quarta-feira, 17 de outubro de 2012

NÃO FOI no GRITO – 053


A CRISE GREGA de 2012.

ATENAS Manifestante nu diante do Parlamento - SPIGEL .09.10.2012
Fig. 01 A GRÉCIA ouHLLAS terra de temerários na qual os europeus deram-se conta das suas profundas contrações e fonte eterna de mergulhos na alma e cultura humana. Numa interpretação irônica desta imagem podia ser interpretada como a de um atleta das Olimpíadas Clássicas gregas. O problema que este atleta chegou em outro tempo: ou atrasado de 2.500 anos... ou então adiantado. Mas num contexto capitalismo seria mais um despojado de toda sorte.

A crise grega de 2012 necessita ser examinada à luz da expansão da era pós-industrial mundial. O gigantesco bloco europeu necessita gerar mercados de consumo daquilo que eles produzem. A Grécia, certamente antes de perder a sua soberania pela qual lutou em 1821, não conseguiu acompanhar a corrida das demais economias e perdeu esta maratona e ficou a mercê de um novo projeto colonial europeu. A  inclusão grega deu-se num bloco que não correspondia a este primeiro projeto nacional helênica. Depois de se rebelar, em 1821,  contra o domínio otomano ao longo de cinco séculos, tornou-se um desafio permanente para a cultura europeia que a apoio com vistas da expansão da sua indústria nascente e do respectivo mercado. A soberania nacional grega ganhou um imaginário que gerou sentido europeu na medida em que o Iluminismo ia desvelando as raízes greco-romanas. Esteticamente ganhou corpo no eclético Neoclássico racional e apropriado à lógica unívoca, linear e fixa da produção massiva das máquinas da primeira era industrial.

MONSIAU Nicolas-André -1754-1837 - Alexandre Magno e Diógenes
Fig. 02 – O filósofo Diógenes expressou a sua soberania e liberdade mesmo diante do macedônio  Alexandre Magno, Certamente este - dono do vasto império - não podia dar o Sol ao filósofo. Que se limitasse a não tirá-lo de que estava se aquecendo na luz e calor do Astro Rei na entrada de sua barrica.

O nacionalismo grego contemporâneo foi uma operação eclética, complexa e contraditória sob o olhar interno. Eric Hobsbawm apanhou bem esta construção do Estado Grego e a descreveu (1991, pp.91-92):
“Os gregos reais, que pegaram em armas para lutar pelo que seria a formação de um Estado-nação independente, não falavam o antigo grego mais do que os italianos falavam latim. Eles falavam e escreviam o demótico. Péricles, Esquilo, Eurípides e as glórias da antiga Esparta e Atenas significavam muito pouco para eles, ou mesmo nada, e na medida nem que se ouviram deles falar não os consideravam importantes. Paradoxalmente, eles punham mais sentido em Roma do que na Grécia (romaiosyne), ou seja, viam-se a si mesmos como herdeiros do Império romano cristianizado ( isto é bizantino). Eles lutariam como cristão contra os muçulmanos pagãos e como romanos contra os cães turcos”.
Em outubro de 2012 a Grécia se apresenta ao mundo com estas mesmas contradições internas existentes na origem do Estado contemporâneo. Assim a propaganda e o marketing político arrastaram as aparências do mito da heroica HÉLADE clássica e imortal para praças e ruas, mas que possui muita dificuldade de sustentar nas atuais circunstâncias. Dificuldade que nasce da contradição com aquilo que interessa de fato. Interessa ao poder da gigantesca União Europeia não deixar de novo mergulhar lentamente esta terra nas imprevisíveis ideologias islâmicas, como já aconteceu no passado.  Várias nações vizinhas se subtraem e fogem do controle europeu devido às imprevisíveis ideologias islâmicas para a lógica pós-industrial

Fig. 03 – Uma reconstrução idealizada da Acrópole de Atenas por Leo von KLENZE (1784-1864) ao longo da tendência Neoclássica. Esta tendência ganhou mundo. Os projetistas da capital norte-americana como a Missão Artística Francesa no Brasil tomaram este ideal e o transformaram em projeto de identidade após as conquistas das soberanias destas duas nações americanas.

A longa luta da soberania na qual os ingleses e as potencias industriais se envolveram e foi registrada por Hipólito José da Costa com a  narrativa publicada no Correio Braziliense em 1821
“Embaixador lnglez declarou, que a sua Corte naõ podia permitir, que os Corsários Barbarescos entrassem no mar Ionico, cujos portos lhes seriam vedados, pelas terríveis consequências que podem resultar ao commercio, de se soltarem ao mar aquellas naçoens de piratas.
A insurreição das provincias Gregas continua a extender-se em vez de diminuir, e abrange a Pharsalia, Larissa e Salonica.

     He verdade que se aununciam nas gazetas de Vienna algumas victorias parciaes dos Turcos, contra vários corpos do Príncipe Ypsilante, mas o character geral das vantagens dos insurgentes naõ soffre diminuição, porque ate na Syria juncto ao Monte Líbano apparecem movimentos revolucionários, e muitas das ilhas do Archipelago tem arvorado o estandarte da revolta




VITÓRIA ou MORTE:  de volta com o escudo ou em cima dele.
Fig. 04 – Uma das bandeiras de uma facção da GRÉCIA que em 1821 estava buscando nova soberania da HLLAS  clássica enunciava uma terra de temerários. Soberania que havia perdido para os romanos, bizantinos e islâmicos.  Agora a reconquista desta soberania e liberdade  exigia um redobrados esforços. Os seus dominadores conheciam e se aproveitavam de suas fraquezas e contornavam suas eventuais forças que seriam capazes de arregimentar. A cultura de subordinação multissecular e hereditária redobrava esta dificuldade. Os  potenciais candidatos à sublevação estavam habituados com a doce e cômoda heteronímia. Por a necessidade da desafiadora  temerária frase “VITÒRIA ou MORTE: de volta com o escudo ou em cima dele”. No entanto ninguém pode se dar ao luxo de dormir em cima do escudo e dos louros da vitória

Os revoluconarios Gregos tem também ja uma força naval, que se mostra superior á dos Turcos, e estes só tem mostrado o seu enthusiasmo na horrivel matança dos Christaõs desarmados, em suas cidades: nade Smyrna foram assasinadas mais de 12.000 pessoas, e ao Cônsul Francez, e a alguns navios desta naçaõ, que estavam no porto, assim como á cooperação de uma fragata Ingleza, deveram as vidas os que se puderam escapar.
As mulheres e filhas dos Christaõs em Smyrna foram expostas aos mais brutaes ataques dos desenfreados Turcos, as que escaparam depois de violadas em publico, com horror da humanidade, foram vendidas por escravas.”
Correio Braziliense, nº 158, julho de 1821, p. 88

Fig. 05 – A ordem Dórica inspira a austeridade do prédio da “Neue Wache” [ Nova Vigilância]  em Berlim. Esta ordem representa o lado da lógica objetiva da origem  da HLLAS . Várias ferozes ditaduras adotaram esta ordem nas suas obras publicas. Era a forma concreta para mostrar a sua ideologia unívoca, linear e fixa. Ao mesmo tempo reforçavam a lógica da linha de montagem inflexível da 1ª Era Industrial.

Esta terra sempre foi, de fato, um território de fricções entre continentes, culturas e civilizações. As hordas dos bárbaros dórios europeus, provenientes das mais diversas origens, divisões internas unificaram-se e se identificar no confronto com os jônios. 

Fig. 06 – Uma grande parte dos despojos doa Parthenon foram “salvas” pelo Lord Elgin que as levou para Londres e onde se construiu um prédio par o Museu Britânico inspirado na Ordem Jônica. Reclamadas pela sua origem, mas onde não teriam as verbas,  a segurança, a pesquisa e a divulgação, como possuem na capital inglesa De outro lado seguem o mesmo destino das nações e das culturas dominantes que sempre levaram para as suas capitais o que lhes interessava em lugares que não tinham este aparato estatal.
Estes jônios eram portadores de um legado intenso proveniente dos contatos, do comércio físico e imaterial com as culturas que se estabeleceram no Próximo Oriente. Este confronto dórico jônico materializou-se e se expressou - esta dupla origem - nas manifestações que ganharam mundo em duas tendências estéticas e as quais agregaram a  eclética ordem coríntia surgida no período no qual a cultura helênica estava se submetendo ao gládio romano.

Fig. 07 -  O poeta George Gordon Lord BYRON (1788-1824) foi alguém que se entusiasmou, entrou de alma e corpo na guerra e perdeu a vida na GRÉCIA . O  sacrifício físico deste nobre e poeta inglês - na campanha da libertação grega - foi mais um pretexto para incendiar a mente dos europeus pela sua  HLLAS como a terra de temerários e fixa-la como ideal de origem e motivação maior das soberanias que se diziam guardiãs da política, cultura e estética do 5º século grego.

A Grécia imaginada, pelos leitores de Winkelmann, em vez de se revelar a filha da razão e da beleza, revelou uma realidade cuja verdade era inegável caos e contradições emocionais. O Romantismo aproveitou este legado imaterial e tentou imaginar as origens idílicas de cada nova nação que desejava ostentar uma base simbólica para construir a sua unidade numa identidade imaginada. No Brasil imaginaram-se os primitivos ameríndios, na senda do mito aberto por Jean Jacques Rousseau.
A Grécia, já na soberania dos otomanos, foi atacada e dominada, mesmo no século XX, pelos europeus, os seus aparentes aliados. A invasão repelida dos exércitos fascistas da Itália foi consumada pelas tropas nazistas, que ali permaneceram entre 1941 e 1944.

RØRBYE Martinus  1803-1848 Atenas, povo e roupas gregas 1839 óleo
Fig. 08 – Uma visão concreta da GRÉCIA logo após a conquista da sua soberania devida ao pintor dinamarquês Martinus RØRBYE (1803-1848). Em 1839 estava muito longe da HLLAS imaginada como terra de temerários. Na imagem são visíveis vestígios de arcos góticos, cúpulas bizantinas e duvidosas ruinas que se atribuíam imprecisamente à Grécia clássica. Os seus habitantes usam os trajes otomanos e as mulheres, refugiadas em cima de altos muros,  se cobrem conforme o costume islâmico. Muitos deles deviam estar felizes que alguém se interessasse pelo Parthenon arruinado definitivamente, em 1687, por uma granada veneziana. Muitos menos realizaram qualquer esforço para impedir a sua transferência para Atenas. No final do século XX a cantora e atriz Melina Mércuri (1920-1994) tentou, como ministra da cultura da Grécia, reaver este patrimônio nacional.

Se a Grécia imaginada está longe e paira acima e distante da verdade do dia a dia, ela constitui um índice vivo e concreto das tensões necessárias a qualquer cultura que deseja fazer germinar, cultivar e manter a sua civilização. O útero da caverna de Platão certamente é uma metáfora das tensões entre o que é imaginado e daquilo que é vivido em contato direto de uma realidade que contradiz e confere peso às sombras.


Ferdinand Victor Eugene DELACROIX (1798-1863) - Massacre de Squio 1824 –
Fig. 09 – Uma das obras mestra do Romantismo europeu mostra o que se tornou natural e rotina nos genocídios da História Contemporânea. Os otomanos massacraram, um século depois, os armênios. A culta e civilizada Europa exibiu os campos de concentração nazista. Depois se descobriu que eles não eram exclusividade europeia. Os campos de concentração e extermínio humano disseminaram-se em todas as culturas e latitudes e reproduziram industrialmente o final dos rebanhos de gado. Estava-se longe de carregar os heróis mortos em cima do escudo com que defendiam a sua terra. As culturas islâmicas conservaram este hábito de carregar os seus caídos em por cima da cabeça da multidão.

A crise grega, de 2012,  necessita ser examinada à luz da expansão das tensões geradas pela era pós-industrial europeia. O projeto colonial do Velho Continente decorrente da necessidade de gerar mercados de consumo daquilo que produzem os seus robôs no comando das suas máquinas. Mercado mesmo que seja a custo dos seus próprios estados mais fracos e desvalidos. O exame, e a avaliação criteriosa deste projeto, são necessários e urgentes quando a cultura e a Arte estão num sistema capitalista. A cultura e a Arte percebem a redução a uma porcentagem mínima as verbas estatais a elas destinadas contraditoriamente para este sistema. Este é primeiro passo e um convite irrecusável para assaltos de novas hordas de bárbaros. Hordas que já estão instalados no interior dos perímetros urbanos. Hordas formadas por pessoas abonadas e posses financeiras, com o mínimo escrúpulo pelo bem coletivo, cultura ou Arte. Hordas que só esperam a primeira fraqueza, vigilância proveniente de projetos nacionais ecléticos, contraditórios e sem verbas para nascer, se desenvolver e se reproduzir.
A Grécia será eterna na medida em que ela souber examinar, avaliar e elaborar as tensões provenientes das numerosas contradições de que ela é portadora. Contradições que ela necessita transformar em complementos. Complementos elaborados para a Verdade, a Beleza e o Direito em todas as culturas que se espelham nesta civilização latente no projeto grego.  Complementos das contradições elaboradas que ajudem e motivem no trabalho objetivo e despretensioso do triunfo do império da Verdade, da Beleza e do Direito em todas as latitudes e tempos.
  
FONTES BIBLIOGRÁFICAS

HOBSBAWN, Eric J. ( 1917-2012). Nações e nacionalismo desde 1780 : progarama, mito e realidade Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1991, 230 p.

WINCKELMANN, Johannes Joachim (1717-1768).  Historia del Arte en la antigüedad.         Con un estudio  crítico por J.W.Goethe. Introducción y  traducción del alemán por Manuel Tamayo Benito. Madrid : Aguilar, 1955.  1285p.


FONTES NUMÉRICO DIGITAIS.

A bandeira grega para os armadores europeus  Evolução
Poder dos armadores gregos
PERIGOS

CORREIO BAZILIENSE – Londres – Nº 158 julho de 1821
CORREIO BAZILIENSE – Londres – Nº 163 – dezembro de 1821

GUERRA da INDEPENDÊNCIA da GRÉCIA

Lord ELGIN  - Thomas Bruce (1766-1841) Lord dos “Mármores”

Lord BYRON - George Gordon (1788-1824)

Ocupação nazista da Grécia

PATHENON - vicissitudes


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