BRASIL em JULHO de
1812 e 2012:
O chá
de cadeira e os expedientes da
procrastinação da diplomacia lusa.
“...que
he uma calamidade para o Brazil a nomeação para Secretario de Estado, de um
homem, cujos principios politicos saõ os da arbitrariedade e do despotismo;
porque delle naõ pôde esperar o Brazil reforma alguma, nenhuma melhora aos
males que devoram a felicidade politica daquelle paiz”.
Correio
Braziliense, de julho de 1812, nº 50,
p.159
Fig. 01 – As
seges fechadas e indevassáveis transportavam os nobres lusitanos envoltos em
cerimônias e segredos que mantinham a maior distância possível do que estes
nobres consideravam a ralé. Enquanto isto a nobreza do Império Britânico se
deslocava de forma aberta e procurava a maior interação possível com a
população que dava suporte a eles como um autêntico símbolo nacional.
O texto do Correio
Braziliense, de julho de 1812, pode parecer, numa primeira leitura, uma série
de discrepâncias com a realidade e até implicâncias do redator do jornal.
Contudo, com mais atenção o texto da edição, nº 50, do Correio Braziliense,
possibilita ver saltar, apontar e de comparar os índices um a um, dos
contrastes entre o universo luso-brasileiro e o britânico.
STUBBS George - Amazona Rearing to go Laetitia, Lady
Lade, 1793
Fig. 02 – A
nobreza do Império Britânico se deslocava de forma aberta e procurando a maior
visibilidade e interação possíveis com a população. As mulheres tomavam as
rédeas no Império Britânico e realizavam
os seus passeios solitários pelo prados,
enquanto isto o mesmo hábito seria impensável para uma dama da nobreza
lusitana. A Rainha Maria Carlota exigia que o povo se ajoelhasse na sua
passagem.
Ali estão nos bastidores
dois paradigmas de mundos que não se conciliaram, mesmo até 2012. Um é mundo
britânico outro é o mundo luso-brasileiro. O mundo luso, em julho de 2012, está
as voltas com o EURO e necessita acertar os ponteiros nos seus bancos e as
bolsas de valores do Velho Continente. Quanto ao mundo brasileiro basta olhar os
ponteiros e as pautas que correm no legislativo, executivo e judiciário
nacional. Enquanto isto a Rainha Elizabeth II celebra, aos 86 anos de idade, os
seus 60 anos de reinado obedecendo ao relógio de um rigorosíssimo horário,
mesmo em dias de intempérie que cancelaria qualquer cerimônia pública no Brasil.
Aquarela de Joseph Lutzenberger (1882-1951)
Fig. 03 – O povo
encontrava no Carnaval uma forma de vingança simbólica da submissão a qual era
conduzido pela nobreza. Até o presente o Carnaval os “imperadores” e as
“rainhas” se fantasiam com as roupas e adereços baratos como deboche de uma
nobreza que teimava em se exibir de uma forma caricata. Com o regime
republicano a vingança foi mais profunda quando os títulos da nobreza foram
atribuídos aos nomes dos cães.
Recuando os ponteiros
para dois séculos atrás, tanto Portugal como o Brasil regulavam, em
julho de 1812, o seu pensando no
paradigma medieval, estacionado na era
agrícola, sujeito ao ritmo das estações do ano, ao comando da Natureza bruta. A
Inglaterra havia ajustada a sua cultura a outro caminho por obra de uma série
de políticos desde Oliver Cromwell (1599-1658) e de cidadãos que assumiram ao
novo tempo comandado rigorosamente pelo relógio e não pela nobreza e pela
Natureza.
Fig. 04 – A Rainha ELISABETH II desfila em, 09
de junho de 2012, em lancha aberta no rio TÂMISA enquanto a multidão se
acotovela as margens.
É nesta Inglaterra que o
Correio Braziliense publicava em julho de 1812, no seu nº 50, no setor da Miscellanea, nas páginas 157 até 160.
Reflexoens
sobre as Novidades deste mez. BRAZIL.
Depois
de vários boatos sobre o successor, que se destinava ao Conde de Linhares, para
Ministro e Secretario de Estado dos Negócios Estrangeiros e da guerra; apparece
agora, por uma declaração do Conde de Funchal, que he elle de facto o destinado
para este lugar.
Nós
julgamos esta nomeação de um muito máo agouro para o Brazil; por algumas
razoens, que exporemos ; e por outras, que naõ queremos expor.
Fig. 05 – No Brasil na época do Primeiro Império quando Dom
Pedro I recebia o beija-mão dos vassalos nobres mais próximos. Era impensável o
povo com esta proximidade imperial.
A
principal objecçaõ, que temos contra o Conde de Funchal, he a sua inclinação
aos principios de arbitrariedade: porque isto nos faz crer que elle nunca
favorecerá nenhuma das reformas na administração publica, de que o Brazil tanto
necessita; e em quanto os ministros de Estado naõ forem os primeiros a
submetter-se ás leys, e evitar os actos de arbitrariedade, he impossível, que
deixe de existir uma cadêa de poder arbitrário em todos os funccionarios
públicos, e por conseqüência um desprezo geral das leys, na naçaõ; porque nada pode importar mais aos individuos do que
agradar a seus imediatos superiores, seja ou naõ seja em conformidade das leys.
SPIECEL 28.06.2012 http://www.spiegel.de/panorama/queen-enthuellt-denkmal-fuer-britische-bomberpiloten-a-841584.html
Fig. 06 – A Rainha ELISABETH II , no meio da
multidão. Dialoga com os pilotos
veteranos da II Guerra Mundial, no dia
27 de junho de 2012,
Mas
para darmos provas do character deste Ministro, escolheremos um facto, que he
recente ; e além disso practicado segundo cremos com as mais louváveis
intençoens da parte dê S. Exa.
O
Conde de Funchal expedio ha poucos dias a seguinte circular aos Portuguezes
residentes em Londres.
" Sirva-se
V. M. vir a esta caza Quinta feira 2 de Julho próximo, ás 8 horas e meia da
tarde, para objectos do Real Serviço. Deus guarde ms. ans. Londres, 29 de Junho,
18I2.—"
"
CONDE DE FUNCHAL."
Snr.
F—
Em
conseqüência desta carta se ajunctou grande numero de Portuguezes na casa de
residência dos Embaixadores Portuguezes cm Londres, à hora determinada; e
esperaram por S. Exa. desde as 8 horas e meia da noite atd as 10 e meia; quando
S. Exa. apparecêo. A expectação de todos estava apurada neste ajunctamento para
objetos do Real serviço ; quando S. Exa. em uma tediosa faina lhes explicou,
ijue os chamara para Ibcs pedir uma esmola, a favor da Pobreza de Portugal; e mixturou com isto outras muitas
materias estranhas ao propósito; mas que por serem dietas em publico, em uma
numerosa companhia, faremos uso dellas a seu tempo.
Para mostrar-mos que naõ he ao Conde de Funchal, que
desejamos atacar, mas sim aos seus principios; e que geremos os seus mais
fortes eIogiadores (quer elle despreze os nossos elogios quer naõ) se ele
practicar os princípios oppostos ao despotismo, declaramos aqui, que hé a nossa
opinião, que as intençoens de S. Exª. eram benéficas, e dignas de muito louvor;
porque procurava obter uma subscripçaõ se favor dos pobres orfaõs em Portugal,
que se acham desamparados, em conseqüência das calamidades da guerra: nem
diminue, em cousa alguma, o merecimento desta acçaõ o poder dizer-se, que o
Conde procurava com isto fazer-se popular, e lisongear sua vaidade sendo o
motor desta subscripçaõ; porque prouvéra a Deus que a vaidade de todos os
homens públicos fosse somente a de quererem fazer bem aos seus similhantes.
Damos logo a S. Exª. todo o
louvor, que he justamente devido a S. Ex*». por suas boas intençoens. Mas
vejamos como tentou pôllas em practica.
Fig. 07 – Certamente estas crianças cativas não eram os
semelhantes e não para elas que nobre português promoveu o “chá de cadeira” em
Londres Mas o articulista tinha certamente razão das suas desconfianças,
pois como ele escreveu “provera a Deus que a vaidade de todos os
homens públicos fosse somente a de quererem fazer bem aos seus semelhantes”
Manda chamar todos os Portuguezes a sua casa, como
se fossem seus subditos, ou seus creados. Diz que he para objectos do Real
serviço; quando éra somente para satisfazer as suas boas intençoens de
charidade; em uma palavra para lhes pedir uma esmola. Fallos esperar desde as 8
horas e meia até as 10 e meia; sem lhe importar se tinham ou naõ oecupaçoens a
que attender. E por fim tracta-os de tal maneira, que destrôe os mesmos fins,
que se propunha obter.
A cena da espera na casa
do nobre português e entrada atrasada de duas horas despois do estipulado e
descrita por Hipólito da daria uma cena de filme.
Fig. 08 – O Correio Braziliense, de julho
de 1812, faz uma descrição de uma cena real onde a expressão “chá de cadeira” ganhava corpo e sentido
literal por obra de um diplomata e que tinha alcançado este cargo devido a sua
condição de nobre. Este “chá de cadeira” sendo implementado por ele como
embaixador, sem titulo e função, o que não se deveria esperar dele, quando ele se achar revestido do caráter de Secretario de Estado?.
Desta constante disposição a usurpar os poderes que
naõ lhe competem, naõ tem culpa, como ja dissemos, as intençoens do Ministro,
mas sim o desgraçado systema errado, as ideas de despotismo, c a propençaõ á
arbitrariedade; que he a causa principal, e a origem de todos os males de uma
administração, aonde naõ he a ley queru governa.
A conclusaõ, que se deduz deste facto; he bem obvia.
Se o Conde de Funchal, sendo Embaixador em Londres, sem poder, jurisdicçaõ, ou
authoridade alguma sobre os seus compatriotas, tem o audaz atrevimento de os
mandar chamar todos a sua casa peremptoriamente; para uma petição de esmola: se
elle aqui em Inglaterra achou que podia impunemente arrojar-se a tractallos com
a indignidade de os fazer esperar desde as 8 horas e meia da noite, até as 10 e
meia: se elle se pôde cubrir com o nome de objectos do Real serviço; para assim abusar da boa fé de uns, da
simplicidade de outros, e da timidez de alguns, para
satisfazer áo arbítrio de sua vontade ¿ que naõ se deve temer da arbitrariedade
de seus principios, quando elle se achar revestido do character de Secretario de Estado ?
Visto
o modo porque elle tracta os Portuguezes aqui era Londres, haverá quem se
admire, se elle, chegando ao Rio-de-Janeiro, mandar chamar os negociantes todos
a sua casa, em nome do Principe Regente, e lhe ordenar que o sirvam no que elle
quizer; ¿por exemplo que assignem uma declaração de que o tractado de
commercio, que fez seu irmaõ, he o melhor que pode existir em seu gênero ?
Fig. 09 – O povo na rua no Rio de Janeiro do início do
século XIX fornece uma imagem do caos urbano que continua a reinar nas
metrópoles brasileiras como um trânsito caótico e mistura de favelas com áreas
que se dizem civilizadas. Na realidade é impossível falar em cidade
civilizada. Trata-se apenas de um bando que tomou de assalto regiões favorável
para acumular problemas sem solução. Separada desta realidade uma elite, que
tomou o poder político da nação e que se esforça em engendrar leis, inquéritos
e aplicar penas impossíveis de cumprir e sem a menor eficácia para corrigir o
caos urbano, moral e econômico.
He
por factos desta natureza que argumentamos, que he uma calamidade para o Brazil
a nomeação para Secretario de Estado, de um homem, cujos principios politicos
saõ os da arbitrariedade e do despotismo; porque delle naõ pôde esperar o
Brazil reforma alguma, nenhuma melhora aos males que devoram a felicidade
politica daquelle paiz; a menos, que elle naõ mude de systema em lá chegando.
Mas
vejamos agora como a arrogância de proceder de 5. Exa. destruio as suas mesmas
boas intençoens.
S.
Ex*-., em vez de pedir, manda ; naõ tendo nenhuma autoridade para o fazer, que
vaõ a sua casa os Portuguezes. Os que se suppoem mais independentes lá naõ
fôram; e poderíamos citar os nomes de dous, que airáram com a carta de S. Exa.
ao fogo, com toda a indignidade, que a sua petulância merecia. Outros que naõ
desejavam fazer, com sua negativa, um inimigo poderoso, que tem assaz
influencia para se vingar delles < fôram; mas que suecedeo ? subscreveram
dez livras.
Fig. 10 – O acúmulo
de riquezas do Império Britânico e das suas colônias permitiu aos ingleses dar
o salto de qualidade da primeira era industrial O longo e complexo caminho
percorrido por James WATT (1736-1819) para colocar a máquina a vapor em
funcionamento satisfatório é um dos índices deste processo. Processo que só
poderia acontecer num ambiente no qual se acumulavam Ciência, capitais e muita
determinação para vencer todos os obstáculos e superar os frequentes e naturais
insucessos. Veja texto do Alvará de Maria I de 05 e janeiro de 1785
http://pt.wikisource.org/wiki/Alvar%C3%A1_de_D._Maria_I_sobre_a_ind%C3%BAstria_no_Brasil
.
Se
S. Ex*. mandasse fazer a convocação dos Portuguezes, chamando- os como a seus
compatriotas; se elle fosse o primeiro a chegar ao lugar convencionado; sabendo
todos que se ajunetavam, naõ para um objecto facticio do Real Serviço, mas para
uma obra de charidade, estamos certos; porque assim se nos informou por pessoas
mui fidedignas, que ali estiveram, que as subscripçoens montariam a uma soma
infinitamente maior. E exahi S. Ex*. contrariando as suas mesmas intençoens;
pelo seu modo de proceder.
Muitos
dos Portuguezes, que olharam para esta insolencia de S. Exa.com os mesmos olhos que nós; se submettêram ; porque as
circunstancias assim o exigiram
; mas o seu silencio naõ indica a sua approvaçaõ.
Quanto
ao Brazil, com tal disposição em seu Ministro da guerra; naõ he mui provável
que se espere ali uma linha de conducta differente da do Conde de Linhares, que
nada lhe agradava mais do que os procedimentos de um Vizir.
Problema
: Dados os principios despoticos do Conde de Funchal; e seus fracos talentos
para os pôr em practica ¿ Quanto tempo se manterá em seu poder ?
Fig. 11 – O acúmulo
de riquezas do Império Britânico e das suas colônias também permitiu a expansão do
sistema capitalista e em especialmente a monetarização. O jogo continua em
julho de 2012 através das Bolsas de Valores e que polarizaram a alienam atenção
humana para outras dimensões, como a estética que se confundiu com o Mercado de
Arte. Marcado onde obras de arte atinjam cifras estonteantes enquanto este
mesmo Capital possui muitas reservas para apostar as suas fichas econômicas
sobre nomes de artistas jovens e em instituições de arte, que não se dobram a
esta heteronomia da vontade, sã remetidos para entropia e obsolescência, Assim
Marcel Duchamp negava-se a produzir obras para esta dimensão capitalista monetarista,
produzindo obra invendíveis pelo mercado de arte tradicional..
Lamentavelmente é
necessário concluir que não havia novamente alternativa além de romper com este
mundo fictício, anacrônico e proclamar a soberania brasileira. A conclusão se
impunha e era reforçada diariamente diante do “chá de cadeira” e dos reiterados expedientes da procrastinação
da diplomacia lusa - mantida por uma
nobreza onipotente, onisciente, eterna e onipresente -
Contudo é necessário
destacar que o redator do Correio Braziliense permaneceu fiel ao seu primeiro
projeto de “acertar
na geral opinião de todos, [...[ que o fruto do meu trabalho tocará a meta da
esperança, a que me propus”.
Assim ele sonda o infinito saber do Poder Originário brasileiro. E nesta
sondagem ele se aliou à esperança do povo brasileiro que aprendeu milhares
lições negativas de um corporativismo - revestido e sagrado com títulos
nobiliárquicos - ao longo de 300 anos de vigência de um sistema colonialista
espoliador da moral, da economia e do trabalho alheio. No contraditório - do
que poderia ser interpretado como passividade e tolerância - aprendera a lição
de Antônio Vieira, na citação, em 2012, de Caco Coelho:
-
De que vale a liberdade se ela chegar
quando já não existe mais vida?
Nesta perspectiva o
redator de Correio Braziliense filosofava, em julho de 1812: “mas o seu silencio não indica a sua aprovação”. O Poder Originário
brasileiro soube esperar silenciosamente o tempo e a segurança de um novo
tempo. Tempo que viria e “não houve nenhum grito” para que a
liberdade se tornasse concreta, viva e a ser cultivada como conquista, em julho
de 2012.
CORREIO
BRAZILIENSE
julho 1812 - Coleção Brasiliana - USP
CHÁ de CADEIRA
POBREZA
na INGLATERRA em JUNHO de 2012
Oliver
CROMWELL
Veja
texto do Alvará de Maria I de 05 e janeiro de 1785 http://pt.wikisource.org/wiki/Alvar%C3%A1_de_D._Maria_I_sobre_a_ind%C3%BAstria_no_Brasil
Caco
Esperança aqui, traveiz Crônicas da Cena CORREIO do POVO - ANO 117 Nº
274 - PORTO ALEGRE, SÁBADO, 30 DE JUNHO DE 2012 Agenda
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