O BRASIL em JULHO de 1814:
O
MILITARISMO e as INSTITUIÇÕES POLÍTICAS
Fig.01. Planta da cidade de Salvador na Bahia em
1631. A cultura europeia iniciou pela cultura urbana para depois criar a
cultural rural. Esta inversão contrariava a tradicional cultura do Velho Mundo
que iniciava pela rural para depois se consolidar na urbana. Isto era reforçado
pelos fortes e fortalezas construídas tanto para ataques externos como para
controlar eventuais investidas vindas do interior. Esta estratégia lusitana deu
certo na América como na África. Esta cultura lusitana não ultrapassou a urbana
na Ásia como em Goa e Macau, pois a cultura rural indiana e chinesa já estava
consolidada.
Um regime político ou um
sistema governamental condiciona determinante.
Estas circunstâncias maiores determinam a nulidade - senão a corrupção -
de todos os aspectos positivos deste regime ou sistema. Isto apesar de os
lideres e os chefes sejam os melhores, os mais racionais, esforçados e
eticamente corretos.
O Regime Colonial Brasileiro
foi implantado mantido e se reproduziu - ao longo de três séculos - graças aos
fortes, as praças e os governantes militares de suas províncias. Cabia a corte
nomear, manter e alimentar este governo militar das províncias. Fazia o mesmo
com o regime e o sistema as dioceses eclesiásticas da qual o rei ocupava o topo
como titular da ORDEM de CRISTO. Tudo corriam bem, na casa de Abrantes, na
medida em que os cortesões conseguiam manter este delicado equilíbrio
homeostático em funcionamento. Para este regime político - ou sistema
governamental - não fazia o menor sentido as forças do PODER ORIGINÁRIO cuja
única função era serem submissas e constituir uma base estática e
preferencialmente eterna.
Fig.02. O forte de Monte
Serrat na Bahia protegia a cidade de Salvador tanto de possíveis ataques
terrestres como a retaguarda por ataques vindos do Recôncavo. A primeira
capital colonial brasileira guarda os índices da ocupação militar promovida
pela cultura europeia que iniciou pela inversão
da cultura urbana para depois criar a cultural rural.
O rosário de fortes e
fortalezas - que cercavam a colônia lusitana na América - tinha na lógica do poder
e mando militar efetivo. Ao mesmo tempo constituem índices materiais do suporte
logístico, civil e estratégico correspondentes a este pacto. Pacto pouco
evidenciado pois não se pretende discutir o que ele significa antes, durante e
após cada etapa nacional brasileira.
Fig.03. O forte de São
Marcelo protegia o porto da cidade de Salvador, na Bahia, possíveis ataques
vindos do Recôncavo no caso de algum navio inimigo superar a barreira os fortes
da Barra. Esta ocupação militar - promovida e mantida pela cultura europeia em relação à primeira
capital colonial brasileira - empresta sentido ao ato formal da “Abertura dos
Portos” como um dos primeiros gestos administrativos de Dom João VI em
território brasileiro .
Porém em julho de 1814 havia
índices disponíveis e tratados no :
CORREIO BRAZILIENSE, DE JULHO,
1814. VOL. XIII. No. 74. pp. 93-94 Miscellanea.
Reflexoens sobre as novidades deste mez. BRAZIL.
Governo
militar das provincias.
Saõ
tantos e taõ poderosos os motivos, que nos obrigam a considerar, e reflectir,
sobre as instituiçoens politicas do Brazil;
que naõ nos cançaremos nunca de fallar desta matéria; por mais
fastidiosa que pareça a repetição ; porque nos lembramos, que a nossa
perseverança deve produzir sempre algum effeito maior ou menor, em mais ou
menos tempo. Guta cavat lapidem non
vi, sæpe cadendo[1].
No nosso numero passado trouxemos o exemplo do
Governador do Ceara, para mostrarmos, quanto o Governo Militar das províncias
he contrario á prosperidade da naçaõ, e ao bem dos povos. Agora temos de nos
haver com o Governador da Bahia
[1] ● Gutta cavat lapidem,non vi, sed sæpe
cadendo [Homero/Resende 2199] A gota fura a pedra, não pela força, mas
caindo muitas vezes –Água mole, pedra
dura, tanto dá até que fura- A pedra e dura, a guta miúda, mas sempre caindo
sempre faz cavadura – Gutta cavat
lapidem, non vi, sed sæpe cadendo ; sic homo fit doctus, non vi, sed sæpe
legendo [Binder, Medulla, 53] A gota fura a pedra, não pela força, mas
caindo muitas vezes; assim o homem fica culto, não pela força, mas lendo muito
vezes.
Fig.04. O forte dos Reis
Magos em Natal Rio Grande do Norte é um dos mais próximos de Lisboa e colocado
estrategicamente entre as rotas navais entre o Sul e Norte do Brasil. Sua construção iniciou antes da Invasão
Holandesa.
Ouçamos primeiro uma historia antiga.
Dionisio,
tyranno de Siracusa, ouvio dizer, que uma velha fazia todos os dias oraçaõ aos
Deozes, para que conservasse a vida do tyranno, até que ella morresse. Como os
desejos de todos os cidadãos eram contrários aos da tal velha, mandou-a o
tyranno chamar, para lhe perguntar a razaõ de desejar-lhe a prolongaçaÕ da
vida. Na minha infância, disse aquella mulher, ouvia eu a todo o mundo
queixar-se do rey que nos governava; e eu, bem como a demais gente, desejava
que elle morresse; foi assassinado, e succedeo-lhe outro, que apoderando-se da
cidadela, fez desejar o passado: nós rogamos os Deoses, que nos livrasse delle;
as nossas oraçoens foram ouvidas, -viestes vós peior que ambos os outro»; c como
eu temo que o quarto ainda vos exceda, naõ desejo viver depois que vós
morrerdes.
.05. O mesmo forte dos
Reis Magos em Natal Rio Grande do Norte visto do alto revela a influência dos
fortes renascentistas desenvolvidos por Leonardo da Vinci e Miguel Ângelo. Este
último conferenciou com Francisco de Holanda, mas sem tocar neste tema que era
segredo militar na época. Como não havia contencioso da Itália da época com
Portugal não havia segredos recíprocos.
Os
authores antigos conserváram-nos esta anecdota para com ella provar, que se os
males provém da má forma de Governo, naõ he a mudança da pessoa, que pode ser succedida
por outra melhor, ou peior, quem remedeia o mal, mas sim a mundança do systema
a que se deve attender.
PERNAMBUCO - Forte Orange 1631
Fig.06. Pernambuco foi uma
das mais prósperas capitanias hereditárias e –por isto – a mais cobiçada pelos
estrangeiros. Em especial a ocupação
holandesa. Esta foi extremamente atrativa para os nativos. Esta atração exigiu
a confluência das forças das três etnias para expulsar o invasor. Ainda que
reticente e desconfiada a metrópole teve admitir outro formato e paradigma do
colonial. Porém jamais um indígena ou afro-descente pudesse subir aos postos
mais distintos deste exército colonial.
Vamos
ao Governador da Bahia, o Conde dos Arcos tem mostrado tanta prudência, e
suavidade de maneiras depois que governa a Bahia, como aquelle governador que
mais prudente tem sido; e muito mais do que o commum delles. No entanto este
mesmo prudente homem naõ tem podido resistir a tentação, que lhe ministra a
immensidade do poder depositado em suas maõs.
RIO
de JANEIRO Fortaleza de Santa Cruz da
Barra
Fig.07. A manutenção e a
transformação, em 1763, do Rio de
Janeiro em capital do Vice Reinado do Brasil foi acompanhado por uma série de fortes e
fortalezas e sedes de guarnições militares ao exemplo do que acontecia na Bahia.
O local estratégico da Fortaleza de Santa Cruz foi ocupada por uma série
sucessiva de construções defensivas e cuja
construção mergulha a sua raiz na fundação da cidade no dia 01 de março de 1565
por Estácio de Sá sobrinho de Mem de Sá.
Entre
o cathalogo de actos arbitrários, que se imputam a este Governador, vem uma
grande serie a respeito de militares. A este respeito só temos a dizer, que na
tropa todo o Governo he, e deve ser despotico; quem he ou procura ser militar
deve dispor-se a uma sugeiçaõ absoluta; e a queixa contra o superior so será racionavel, se o acto de despotismo for alem
disso injusto; e como naõ estamos inclina os a dar a nossa opinião sobre
injustiça ou justiça destes factos, sem ouvir ambas as partes, ou uma relação imparcial,
julgamos prudente deixar no tinteiro tudo quanto se nos tem communicado a este
respeito.
Fig.08. O forte de
Bertioga protegia o litoral de São Paulo em especial a entrada de Santos. Construído
a partir do século XVI ganhou o seu formato atual em 1711
Naõ he porém o mesmo quando se tracta de casos
civis, em que sempre julgamos impróprias as ordens despoticas; por mais justas que
se representem.
Exemplos.
Certo ecclesiastico cedeo a beneficio do theatro,
uma divida mal parada; o devedor, que tinha feito banca rota, foi mandado pelo
Governador pagar a dividia; e naõ podendo cumprir á ordem, foi prezo no forte
do mar, aonde esteve seis mezes, e continuaria a estar, se S. A. R. o naõ
mandasse soltar. 0 nome do padre he Raymundo de tal: o devedor chama-se Manoel
Feliz da Veiga.
SANTA
CATARINA - forte de São José
Fig.09. O forte de São
José na Ilha de Santa Catarina era um do ponto geográfico mais ao Sul da Colônia
lusitana brasileira Foi n década de
1540, o ponto de partida do governador espanhol Cabeça de Vaca para chegar, por
terra, à Assunção no Paraguai. Porém o lusitano
se firmou neste ponto para conquistar militarmente o que é hoje o Rio Grande do
Sul e Santa Catarina.
A Câmara da villa da Cachoeira, representou contra a
nomeação de um Alcaide e Carcereiro, provido pelo Governador; porque o nomeado
naõ sabia ler nem escrever. A câmara foi chamada a Bahia, reprehendida, e
mandada arrancar a folha do livro, em que se registara a vereaçaõ daquelle dia.
Tirou o Governador, de sua
própria authoridade, a varada Conservatória Ingleza ao Dezembargador que a
servia por provisão Regia. O Cônsul Inglez ameaça queixar-se contra o
Governador, este humilha-se, torna a tirar a vara a quem a tinha dado, e
restitue-a ao primeiro possuidor
RIO GRANDE do SUL Rio Parto Forte Jesus Maria Jose - planta 177
Fig.10. As sesmarias
lusitanas no Rio Grande do Sul tiveram decisivo a apoio logístico, estratégico
e tático a partir fortes como o de
Jesus, Maria e Jose de Rio Pardo. Esta fortaleza da “Tranqueira
Invicta” se consolidou a partir das
guerras guaraníticas descritas por Tau Golin (1998). Por sua vez as sesmarias -
resultantes esta conquista- adotaram uma
rígida disciplina militar tendo figuras militares como proprietários e
administradores.
Uma das circumstancias, que mais tem contribuído
para a rectidaõ da administração da justiça em Inglaterra, e para sustentar o character
de integridade nos juizes, he que El Rey os naõ pôde privar de seus lugares.
Mais, os Juizes, desde que saõ nomeados para os seus lugares, nunca mais
apparccem na Corte; naõ assistem ao bejamaõ, nem outras funcçoens de apparato
do Monarcha, mostrando até nisto, quue o seu ministério he independente. Ora quanto
naõ differe isto do systema Portuguez, de fazer os juizes, naõ ja somente
creaturas do Secretario de Estado, sugeitos ao capricho do ministério, mas ate
expostos a arbitrariedade de um Governador. He o systema, naõ as pessoas, que
desejamos ver reformado.
Rudolf
Herrmann WENDROTH, - militares - RS c. 1852
Fig.11. O coronelismo
endêmico de Norte ao Sul do Brasil
possui sua fortes raízes no colonialismo quando a militarização de território
era forma natural de dividir, de administrar e de reproduzir a posse da terra. Esta
reprodução se dá no Rio Grande do Sul - como terra de conquista miliar - sob a
aparência e hierarquia dos PATRÕES e PEÔES herdeiros das mais profundas
tradições, raízes, e cavaleiros dos
castelos medievais.
Pede a justiça, que tornemos a repetir aqui o bom
conceito que fazemos da brandura de character, e do espirito de moderação do Governador
da Bahia, segundo a vós geral. He também justo que declaremos a impressão, que
temos a este momento, de que as pessoas, qne nos tem dado informaçoens contra
elle, saõ pessoas apaixonadas: mas tudo isto naõ faz ao caso; porque nada
importa que o theor geral do seu comportamento seja
moderado, affavel, ou ainda mesmo justo, se o poder demasiado, que se tem
collocado em suas maõs, lhe subministra occasiaõ de opprimir, no momento da
paixão, algum indivíduo; o qual naturalmente se queixa da oppressao que padece;
assim como ioda a mais gente soffre naõ pequeno tormento, na consideração de
ser possivel acontecer-lhe o mesmo.
MATO
GROSSO Forte de Coimbra latitude 19º 551 e longitude 60º 1’
Fig.12. As fronteiras
ocidentais com as terras de Castela foram marcadas por um série de fortes lusitanos como o de Coimbra as margens
do Rio Paraguai fundado em 1775 Nestas plagas ermas , de uma população
indígena nômade fixação de fortes
militares garantiu a posse de imensas áreas e que ganharam sentido pleno a
partir do século XX e e possibilitam a expansão de novas e férteis fronteiras
agrícolas e descritas, em1862, por Bartolomé Bossi (2008)
Deste
exemplo queremos concluir, que o character do indivíduo só tem influencia no
maior ou menor numero das injustiças, que se commettem; mas a oppressao geral
he a mesma; o terror que accompanha este estado de despotismo he igualmente
afflictivo.
Um
regime político ou um sistema governamental condiciona, é determinante e se
projeta muito além do seu tempo tomando outras aparências. A água destilado por
um regime político pode estar contaminada, ou também cair no lugar errado e
assim corroer, enfraquecer e corromper o caráter nacional profundamente e por
um longo período. No caso brasileiro os três séculos de regime político
colonial deixaram profundas sequelas. Em especial quando um regime político tem
por hábito recorrer ao regime militar. Regime militar especialmente danoso ao o
caráter nacional quando ele se torna o feitor da escravidão endêmica ou a
encobre o servilismo com estardalhaço, gritos de intriga, maniqueísmo e rumores
de guerra interna e externa.
RONDONIA Rio Guaporé Forte do Príncipe da Beira 1776 latitude 12º 25’ e
longitude 64º 25’
Fig.13. O forte do
Príncipe da Beira é determinante paraa fronteira brasileira face à Bolívia e
num dos afluentes do rio Amazonas. Herança do regime colonial lusitano e as
suas permanentes disputas de terras mais ao oeste e muito além do Tratado de
Tordesilhas. O Forte Príncipe da beira significava o avanço lusitano militar
pelo Rio Amazona enquanto de Coimbra era a entrada pelo Rio da Parta
guarnecido, desde 1680, pelo forte de Colônia do Sacramento.
A profunda marca colonial e escravocrata é
facilmente detectada nos atuais presídios. Fortalezas que se difundiram por
todo território nacional cumprem a mesma função de segregar, dividir e dominar
por cima e por fora do PODER ORIGINÁRIO da NAÇÃO. Estas circunstâncias maiores
determinam a nulidade - senão a corrupção - de todos os aspectos positivos
deste regime ou sistema colocado com pilar central e dominante do campo prático
da política nacional.
g.14. O Brasil está pontilhado de Sul ao Norte pela herança
fisica do uso da força e da coerção para manter um mínimo de condições
administrativas. Assim descarta a opção pelo caminho de um PROJETO
CIVILIZATÒRIA COMPENSADOR desta violência e força física. Ninguém nega ao
Estado o uso de coerção e força de um ao modo de um “Leviatã” construído para
tal fim. Antes, porém é dever do Estado e do Governo oferecer a via da SAÚDE,
da EDUCAÇÂO e seja competente para a DISTRIBUIÇÃO EQUITATIVA dos LUCROS gerados
pelo trabalho coletivo.
Em
conclusão é possível verificar materialmente que a ocupação militar do Brasil
pela metrópole colonialista não era blefe, marketing e propaganda
governamental. Para reforçar este conclusão é necessário avaliar o investimento
em logística, na manutenção de efetivo militar e na localização estratégica dos
fortes. Com estes dados em mãos é possível se perguntar a quem beneficiava
efetivamente e da relação entre custos e benefícios. Certamente o beneficiário
maior não tenha sido o Poder Originário e quem, de fato, sustentava o pilar
central e dominante do campo prático da política nacional.
FONTES BIBLIOGÁFICAS
BOSSI, Bartolomé (1819-1890)
Viagem pitoresca pelos rios
Paraná, Paraguai, São Lourenço, Cuiabá e o Arinos, tributário do grande Amazonas
com descrição da província de Mato Grosso com seu aspecto físico, geográfico, mineralógico e seus
produto naturais – Brasília: Senado Federal 2008, 132 p http://www.senado.gov.br/publicacoes/conselho/asp/publicacao.asp?COD_PUBLICACAO=387
GOLIN, Tau. A Guerra Guaranítica: como os exércitos
de Portugal e Espanha
destruíram os Sete Povos dos
jesuítas e índios guaranis no Rio Grande do Sul. (1750-1761). Passo Fundo : PUF e Porto Alegre :
UFRGS, 1998. 624 p.
HOLANDA, Francisco
(1517-1585) Diálogos de Roma: da
pintura antiga. Lisboa: Sá da
Costa, 1955, 158p.
FONTES NUMÉRICO-DIGITAIS
ARQUITETURA COLONIAL BRASILEIRA
CORREIO
BRAZILIENSE, DE JULHO, 1814. VOL. XIII.
No. 74.
FORTALEZAS
BRASILEIRAS
MATO GROSSO
RIO GRANDE do SUL - Rio Pardo – Tranqueira Invicta
RORAIMA
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Círio SIMON