Os MORDOMOS de FAMÍLIAS
dos RICOS ou a
BUSCA dos CULPADOS de SEMPRE e de TUDO.
“...fazendo assim de todo o reyno de Sicilia uma só familia, debaixo de uma
cabeça, governada pelas justas e liberaes leys que ella mesma formara. Estes
melhoramentos porem na Constituição de Sicilia, naõ se tem feito sem encontrar
uma forte opposiçaõ da parte dos interressados, como succede sempre que se
propõem reformas para abusos antigos”.
Correio Braziliense, nº 53, outubro
de 1812, p. 691.
Fig. 01 – O
artista Marlon Brando interpreta O Poderoso Chefão (Godfather) num filme de
Francis Copola mostra a corrupção do pátrio poder tomando e mediando o poder do
estado ausente. Um frágil poder originário facilmente cai na heteronímia destes
“Duces”, Fürhers” quando as cultura
ainda se alimenta da escravidão servil ou da fácil escravidão voluntária. Esta
se exime de toda culpa e a sanção moral das mesmas as jogando nas costas de um
pátrio poder mal entendido e ainda mais se é fomentado pela propaganda e pelo
marketing.
Esta frase do Correio
Braziliense de outubro de 1812 já pertence ao ideal romântico da época. Se alertava,
um lado em relação aos interesses
contrariados, do outro lado, os dois séculos seguintes mostraram e desnudaram
quem era de fato era esta “família” siciliana idealizada. Evidenciaram os
métodos de que estes “interessados” contrariados eram capazes de lançar mão
para se dissimular e manipular os “culpados
de tudo”. Reis ou Imperadores, como os irmãos Bonaparte, ditadores de toda
ordem como os “duces” ou “fürers”
ou eleitos pelo marketing e propaganda estavam de fato, e de direito, na
heteronímia subliminar para eles.
Isaac
CRUIKSHANK - José Bonaparte e a sublevação espanhola gravura de 03.09.1808
Fig. 02 – José
Bonaparte (1768-1844), irmão mais velho de Napoleão Bonaparte (1769-1821),
cumpriu, a duras penas, o papel de mordomo deste e títere como imperador
(1808-1813) da Espanha. Sem entender o poder originário espanhol, gostar dele
ou não querer entende-lo, viu perpetrar atentados e massacres que o pintor
Francisco Goya transformou em obras de arte. Estas constituem índices desta
clivagem entre o poder autêntico e o poder simbólico de um simples factoide. Na falta de um contrato público e um pacto
nacional, o poder fluiu, arrasou e afogou este temerário que depois da queda do
irmão se refugiou nos Estados Unidos e morreu em Florença.
Estas infelizes e
desprevenidas vítimas de um povo são controladas e com limites muito mais
estreitos do que a sua onipotência pessoal pode perceber ou mesmo se imaginar.
Na sua ingênua heteronímia sobem ao palco público da História. Palco
orquestrado e manipulado por imperceptíveis “pontos” para eles e para a multidão. Os que parecem lideres, no
final da cena descobrem-se, ou não, como “mordomos
da casa dos ricos”. Estes “pontos”
foram, e continuam a ser, pautados e
manipulados por aqueles que conseguiram acumular, bens físicos, pessoas e bens
simbólicos. No entanto contra todas as evidências vale a antiga norma ou
desculpa de plantão que era o “mordomo é
culpado de tudo” já que alguém deveria responder pelo mal feito.
Fig. 03 – O resultado
de 1812, o “reyno de Sicilia uma só família” levou o poder de retorno ao clã primitivo.
Clã no qual o mais sagaz, o economicamente forte e o mais respeitado ou temido politicamente
é quem faz as leis, as manda executar e julga pessoalmente conforme o seu
interesse. A imagem acima demonstra este
poder paralelo de malfeitores e contraventores temerários e é de mafiosos
presos e sendo julgados coletivamente, em 1901. Eles estabelecem seus próprios
contratos, regulavam-se pela honra de sangue familiar e se julgavam o poder de
fato e de direito. O resultado das condenações pelo Estado Italiano foi a pura
e simples eliminação física de juízes.
Especificamente na história
do poder na Sicília, entre 1812 até 2012, não é possível ocultar a história da
máfia, das “famílias” e os mais refinados controles de poder que foi capaz de
estabelecer na ilha e em outras tantas culturas que acumularam bens físicos,
pessoas e bens simbólicos.
O ato de governar, o
fazer executivo, seguir os constrangimentos das rígidas normas legais e as
tensões inerentes à tomada de decisões -
com as mais variadas e contraditórias consequências – certamente não agrada a
ninguém muito menos aqueles que se julgam ricos. O “Mal Estar das Civilizações” (Freud) acumula-se e toma formas agudas
e incomodas nestes cargos e funções. Contudo tentam especialmente os despossuídos
Thomas ROWLANDON 1755-1827- gravura 1816
Fig. 04 – O
artista inglês mostra a pestilência e a desolação que os emissários britânicos
praticavam sobre povos indefesos e julgados como bárbaros e incultos. Tais
faltas era mais do que um pretexto válido para devastar e se apropriar
fisicamente destas partes do globo terrestre.
Na Europa esta apropriação e dominação de novos territórios provocaram guerras internas na concorrência entre
estes estados nacionais para ver quem
ocuparia mais terras e povos. Ocupação com objetivo de acumular matérias primas
e territórios. Territórios nos quais também
podiam abrigar os excessos de sua próprias população desqualificada nos
campos e sem lugar ou sem hábitos e habilidades para a linha de montagem das
suas indústrias. Evidente que para este
serviço sujo necessitavam de “mordomos e
culpados de tudo” quando algo não dava certo, havia resistências locais ou
“trampa” fosse descoberta e denunciada.
Estes ricos tem a seu
favor comprar e manter prepostos favoráveis às suas fortunas acumuladas os da
mais variadas precedências, inclusive de alguns entre eles como aqueles em
perigo de falirem. Esta manutenção do poder já havia sido anotada em 1821 por
Hipólito José da Costa, quando ironizava um patriotismo que era praticado só
quando era favorável:
“Ora aqui temos um bom exemplo, do patriotismo daquela classe de homens :
toda a mudança he boa, em quanto pode favorecer os interesses da Aristocracia;
cessa de ser boa, quando protege o bem publico, e torna a ser boa quando pôde,
com o pretexto da administração da justiça, livrar esses mesmos indivíduos do
que se suppoem vexame”
Correio Braziliense, nº 158, julho
de 1812, p. 79.
Este talvez seja o lado
mais perverso, dissimulado e silencioso efeito do capitalismo, dos herdeiros da
aristocracia e daqueles que praticam a retenção e o acúmulo monetarista que
deveria circular como todo e qualquer poder.
PALÁCIO de TOQUIO
- Museu de Arte Contemporãnea - PARIS Le Monde 13.04.2012
Fig. 05 – Um
happening contemporâneo encena - os mordomos da morte e os culpados que não
podem se defender
O Brasil não escapou
desta sina. Se examinarmos aqueles que se prestarmos atenção à origem destes
que denominamos aqui de “mordomos de casa de ricos” podemos rastrear biografias
das mais variadas. Isto sem falar de militares, clérigos, professores que se
prestaram a este jogo.
Morais,
1994 p.734
Fig. 06 – Uma das
aprendizagens mais impactantes na vida particular de Assis Chateaubriand foi a
sua função de mordomo na Família Lundgren em Recife. Em compensação esta família teve nos Diários
Associados uma atenção permanente e
dedicada na propaganda e marketing de
suas atividades empresarias e que se espalharam por todo território brasileiro.
Na foto, Assis com Helena Lundgren
.
O caso exemplar de Francisco
de Assis Chateaubriand Bandeira de Mello (1892-1968), mordomo dos Lundgren, proprietários
das Casas Pernambucanas (Morais 1994, 49,50) [ http://pt.wikipedia.org/wiki/Pernambucanas
]. Assis aprendeu como mordomo
e passou a acumular gente, empresas e fortunas. Com este acúmulo passou a chantagear ricos e fazer e a
desfazer governos, sem cair na contradição de fazer parte de um deles. No
entanto como profundo admirador da cultura e hábitos ingleses atualizou a
antiga norma ou desculpa de plantão que era o “mordomo é culpado de tudo” já que alguém deveria responder pelo bem
e pelo mal feito.
Renan SANTOS - FLICKr em 04.06.2012
Fig. 07 – A longa
vida intrauterina e o lento amadurecimento do ser humano pode fornecer-lhe
ocasião e desculpa para o retorno para a Natureza, Estas indecisões não são
dadas aos outros seres vivos e que necessitam aprender rapidamente a usar a sua
própria sobrevivência e autonomia. além de providenciarem a sua reprodução,
Não só o ideal romântico
da “família” siciliana foi desnudado pelos dois séculos seguintes mostrando as
suas contradições e corrupções. Também o populismo, a escravidão voluntária e o
recurso ao poder acumulado, a espera do
primeiro temerário, geraram novas formas de barbárie, monstruosidades e
genocídios das quais a humanidade quer sair o mais rápido possível. Esta
pressa, vergonha e constrangimento em admitir o seu passado leva ao fazer pelo
fazer. Esta mecânica apressada, e sem alma, ignora que toda civilização é uma
construção artificial e única. Esta naturalismo esquece criar, implementar e
provar qualquer projeto digno deste nome. Não adianta dissimular e muito menos
lançar mão e manipular “os mordomos como
culpados de tudo”. Na direção contrária,
desta entropia, é necessário transcender a Natureza dada, admitir e agir
positivamente para levar adiante esta construção, numa atenção e trabalho
continuados. Impõe-se o cultivo das condições para a prática de rupturas epistêmicas, estéticas e de hábitos
incoerentes com o aqui e o agora.
FONTES BIBLIOGRÁFICAS
FAORO, Raymundo. Os
donos do poder: formação do
patronato político brasileiro. Porto Alegre – São Paulo : Globo e USP,
1975. 2v.
FOUCAULT, Michel.
Microfísica do poder. Rio de Janeiro
: Graal, 1995. 295 p.
FREUD,
Sigmund.(1858-1939).O mal estar na civilização (1930). Rio de Janeiro : Imago,
1974. pp. 66-150. (Edição standard
brasileira de obras psicológicas completas de Sigmund Freud, v.13)
MORAIS,
Fernando, 1946 – Chatô : o rei do Brasil, a vida de Assis Chateaubriand. São
Paulo ; Companhia das Letras, 1994, 735 p. http://pt.wikipedia.org/wiki/Assis_Chateaubriand
WRIGHT MILLS C. A
elite do poder. 3.ed. Rio de Janeiro : ZAHAR, 1975. 421 p..
FONTES NUMÈRICAS DIGITAIS
CASAS
PERNAMBUCANAS
CORREIO BAZILIENSE – Londres - outubro de 1812
José BONAPARTE (1768-1844)
MÁFIA SICILIANA
ROWLANDON Thomas (1755-1827)
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