos costumes coloniais lusos. Corpo jurídico colonial, que visava apenas manter a reprodução do poder originário de um estamento fixo, único e hegemônico na economia, na política e na sociedade. Se de um lado estes franceses constituíam uma ameaça externa - a este grupo de dentro e à sua lógica do sistema colonial - do outro, podiam exercer, sem reparos,  aquele trabalho braçal característico da época da primitiva Republica Romana e assim concorrer para esvaziar progressivamente o estatuto da escravidão legal.

FONTES

HOLANDA, Francisco de (1517-1584) Diálogos de Roma: da pintura antiga. Prefácio de Manuel Mendes. Lisboa : Livraria Sá da Costa, 1955, 158 p.


CORREIO BRAZILIENSE Nº45  de FEVEREIRO de 1812 – Coleção Brasiliana - USP

ALVARA de 05 de janeiro de 1785 proíbe indústria no Brasil

Jean Baptiste DEBRET 1768-1848 – Viagem Pitoresca

COMMONWEALTH


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