MUDANÇAS
e INÉRCIA.
“O
conservadorismo estético funda-se na recusa de romper com os
códigos
conhecidos para entregar-se às exigências internas da obra”
Bourdieu 1987 p.218
Fig. 01 - A temeridade
não é suficiente para uma MUDANÇA
coerente. A ruptura epistêmica temerária pode arruinar mais do que inverter a lógica
anterior. A tese contrária à opinião geral certamente gera um problema na
concepção aristotélica. Mais do que a simples coragem é necessária passar por
um novo parto. Parto que para o psicólogo freudiano é a origem de toda a
resistência a qualquer mudança, pois a experiência extrauterina tornou-se algo.
O artista uruguaio Joaquin TORRES GARCIA ( 28.07.1887 -08.08.1949), ao inverter
o mapa da América do Sul certamente gerou um problema. Na Arte como na Vida a
mudança apenas pela mudança gera e legitima outro CONSERVADORISMO estético ou
existencial.
As maiores mudanças são
silenciosas e discretas. Elas não são realizadas no grito. Os conservadores, a
ignorância e o poder querem se impor aos gritos rompantes e com encenações ruidosas.
Com estes ruídos buscam camuflar o seu próprio vazio. A cultura inglesa fala
que "an
empty barrel makes the most noise" ou que “um barril vazio faz o maior barulho”. http://www.fife.50megs.com/scottish-sayings.htm
CRUIKDHANK George - 1792-1878 -
A vida em Londres em 1821
Fig. 02 –
Qualquer sociedade ou civilização portadora de um projeto de transcender a
Natureza dada sempre anatematizou a PREGUIÇA como OFICINA do DIABO e a MÃE de TODOS os VÌCIOS como um parasito
indesejável no acúmulo de pessoas, meios de produção e de capital. é necessário só a temeridade
O Regime Colonial Brasileiro
também fazia o maior barulho para camuflar as suas reais intenções. Para tanto
realizava seus rituais, celebrações coletivas e enforcamentos contextualizados
em horrorosos espetáculos públicos. Os seus mediadores e apoiadores emitiam um discurso
publico pautado no paradigma da intimidação e da formação do rebanho de
súditos. As suas eventuais mordomias
eram usufruídas pelos donos do poder. Por
pior que fosse o regime colonial e por mais injusta escravidão legal vigente no
Brasil, mediadores e apoiadores deste poder seguiam e tinham sempre nas mãos argumentos
para NÃO MUDAR o regime e a lei que mantinha de pé o Regime Colonial Brasileiro.
Contudo uma vez conquistada a soberania e a liberdade servil, estes mesmos
arautos das MUDANÇAS tornam-se paladinos máximos do CONSERVADORISMO. O poder deixa de
circular, na concepção de Foucault, uma vez ELES conquistam um cargo ou uma posição de destaque. Por sua
vez os recém-chegados ao poder ensejam o surgimento de novos contestadores da
ordem que eles estabelecem. Esta luta
pelo poder fomentava, entre os excluídos, novos profetas ou revolucionários
radicais. Os paradigmas são íntegros e integrais, mas não conseguem incluir nos
seus limites toda a realidade sobre os quais eles se estabelecem suas
competências e realizam recortes específicos. Esta pretensão seria o primeiro
passo para a onisciência, a onipotência, a universalidade e a eternidade
características de qualquer totalitarismo.
COROT Jean-Baptiste Camille 1790-1875 Destruição de
Sodoma. 1857- óleo 92 x 181 cm
Fig. 03 –
Conforme a narrativa bíblica, na destruição de
SODOMA poucos se salvaram. Quem olhou para trás,
virou estátua de sal. Uma sociedade de comerciantes sabia e apreciava o valor
das mudanças. Até o presente várias civilizações aproveitam este saber realizar
mudanças cuja cultura é proveniente dos sumérios, fenícios e Indus. A cultura
egípcia petrificou-se e foi incapaz da leveza, falibilidade e coerência nas suas
mudanças de paradigmas. Enquanto isto os israelitas e os islamitas, portadores
de um projeto de transcender a Natureza dada, sempre anatematizaram a inércia e
a falta de visão, a carência de projetos e a realização de trocas físicas ou
simbólicas.
O paradigma do clã e da tribo mantém a escravidão voluntária característica das culturais tradicionais. Para esta cultura basta sublinhar a tendência humana em naturalizar, apropriar-se e reduzir ao seu próprio tempo, seu território especifico e aos lugares naturais. A entrada de qualquer negociante neste circulo interno é suficiente para romper com este paradigma do clã e da tribo. A autoridade do seu olhar de estrangeiro transforma a tudo e todos em mercadoria. Estas culturas ditas “naturais” só descobrem tarde e numa pesada heteronímia, as suas perdas de sua liberdade, de cultura própria e a identidade que estavam misturadas e presas à Natureza. Diz o ditado “Deus perdoa sempre, a criatura humana algumas vezes e a Natureza jamais”. Só num estágio mais avançado descobrem e promovem civilizações das quais conhecem os
projetos de origem e a artificialidade e a intencionalidade destas construções
humanas. Isto só acontece na medida em que superam o paradigma do clã e da
tribo destas culturas que se consideram “naturais”. Parece que cada ser humano
necessita passar e romper com o paradigma do clã e da tribo além de evoluir com
o coletivo ao qual ele pertence.
BROWN, Ford Madox 1821-1893 - Adeus
à Inglaterra 1855 -óleo 75 x 82.2 cm
Fig. 04 – Os
imigrantes de todos os tempos e latitudes sempre fora os heróis da MUDANÇA
As perdas significativas que estes imigrantes tiveram foi compensado
pela aquisição do estatus de estrangeiros. Como tais passavam a desempenhar o
papel de juízos na percepção dos nativos de suas novas pátrias devido ao seu
olhar que era considerado neutral. Esta concepção foi desenvolvida extensamente
por Georg Simmel.
Ninguém nega, ou é
contra, a Natureza. Ela é a mestra dos portadores da memória da vida
intrauterina. Ela também ensina, e fornece os meios materiais, para superar o
impacto e trauma do nascimento num mundo. Mundo que opõe violentamente com a
proteção materna original. A evolução mental individual e coletiva também passa
pela caverna platônica.
Contudo nenhum ser
humano consegue apagar - do seu inconsciente - o conforto, a proteção e o ócio
que ele gozou no útero materno. Também não esquece o choque da perda deste
paraíso e a sua necessidade de se habituar a um mundo hostil, por mais
confortável que possa parecer e por mais que ele consegue reorganizar. Assim aqueles
que questionam ou tentam alterar esta ordem uterina - que ele reconstruiu a
duras penas - é declarado inimigo seu. Quem tem por projeto realizar qualquer
mudança necessita enfrentar esta resistência existencial. Na concepção
freudiana esta mudança joga todos os sofrimentos do parto e que o acompanham para
o resto da vida.
Fig. 05 – Uma das primeiras imagens que o imigrante europeu
encontrou nos territórios que desejava “colonizar” era o olhar do nativo com o
qual ele conjugava o seu próprio olhar de
mercador cujo paradigma transforma a tudo e todos em mercadoria. Nesta
conivência de olhares interesseiros os dois naturalizaram e transformaram a
todos e a tudo em mercadoria
Nas sucessivas
tendências estéticas não é diferente. O teórico francês Bourdieu afirmou (1987
p.218) que “o
conservadorismo estético funda-se na recusa de romper com os códigos conhecidos para entregar-se às exigências
internas da obra”. Exigências internas das quais cada obra necessita lançar
mão na construção externa dos seus elementos percebidos pelos sentidos humanos.
Exigência crucial para que uma obra de Arte tenha meios para atingir a
sensibilidade física do seu observador. Exigência
crucial para que uma obra de Arte tenha a fortuna de ser portadora da
mentalidade e pensamento do seu criador até o seu observador.
Estas exigências
internas geram poderosos campos de forças. Campos de forças impossíveis de
romper na medida em que uma obra de Arte necessita ser coerente com seu tempo e
o seu lugar de origem. A primordialidade desta obra de Arte legitima e autoriza
também todo o trabalho de mediação.
Fig. 06 – Por
mais dura, mortal e desagradável que tinha sido a experiência militar, esta
mesma experiência mergulha os seus integrantes num útero coletivo no qual se
gera uma consciência coletiva e que é transmitida de geração em geração através
da cultura. Na imagem soldados bávaros em 2012, vestidos com os trajes e
portando as armas no bicentenário da marcha sobre Moscou e da qual participaram
os seus antepassados.
A reação é igual à ação.
Reação igual à ação quando ocorre o desconhecimento, a desqualificação ou a
desconsideração das forças da Cultura e da Arte. O agente governamental, que se
diz mediador entre produtor e observador da Arte e da Cultura, corre o risco de
corromper tudo. Quando o agente estatal se apresenta como mediador universal e
necessário, permite - e abre terreno - para
o cultivo continuado da desculpa de que o “governo
como culpado de tudo”. Especialmente quando este agente não realiza outro
esforço mental do que inventar desculpas esfarrapadas. Desculpas esfarrapadas que
possuem, entre outros, o seu objetivo imediato de manter o seu cargo e embolsar
o alheio. Ele já se encontra, além disto, armado e municiado para apontar,
autoritariamente, o responsável e assim se eximir de qualquer sanção moral e no
inquérito sobre as eventuais responsabilidades.
httpbucaco.blogs.sapo.pttagcultura
- http://en.wikipedia.org/wiki/Battle_of_Bu%C3%A7aco
Fig. 07 – A
mediação dos soldados e dos oficiais ingleses entre o trono vazio em Lisboa e o
poder originário lusitano manteve a
condução de quem iria vencer Napoleão Bonaparte em Waterloo. Aqui na figura de um azulejo evoca-se a figura
de Arthur Wellesley o Duque d WELLINGTON (1769-1852) na BATALHA de BUÇACO (
27.09.1810) Por mais dura, mortal e
desagradável que tinha sido a experiência militar, esta mesma experiência
mergulha os seus integrantes numa cultura de uma memória fixa, linear e única
transmitida de geração em geração e na qual o inimigo da época, outros de fora,
não se identificam ou reconhecem de forma alguma..
Este foi um expediente
de que se valeram os agentes da burocracia lusitana para entregar a guarda do
território lusitano aos soldados e aos oficiais ingleses. Enquanto a corte
portuguesa se refugiava nas águas tranquilas da baia da Guanabara os ingleses
mandavam e desmandavam em Portugal. O Príncipe era alvo da desculpa de que o “governo era o culpado de tudo”. Esta clivagem entre a Coroa lusa e o Poder -
do qual ela se origina - permitiu a
MEDIAÇÃO necessária e oportunista de que qualquer interesseiro e com os mais
variado interesses. Porém em outubro de 2012 esta MEDIAÇÂO espúria continua a
prosperar e fazer fortunas. Apenas mudam as aparências
O ideal imutável, fixo e
único faz esquecer a rica e contraditória realidade. Diante da realidade foi
possível a João Pedro Ribeiro elogiar o irlandês–inglês Lorde WILLIAM CARR BERESFORD (1768-1854) - Marques do Trancoso ler o soneto:
“Tua memória ao Marte Lusitano,
Novos brios infunde, alenta, e cria
Em ti ressurge a Lusa Monarchia
Qual out'ora surgio do Jugo Hespano.
Oh quão brilhante vens l o quão
radioso!
Mais do que os d'oiro nesta Idade
brilhas,
Dia de Glorias, Inclito, Famoso:
Tu, ao Corso iracunda a Fronte
humilhas
Tu, excitas n'hum Povo Generoso,
Mores,
que as feitas, novas Maravilhas!!!”
Correio Braziliense, nº 53, outubro
de 1812, p. 663.
WILLIAM
CARR BERESFORD 1768-1854 - Conde de Trancozo
Fig. 08 – O oficial britânico WILLIAM CARR BERESFORD (1768-1854), nascido na Irlanda e com
títulos nobiliárquicos e honoríficos lusitanos como Conde
de Trancozo fez uma mediação com mão de ferro e com suporte dos soldados e
dos oficiais ingleses e onde usou os mesmos métodos dos franceses
Este texto é índice com
é possível passar de uma tirania para outra, diferente apenas na forma e modo
de agir. Certamente o Marques do Trancoso não era nenhuma unanimidade no seu
modo de agir muito menos um democrata com atitudes e convicções favoráveis ao
Poder Originário lusitano. Isto ao ponto de a Corte portuguesa refugiado no Rio
de Janeiro se esquivar de uma visita deste irlandês bastardo que havia
condenado e enforcado vários generais portugueses.
A prédica do futuro
incerto e pior do que o presente, são algumas armas para quem quer mudar por
mudar, apostando que a realidade mude e se tome favorável a ele. A resposta
recebida pelo governo lusitano em outubro de 1812, é um índice de um legalismo
imaginado, presumido e endêmico
“mandou o Governo, que a repartição da saude lhe
apresentasse os titulos; porque recebia os emolumentos, que cobravam estes officiaes.
A resposta foi, que naõ havia mais título do que o
custume, e o consentimento das parles; e a uma tal resposta emudece o
Governo”.
Correio
Braziliense, nº 53, outubro de 1812, p. 686.
LEÕES
de CORDEL in MALHO nº 210 RJ 22.09.1906
Fig. 09 – A mediação só é possível numa cadeia de subordinados e
títeres - que se movimentam, sem deliberara e decidir - e nas mãos dos agentes estatais de todas as
culturas e épocas. Aqueles que se insurgiram contra a monarquia brasileira no
final do II Império Brasileiro e início do Regime Republicano tornam-se paladinos máximos do CONSERVADORISMO. Estes mesmos antigos
arautos das MUDANÇAS aprenderam a manipular os fantoches e títeres servis, em vez de repassar-lhes a vida da autonomia quando
conquistada a soberania e a liberdade, O senador Pinheiro Machado pagou com a
própria vida esta mediação nos primórdios republicanos.
Este expediente carreava
argumentos para NÃO MUDAR o regime e a lei. São estes mesmos crápulas que, uma
vez conquistada a soberania e a liberdade servil, são arautos das MUDANÇAS e
depois retornam os postos cujos titulares desestabilizaram para se transformarem
nos maiores paladinos do
CONSERVADORISMO.
Estes paladinos do
CONSERVADORISMO, uma vez em qualquer cargo público, a sua função consiste em
dar plantão numa usina que produz uma torrente contínua de desculpas para
entravar qualquer mudança significativa.
As primeiras vítimas a
tombar, nesta torrente contínua de desculpas,
são a Verdade, a Arte e o Direito do Poder Originário fluir autônoma e
livremente.
FONTES
BIBLIOGRÁFICAS
BOURDIEU, Pierre (
*1.8.1930 - †23.1.2002 ) Economia das trocas simbólicas. São
Paulo: EDUSP- Perspectiva, 1987. 361p.
CHARTIER, Roger (*09.12.1945 - ). Au bord
de la falaise: l´histoire entre certitudes et inquiétude.
Paris : Albin
Michel, 1998. 293p.
FOUCAULT, Michel
(*15.10.1926 – †28.06.1984). Microfísica
do poder. Rio de Janeiro : Graal, 1995. 295 p.
FREUD,
Sigmund.(1858-1939) Conferências introdutórias sobre psicanálise: resistência e repressão. Rio de Janeiro : Imago 1976. 337-354. (Edição standard brasileira de obras
psicológicas completas de Sigmund Freud. v.16)
SIMMEL, Georg (*01.03.1858- - †28.09.1918) Sociología
y estudios sobre las formas de socialización. Madrid : Alianza. 1986, 817 p.
2v
FONTES
NUMÉRICAS DIGITAIS
CORREIO BAZILIENSE – Londres - outubro de 1812
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