Em JUNHO de 1814 o GOVERNO do
BRASIL era ÓTIMO:
pena que existia o povo...
Jean Baptiste DEBRET (1768-1848) - Embarque para o sitio de Montevideo
em 21 de maio de 1816
Fig.01 – A corte, sentada na sombra, assiste ao
desfile dos expedicionários lusitanos que vão reforçar o cerco a cidade de
Montevideo. A corte está trajada de luto pela recente morte de Dona Maria I.
No Brasil a distância
entre o governo e o seu PODER ORIGINÁRIO sempre foi enorme e continua sendo
abissal. Os lusitanos trouxeram um poder
feudal para a sua colônia. Na Europa cada senhor feudal tinha o seu castelo e
os seus vassalos próximos, conhecidos e de absoluta confiança. Na colônia
brasileira os corneis e os caciques não se entregaram ao trabalho oneroso de levantarem
amurados, fossos e ameias. Contudo eles compensaram esta falta de equipamento
pela truculência e pela insolência no trato de quem se atrevia a penetrar nos
seus enormes latifúndios. Estes latifúndios aos poucos evoluíram para a
estrutura municipal e onde coronéis e seus descendentes diretos continuaram e
mantiveram o poder feudal.
Jean Baptiste DEBRET (1768-1848) - Civilizados conduzindo
indios prisioneiros índios em Curitiba
Fig.02 – As armas de fogo e o uso dos metais
industriais garantiam aos coronéis e aos caciques alinhados com o governo colonial
plena autonomia para agir. O limite deste poder era não agir contra estes interesses coloniais
lusitanos.
Este MILITARISMO feudal
endêmico explica os fracassos e os vexames da administração municipal lusitana
colonial face à primeiras tentativas para implementar a IMIGRAÇÃO no Brasil. Uma
administração municipal radicalmente má e apenas voltada para a manutenção de
sua frágil e pequena herança ancestral via, em cada imigrante, um potencial
concorrente, cultural e tecnicamente mais preparado. O governo colonial central
lusitano reinava absoluto sobre estas intrigas municipais. De origem
hereditária e se acreditando consagrados e ungidos pelos poderes sobrenaturais.
Bastava editar alvarás, decretos e leis. Neste meio tempo se entregar a longos
e elaborados rituais entre os quais se ressaltava as de cunho religioso. Com
este procedimento a clivagem e a distância entre o governo e o seu PODER
ORIGINÁRIO eram abismais.
A imigração açoriana se
perdeu nestes latifúndios e sem trazer uma outra forma de pensar, agir e fazer
circular o sistema do poder colonial e feudal.
A única forma de abrir
uma brecha neste poder feudal seria uma imigração massiva para estabelecer uma
forma concorrente de pensar, agir e fazer circular o poder distinto daquela
forma colonial e escravagista brasileira.
Refiexoens sobre as novidades deste mez
sobre o BRAZIL
e estampado no CORREIO BRAZILIENSE,
VOL. XII. Nº 72, VOL. XII. No. 73.
junho de 1814, Miscelânea pp.916 - 918.
Governo
municipal das Provincias no Brazil.
Por
occasiaõ de fallarmos nos meios de attrahir população ao Brazil, dos paizes
estrangeiros, para o que recommendamos taõ boas leys, e taõ boa execução
dellas, que os estrangeiros, desejosos de emigrar para o Brazil, se persuadam,
que as suas pessoas, e propriedades seraõ respeitadas; convém repettir aqui, o
que por mais de uma vez temos dicto; isto he, a necessidade indispensável de
mudar a forma de administração das provincias do Brazil, sem o que nunca se
melhorará a sorte dos povos.
Como
os exemplos particulares provam, de maneira mais convincente, do que as
theorias geraes; adoptamos desde o principio de nosso periódico o systema de
narrar factos e nomear pessoas; porque dahi naõ pode provir outro mal, senaõ o
ódio desses acusados contra nós, do que naõ fazemos caso; e quanto á verdade,
ou justiça das accusaçoens, como sempre nos offerecemos a ouvir as partes, e.
admitir as suas defensas, naõ nos dóe a consciência nesta parte; e na verdade
parece-nos esta linha de comportamento, pelo menos mais franca, do que nunca
será a hipocrisia dos Redactores do Jornal Scientifico, conduzido por um medico
degradado por Jacobino, e por outros associados da mesma laia; e protegido
pelos fautores do celebre tractado de commercio; reptis aduladores.e
assalariados detractores, que promettido de não fazer personalidades, se tem
constantemente embaraçado com o Redactor deste Jornal, e com muitos outros
indivíduos, a quem alias deviam respeitar, ainda sem olhar para a contradicçaõ
de seus escriptos, com a promessa de que não fariam personalidades.
Seguindo
pois o nosso systema, e argumentando contra a forma actual de administração no
Brazil; dizemos, que o Governo militar, que ao presente está em voga, he
péssimo em todo o sentido.
O limite do PODER
ORIGINÀRIO do BRASIL era não agir contra estes interesses do PODER COLONIAL CENTRAL.
Este poder intervinha com mão de ferro como aconteceu com Calabar (1635), Zumbi
dos Palmares (1695) Felipe dos Santos (1720) Tiradentes (1792). Inclusive este PODER COLONIAL CENTRAL
LUSITANAO não tinha o menor pejo em se aliava aos seus arqui-inimigos espanhóis
como aconteceu, entre 175 e1756 com a destruição das Missões Jesuíticas. A
memoria destas repressões bárbaras permanecia como exemplar no interior de uma colônia sem comunicação sem comunicação
externa.
Porém esta violência e
arbítrio eram bem recentes e com repercussões na confiança econômica. Em junho
de 1814 começava a ganhar repercussões internacionais. Na medida em que o
Brasil se abria para o comercio mundial este começava a sentir este arbítrio em
seu comércio com a província do Ceará.
Chegaram-nos
á maõ narraçoens de factos contra o governador do Ceará, Manuel Ignacio de S.
Payo, que sò saõ dignos do reynado de um Caligula; e portanto muito impróprios
do paternal governo de S. A. R. o Principe Regente, de cujo bom character nos
fazemos taõ boa idea, quanto todos os seus subditos tanto da Europa como da
America se mostram assaz satisfeitos, e convencidos da rectidaõ de suas
intençoens.
Notaremos
alguns destes factos do tal Governador.
1°.
Inventar legislação sua a respeito de passaportes, para ir de umas terras ás
outras no mesmo districto; com indizivel vexame dos povos, e interrupção das
communicaçoens mercantis, amigáveis, e de familia; e isto com cláusulas, e
circumstancias (principalmente a respeito das mulheres) de uma atrocidade
dedespotismo.de que só se acha exemplo em nosso tempo na legislação de
Bonaparte.
WEING6ARTNER Pedro 1853-1929 -Acampamento
de carreteiros - Pinacoteca Aldo Locatelli
Prefeitura de POA-RS
Fig.03 – As demoradas e perigosas jornadas dos
carreteiros que se aventuravam penetrar e atravessar o interior do território
brasileiro são evidenciadas nos
registros de Arsène Isabelle. Ele levou 100 dias para fazer, em 1834, o trajeto
de São Borja até Rio Pardo. O controle militar era absoluto sobre as
naturais da terra e a desconfiança aos estrangeiros deteve Alexandre Humboldt
nos limites do território colonial lusitano brasileiro .
2°.
Mandar pagar dividas, entre partes, por execução militar, sem provas, ou outra
qualquer formalidade de processo judicial.
3°.
Obrigar um homem a casar contra sua vontade, pelo alegado crime deseducçaõ, sem
outro processo mais que a prizaõ, e execução militar.
4°.
Mandar prender um indivíduo, por ter movido a outro um preito em justiça.
5».
Soffrer que o seu Secretario leve propinas arbitrarias, por vários actos, que
devem ser grátis ex officio.
Estes
e outros vexames tem feito fugir a gente da Capitania do Ceará ao ponto, que o
termo das povoaçoens de Milagres, villa do Crato e Barra do Jardim, e outros,
estaõ quasi desertos; da Serra dos Cavallos, no termo de Icó, sahirain de uma
vez quarenta e nove famílias.
Tudo o que temos avançado se nos fez constar por papeis authenticos, passados e
reconhecidos pelo juízo da Índia, e Mina, em Pernambuco, e outras partes ; por
isso falíamos afoitamente. O total das pessoas, que tem fugido desta
Capitania.para as de Parahiba, Rio de S. Francisco, e Pernambuco, se calcula em
mais de 4.000 3.J m&s.
Deixamos
de fallar de inumeráveis outros actos de arbitrariedade igualmente
escandalosos; porque o dicto basti para o nosso fim.
Daqui concluímos, reflectiiido no
que temos dicto em N". antece dentes sobre os Governadores do Maranhão,
&c, que estes vexames dos povos naõ provêm somente das pessoas que se
nomeiam para os Governos, mas da forma de administração, que he radicalmente
má.
Fig.04 – As sedições contra o poder colonial, e depois imperial, era uma constante. Sedições
cujos mentores agiam contra os interesses coloniais lusitanos e depois
imperiais. Interesse coloniais e imperiais que se limitava a manter
firmemente o trono - e toda a vida
política – o mais distante do PODER ORIGINÁRIO da NAÇÃO. Mentores que sabiam da tradição de truculência deste poder que
não tinha dará conta diante de qualquer outro poder fora das fronteiras
coloniais.
Quando
as colônias do Brazil eram prezidios ou guamiçoens militares, bem se poderia
admittir, que os poucos habitantes, que vivessem juncto a elles, fossem
governados pelo commandante militar; porque taes habitantes se podiam
considerar, como uns quasi vivandeiros do exercito, que convém estejam sugeitos
ao despotismo militar do chefe das tropas; porém quando a população tem
crescido em numero, riqueza, e consideração, ao pouto de que taes guarniçoens
saõ objecto secundario, e mui insignificante, he grande absurdo continuara
mesma forma de administração.
Um
pay pode com propriedade dar uma dúzia de palmatoadas em seu filho quando
criança, por alguma falta, que tenha commettido; mas querer tractallo da mesma
forma quando elle chega á idade de 30 annos, he uma inconsequencia que naõ pode
ter lugar. O argumento he o mesmo, quando se contempla que a forma de
administração do Brazil, agora que elle he um Estado bem povoado, rico, e cheio
de habitantes agricultores, he a mesma que éra quando elle constava de meros
presídios, e guarniçoens militares.
S. A. R. deve estar persuadido, que elle naõ
conhece os indivíduos para os nomear Governadores; e por tanto ha de por força
atender aos que os Secretários de Estado lhe apresentarem; que nenhum se lhe
apresenta sem ter protecçoens, ou como lá se diz empenhos; e que essas
protecçoens, que serviram para a nomeação, servem ao depois para patrocinar, e
occultar os crimes, que elles comettem, principalmente se trazem dinheiro dos
seus governos.
WENDROTH, Rudolf
Herrmann – militares no RS 1852
Fig.05 – As manobras militares e iminência de
guerras necessitava o alinhamento de fazendeiros improvisados em coronéis e de
caciques de tribos conferia-lhes plena autonomia para agir. Porém deviam
abster-se de arranhar qualquer interesse colonial lusitano.
Quasi
todos os homens no Brazil pertencem á tropa, ou de linha ou de milícias, ou de
ordenanças; e como o Governador he commandante em chefe das tropas, naõ ha
cidadão que possa escapar do seu despotismo, justificado por esta sugeiçaõ
militar; ainda quando faltem todos os demais pretextos de jurisdicçaõ. Ora he
preciso confessar, que he esta uma existência bem precária, que naõ pôde
convidar estrangeiro algum a deixar a sua pátria, para se ir estabelecer no
Brazil. Nem digam que estes factos precizam que nos os narremos aqui, para
serem sabidos nos paizes estrangeiros, elles saõ assaz conhecidos sem isso; nós
só lhe damos publicidade, para que chegue á noticia de quem lhe pôde e deve dar
o remédio. Um negociante do Ceará, correspondente de outro negociante Inglez em
Londres, de quem recebeo ordem de cobrar uma divida de 4.000.000 de reis, na
villa da Fortaleza, foi impedido pelo Governador de instituir um processo
judicial, e assim naõ se pode cobrar a divida: taes factos necessariamente haõ
de dar aos estrangeiros terrível idea da administração do Brazil.
WEINGARTNER Pedro 1853-1929 - TEMPORA MUTANTUR – MARGS
Fig.06 – Abandonados tanto pelas suas pátrias de
origem como aquelas a qual escolheram como sua pátria de destino. O certo é
que cedo se deram conta que não tinham a menor chance de retornar sobre os seus
passos. De outro não tinham vindo a passeio nesta terra que lhes era estranha
em tudo. Restava-lhes apenas a sua
cultura, a sua vontade e imensa capacidade de convívio com os seus patriotas,
os antigos escravos e os primitivos indígenas.
FONTES BIBLIOGRAFICAS.
ISABELLE, Arsène (1807-1888) – Viagem
ao Rio da Prata e ao Rio Grande do Sul- Tradução de Teodomiro Tostes;
Introdução de Augusto Meyer [2ª reimpressão] Brasília: Senado Federal,2010 XXXI
p + 314 p. (vol. 61- Senado federal)
SAINT-
HILAIRE, Auguste (1779-1853) Aperçu d’une Voyage dans l´intérieur du
Brésil, la province et les mission du Paraguai. Paris :
Imprimerie da Belin, 1823, 73 p.
Coleção Brasiliana USP – http://www.brasiliana.usp.br/bbd/handle/1918/01417800
FONTES NUMÉRICAS DIGITAIS
CORREIO
BRAZIENSE –junho de 1814
INDIOS
PRISIONEIROS
Domingos
Fernandes CALABAR (1600-1635)
ZUMBI
dos PALMARES (1655-1695)
REVOLTA
de 1720 de Felipe dos Santos – Minas Gerais
José
Joaquim da SILVA XAVIER – 0 TIRADENTES-
1746-1792
MISSÕES
JESUÍTICAS na AMÉRICA do SUL
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Círio SIMON
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