quarta-feira, 7 de novembro de 2012

NÃO FOI no GRITO – 058.



A CIRCULAÇÃO do PODER e a
ENERGIA POLÍTICA LIMPA.

“elles serviram empregos públicos durante a invazaõ do inimigo—Que terrível exemplo para os traidores de sua Pátria; vendo-se em taõ breves dias destituidos da protecçaõ que seus inimigos lhes promettiam; e entregues à clemência de seu Soberano!” (Correio Braziliense - novembro de 1812, na p. 839)


GUERIN Pierre  Narcise * 1774 -1833 - S. Luís distribuindo justiça sob um carvalho 1816 . óleo 324 x 540 cm
Fig. 01 – Talvez o fato mais importante neste quadro seja que ele foi pintado no ano de1816. É obra do artista acadêmico Guerin e não vai muito além de uma ilustração de uma época que é do próprio pintor. Esta ilustração ainda guarda o desenho e o formalismo da tendência neoclássico. Porém a sua busca não é mais pelos temas da mitologia greco-romana e apesar da longa permanência do pintor em Roma.  O seu interesse vai em direção da Idade Média e já se inscreve, pelo tema, no romantismo com suas numerosas vertentes sendo que todas as nações apresentam a origem do poder oficial do Estado Francês. Esta ilustração reagia ao recente forte poder concentrado nas mãos de Napoleão Bonaparte e de todos os personagens que o precederam ou compuseram ou se aproveitaram da sua corte francesa centralista, estática e quase divina.  

Michel Foucault evidenciou e demonstrou que o poder circula. Resta o desafio de entender a origem deste poder e como transformar a sua circulação em energia limpa, renovável, útil  e bom para todos e para aproveitar, ao máximo,  os seus efeitos positivos.
Se a criatura humana é histórica na medida dos seus projetos, estes mesmos projetos significam poder humano individual e coletivo. Na proporção que este poder é coletivo e alguém busca implementar este projeto tornam-se indispensáveis o conhecimento, a vontade e o direito para mediá-lo, ou lançar mão dele. Nesta implementação impõe-se o conhecimento objetivo e numérico da sua origem, dos seus limites e da soma das foças, além da intensidade e da sua fecundidade em se reproduzir. Os contratos limpos, úteis e bons para os dois lados podem ser realizados e renovados na medida em persistirem estas condições do saber, da disposição e do direito.

Fig. 02 – As “pan-atenéias” celebradas na Acrópole de Atenas são um índice da cultura grega criou, manteve ou reproduziu sem uma casta de mediadores entre os deuses e os humanos. Cada cidadão grego buscava formas individuais para expressar a transcendência. Se a mitologia grega derivou para o anedótico, às vezes para o burlesco e na maioria das vezes em mitos congelados, fixos e na busca da linearidade e fixidez semiótica isto foi um efeito tardio e já sob o efeito da natural entropia cultural. O que vale no mito é que ele guardou do lado humano nas suas diversas versões, as dúvidas que surgiram e que se acumularam no passar do tempo. Contudo os templos, as diversas acrópoles e a sua brilhante arte são testemunhos da fonte desta mentalidade pouca afeita à mediações arbitrárias, onerosas e fixas. Para o grego todo o poder circulava e que não podia ser transformado em posse e proveito de um grupo, casta e muito menos de um único indivíduo.

A magnanimidade de alguém é proporcional ao seu poder. Um escravo não liberta outro escravo.
Evidente que nem todo poder circula. Quando não circula as forças da entropia começam o seu trabalho sobre este cadáver inerme e sem movimento. A agitação pela agitação do poder social origina, de outra parte, o caos, os furacões das revoluções e as guerras, que esterilizam, matam, arrasam e destroem a tudo e a todos indiscriminadamente.

Fig. 03 – Os gregos experimentaram todas as formas de criação, circulação e legitimação do poder. As suas diferentes polis seguiam os mais variados regimes político. Algumas chegavam ao ponto de Platão afirmar “quem estava na busca de algum tipo de governo de uma cidade. podia ir para aquelas que se orientavam pela democracia e escolher, como num bazar, qualquer regime”. Porem o ponto de encontro, discussão e aprovação dos regimes e leis de uma cidade era realizado na “ágora”.
 
Entre o extremo da estática e da dinâmica não existe um equilíbrio estático, fixo e perpétuo. O ponto deste equilíbrio está em permanente deslocamento. É deste equilíbrio homeostático que se deseja refletir e escrever.
Pretende-se refletir e escrever em relação à  origem do poder e da energia que o move e da sua reprodução.
 No contraste pretende-se refletir e escrever em relação à artificialidade do poder perceptível ao ser humano. Refletir e escrever em relação e os contratos necessários e renovados para manter um ponto de homeostático de equilíbrio em permanente mudança.
Para manter um ponto de homeostático de equilíbrio em permanente mudança as mediações do poder são de toda ordem, significados contraditórios e das mais variadas maneiras e naturezas. As mediações se dão, por exemplo, no terreno da saúde na qual os seus profissionais sabem melhor do que ninguém, quem de fato se cura é o paciente. As mediações se dão, por exemplo, na educação formal e escolar onde, o mais limitado mestre, sabe e espera que é discípulo é quem deve apreender e refazer o caminho que gerações antes deles fizeram. Este princípio já era aplicado na maiêutica de Sócrates há milhares de anos.

Fig. 04 – Péricles (* c. 495 – †  429 a.C.) e Fidias (* c. 490 – †  430 a.C.) são de mesma idade e paradigmas daquilo que realizaram para a glória de períodos de culminância em todas as culturas das quais a humanidade se orgulha e não se arrepende. No período áureo da cultura grega as relações entre a Política e a Arte eram intensas. O campo das forças da Política guarda impressionantes semelhanças com as forças presentes na criação circulação concreta das autênticas obras de Arte. Entre tantas, não há possibilidade de pedir desculpas, tanto nas ações na Política, como nas obras na Arte, quando não atingem a coerência interna e externa.

O xamã, profeta e o sacerdote estão em permanente busca de também mediar o poder político material e terrestre, além do poder simbólico especifico e transcendente. O poder do xamã, do profeta e do sacerdote busca afirmar-se diante do medo diante do desconhecido, da falta de segurança e do desproporcional à criatura humana. No mundo clássico grego e islâmico o poder do xamã, do profeta e do sacerdote  busca formas de mediação com a transcendência, bem distintos do convencional. Culturas nas quais não se misturam e nem se distingue o  poder simbólico especifico  e transcendente do poder político material e terrestre.
A mediação busca abreviar caminhos. No entanto pode tornar inativo e preguiçoso a quem se entrega a ela e jogá-lo na heteronímia ao ponto de cegá-lo para não perceber o momento certo de agir, de deliberar e de decidir. No contraponto também pode ajudar a reparar danos e recuperar a confiança de fazer o seu próprio caminho.

Fig. 05 – Os “augúrios” romanos podem aproximar-se, em muitos sentidos, aos sacrifícios dos animistas afro-brasileiros praticados no “batuque”. Ambos, contudo, já evoluíram em relação aos sacrifícios cartagineses ao deus Baal ou aos rituais de antropofagia dos nossos ameríndios.  O que os sacrifícios possuem em comum é o temor humano ao desconhecido, a afirmação de um poder e uma coerção no grupo no qual circula um tipo de um poder reconhecido como autoridade e cimento de unidade coletiva. A ortodoxia, deste poder, está sob permanente ameaça de heresia. Se esta triunfar é o caos e ruína da unidade do grupo. No caso romano o “pontifix” era um cargo do Estado. Os cristãos,  ao questionarem os “augúrios”, conduzido por este “pontifix”, significaram um confronto direto à autoridade do Estado e ao cimento imaterial de unidade coletiva romana. A reação foi proporcional e coerente com esta ameaça.
O movimento cíclico da natureza é a o impulso e o material a ser trabalhado pela criatura humana. Esta necessita, no entanto,  fazer o seu próprio caminho. Necessita construir uma civilização que ela sabe que é artificial e cuja forma, desenvolvimento e permanência dependem da vitalidade e potência do seu projeto.
A cultura clássica grega legou e difundiu documentos nos quais é possível verificar como se processava a renovação, a circulação e a interrupções do poder pessoal que podia ser prejudicial à circulação do poder originário dos seus cidadãos. O escritor, político e historiador maranhense João Francisco Lisboa (1812–1863), descreveu, em 1852 no Jornal de Timon (2004,p.27) este processo histórico de Atenas.
“Havia em Atenas uma espécie de banimento denominado ostracismo, o qual servia não à punição de crimes, mas à segurança da liberdade, arredando-se por meio dele do seio da república os cidadãos que por sua demasiada influência, ainda alcançada apreço de grandes serviços, pudessem aspirar à dominação. Era uma satisfação dada ao povo que folgava de rebaixar quantos lhe faziam sombra, e cujo ciúme se adoçava com a sua queda. Para dar-se o ostracismo era mister, como em outros muitos casos, o concurso de seis mil votantes; os votos escreviam-se em pequenas conchas, e depositados em lugar próprio, eram apurados, sendo obrigado o que obtinha a maioria a desterrar-se por dez anos, se antes disso não era revocado, como frequentemente acontecia”.

Fig. 06 – O “pão e o circo” romano foi um expediente e uma improvisação para distrair e afastar a população  da circulação do poder e da autoridade do Estado. Qualquer paradigma novo, original e fecundo poderia romper o cimento de unidade coletiva, das coisas sérias e consequentes, da origem,  da circulação  e da eficácia de um grande Estado com ambições de hegemonia em relação a todo o mundo conhecido da época.

Lisboa destacou (2004,p.27) um momento no qual  pinçou o ânimo e virtude de quem se submetia à este processo histórico que regia a lei maior da circulação do poder em Atenas,
“As dissensões de Temístocles e Aristides perturbavam a república; para obviar ao perigo, recorreu-se ao ostracismo. O virtuoso Aristides assistia à votação; um camponês analfabeto as sentado a seu lado rogou-lhe que escrevesse por ele na concha o nome do grande cidadão. Surpreso Aristides, perguntou-lhe que mal lhe tinha feito o acusado? “Nenhum”, respondeu o camponês, “nem sequer o conheço; mas estou fatigado de ouvir sempre e por toda parte chamá-lo justo.” Aristides escreveu o próprio nome, foi banido, e ao sair de Atenas, ao revés de Aquiles e Coriolano, ergueu as mãos ao céu, e rogou aos deuses que protegessem a pátria para que ela em tempo algum nem mais houvesse mister lembrar-se do pobre desterrado”.  

Fig. 07 – A cultura islâmica teve a sua fortuna e continua tendo sem pagar muitos tributos a uma casta sacerdotal. Evidente que não é uma circulação de um poder uniforme, contínua e única. Existe a mediação dos aiatolás no Irã, épocas de profundo desânimo coletivo e fracionamento em seitas, clãs e longas dependências de famílias hereditárias no comando direto da cultura e do poder originária das crenças decorrentes do Corão.

A percepção europeia da criação, da circulação e eficácia do poder tentou impor uma visão e avaliação hegemônica, linear e exclusiva. Contudo esbarra em concepções e em mentalidades que não lhe dão ouvidos e muito menos se dobram á sua lógica. Assim a derrota de Napoleão Bonaparte, a vitória na II Guerra Mundial e o fim da União Soviética é atribuída ao paradigma europeu e recebe um imenso reforço do continente e das culturas das Américas. No entanto a visão chinesa, islâmica, hindu e eslava nem sempre fazem coro a esta hegemonia. Evidente que esta avaliação hegemônica, linear e exclusiva não é só imensa perda de um potencial sentido para toda a humanidade. Na medida da racionalização e da afirmação desta hegemonia pode significar uma perigosa exposição ao seu próprio cimento de sua unidade coletiva. Qualquer reação, com conhecimento de causa desta unidade construída e artificial da cultura europeia,  pode colocá-la em xeque  proporcional e coerente custando-lhe a contradição incontrolável e irreparável.

Fig. 08 – TOMÁS, o ESLAVO (* c.760 -† 823)  percorreu, como general bizantino, o imenso império no seu apogeu,  combatendo ou fazendo contatos e tratados com povos asiáticos, africanos e europeus. O império bizantino manteve-se ativo nesta circulação e com identidade própria entre os anos  330 d.C até 1453. Esta fortuna não se deve  só às sete muralhas que cercam Constantinopla. A sua capacidade provinha da sua competência em fazer circular os seus conhecimentos, os seus produtos e a sua política entre a Europa, África e a Ásia. Negociava constante e insistentemente para manter a sua unidade e identidade cercada pelo mundo islâmico, pelos agressivos mongóis, tártaros e eslavos. Enquanto isto a Europa sucumbia à fragmentação feudal com os mais variados matizes e falta absoluta de uma unidade e identidade. As suas cidades entraram em colapso. A própria Roma viu a sua população reduzir-se a 20.000 habitantes, ser uma vila e com o poder de uma aldeia.

Cada uma destas culturas não europeias gerou um mundo próprio. Nele fez circular o seu poder, vindo das suas fontes de origem e construiu estados nacionais amplamente caracterizados por Hobsbawn na história contemporânea. Evidente que cada uma delas teve a sua própria e exclusiva entropia, os seus “Armagedons” e “fins-de-mundo” ou “juízos-finais”. Porém isto não pode significar nenhum triunfo para as atuais culturas ditas ocidentais. Antes, ao contrário, estes colapsos pontuais representam rupturas epistêmicas, estéticas e de poder como foram e trazerem, para o Ocidente, consequências como as das Revoluções Norte-Americana (1776) e a Francesa (1789).

Fig. 09 – Os irmãos CIRILO ( * 826 -  † 866) e METÓDIO (* 815 - †  885) nasceram na Macedônia. Eram filhos de mãe eslava e pai nobre de fala e cultura grego-bizantina. Criaram o alfabeto cirílico e a gramatica da cultura eslava usada até os dias atuais.  Percorreram o imenso império bizantino fazendo contatos e disseminando os conhecimentos desta cultura, buscando e percebendo e aproximar os valores dos eslavos e dos povos asiáticos com os europeus.  Em Roma o papa os recebeu, mas após, o culto em língua eslava desconsiderado, proibido, depois louvados e considerados santos.

A CLEMÊNCIA do CZAR da RUSSIA foi noticia, em novembro de 1812, no Correio Braziliense em  Miscellanea,  VOL. IX. Nº 54, na p. 839, onde consta:
“O Imperador de Russia, tornando a entrar em Moscow com suas tropas, dissolveo, como era natural as authoridades civis, que os Francezes ali tinham estabelecido; e com uma grandeza d' alma, digna de um soberano, e assaz politica em taes occasioens, declara em uma proclamaçaõ, que naõ só naõ quer castigar os Russianos empregados pelos Francezes nestas authoridades civis; mas que nem deseja entrar na indagação dos motivos ; porque elles serviram empregos públicos durante a invazaõ do inimigo—Que terrível exemplo para os traidores de sua Pátria; vendo-se em taõ breves dias destituidos da protecçaõ que seus inimigos lhes promettiam; e entregues à clemência de seu Soberano!”
Certamente a magnanimidade deste soberano era proporcional ao poder que circulava na nação russa e proveniente do seu Poder Originário.


Fig. 09 – Moscou queimando de 15 a 18 de setembro de 1812. O poder originário eslavo possui estratégias para  fazer circular o poder , defender a essência de sua identidade , o seu mundo próprio e diferente. Menos apegado aos bens materiais e com comportamentos mais coletivos do que os ocidentais. Com isto este povo foi capaz de usar a destruição e o incêndio como arma para vencer os inimigos que julgavam que bastava ao apropriando-se do seu imenso território e das suas posses matérias para dobrar a sua soberania, como faziam com outros grupos humanos. Esta lição foi amarga para os cavaleiros teutônicos contra Alexander Nevsky (* 1220 -†1263), para as topas de Napoleão (1812) ou daqueles de Hitler (1943). Esta cultura, ao desfazer a sua “cortina de ferro”,  demonstrou, no presente, que a sua identidade não dependia deste meio material como Bizâncio não dependia exclusivamente das suas 7 muralhas. Moscou orgulha- se como a 3ª Roma.  

O pior equivoco é imaginar e admitir que a microfísica do poder é natural, contínua e invisível. Ao contrário. O poder humano perceptível é construído artificialmente. Busca ser o mais evidente, perceptível e aplaudido ruidosamente possível. Ele se move aos saltos imprevisíveis. Mas que ninguém se engane. Na sua origem este mesmo poder é silencioso, contorna obstáculos e segue as normas da entropia. Quem quiser usufruir da energia do poder limpo, renovável, útil  e bom para todos necessita estar sempre preparado e competente.  Competente e preparado para enfrentar a corrupção do poder, a sua estagnação e a sua captura para os objetivos do mal feito de alguém ou seu grupo de colaboradores.

FONTES BIBLIOGRÁFICAS
FOUCAULT, Michel (*15.10.1926 – †28.06.1984).  Microfísica do poder. Rio de Janeiro : Graal, 1995. 295 p.
HOBSBAWN, Eric J. (* 1817-2012) . Nações e nacionalismo desde 1780: programa, mito e realidade. Rio de janeiro : Paz e Terra, 1991, 230 p.

LISBOA, João Francisco (* 1812–1863). Jornal de Timon : eleições na Antiguidade, eleições na Idade Média, eleições na Roma Católica, Inglaterra, Estados Unidos, França, Turquia, partidos e eleições no Maranhão /João Francisco Lisboa 1852. Brasília : Senado Federal, Conselho Editorial, 2004. 326 p. (Edições do Senado Federal ; v. 28) I. Título. II. Série. CDD 324.9
O Jornal de Timon está disponível integralmente no portal do Domínio Público brasileiros em:

FONTES NUMÉRICAS DIGITAIS


FIDIAS(* c. 490 – †  430 a.C.)

GUERRIN Pierre Narcise
São Luís distribuindo a Justiça

OSTRACISMO
em ATENAS

O PODER em BIZÂNCIO e os ESLAVOS
CIRILO ( * 826-  † 866) e METÓDIO (* 815- †  885)
MOSCOU – 3ª Roma

PÉRICLES (* c. 495 – †  429 a.C.)

REBELIÃO das MASSAS – Ortega y Gasset  Domínio Público


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