quarta-feira, 12 de setembro de 2012

NÃO FOI no GRITO - 049




A ESCRAVIDÃO SUBLIMINAR e SILENCIOSA.
Fig. 01 – A clássica imagem da Revolução Francesa retratando as condições das três classes sociais onde a mais antiga e numerosa serve de montaria e conduz as duas outras.

“Os abusos do Governo da Sicília, e a decadência daquela nação, provinham pela maior parte, da discontinuação de seu Parlamento, O do augmento progressivo do poder da Coroa. Era logo necessário para cortar o mal pela raiz, fazer reviver aquelas assembléas da nação, que sugeitando á discussão publica a conducta do Ministério, estabelecem um freio eficaz á ambição dos que Governam, e á sua propenção ao despotismo”.

Correio Braziliense, nº 52, setembro de 1812, p. 560.


George CRUIKSHANK --1792-1878 
Fig. 02 – O despotismo  que se verticaliza e centraliza é  uma caraterística de todas as sociedades nas quais está em jogo o PODER. Esta verticalização e o centralismo conduzem a jogar toda a carga política, econômica e do trabalho produtivo sob as costas de uma única classe. Esta é subjugada, manietada, tornada inofensiva e, no final, sucumbe, sendo a ruína de toda a pirâmide que se erguera sobre as suas costas.

O despotismo de uma nação só torna-se viável na medida em que os cidadãos entregam ao déspota a sua própria vontade. A retribuição e a. recompensa que este déspota confere, a quem renuncia a sua própria vontade, é a segurança e o gozo de uma confortável heteronímia de suas próprias vontades,  reforçada pela garantia que não haverá sanção para os seus atos. Os cidadãos descobrem tarde que as aparentes vantagens recebidas, a falta de necessidade de prestar contas dos seus atos, responde pelo feio nome de ESCRAVIDÃO. Por mais que aumentem as vozes e produzam a maior algazarra, já é tarde e despotismo vai até as suas últimas consequências.

A dimensão da escravidão só é compreensível, e possui sentido, na medida em que consideramos e possuirmos referenciais e o contraste da liberdade. Etimologicamente a liberdade (in Ferrater Mora 1984 verbete Liberdade) deriva da cerimônia publica promovida pela sociedade romana quando um dos seus integrantes atingia a idade núbil e de reprodução. A pessoa que atingia o estágio do “liber” liberdade era declarada oficialmente apta para reproduzir mais membros da sociedade. No contrário o escravo era reproduzido e não legava e nem os seus descendentes não pertenciam à sociedade romana.

Fig. 03 –- O pequeno Boney no Trono Imperial por George CRUIKSHANK --1792-1878  em gravura assinada de 12.10.1814. O indivíduo, despreparado para lidar com a verticalização e o centralismo do exercício do poder de um grupo, de uma nação ou religião,  assume e centra este exercício sobre si mesmo. É o culpado de tudo. De fato não aprendeu - ou esqueceu - que o poder circula. No caso de um fracasso ele torna-se o bode expiatório coletivo, não importando as causas da catástrofe. O suicídio destes indivíduos é recorrente ao longo da História humana. Os que o seguiam até aquele ponto percebem-se isentos de qualquer culpa ou sanção moral, pois “apenas estavam cumprindo ordens”.
 
O perigo não é a arma, em si mesma e nem o porte de arma. O problema consiste em que é PORTADOR de UMA ARMA. O porte de uma arma pode se concedida a quem se identifica com uma sociedade equilibrada e para quem cultiva a plena cidadania. Na pós modernidade esta identificação é possível realizar com uma pessoa que conscientemente se identifica por meio dos seus dados pessoais fornecidos para esta mesma sociedade. Esta possui o direito desta concessão deste porte de arma na medida em que esta sociedade possui acesso imediato aos dados de um cidadão que se identifica com os ideais que esta civilização possui e sobre os quais realiza os contratos correntes com  toda a coletividade. Tornar PORTADOR de UMA ARMA a quem ainda não atingiu a liberdade somática, moral ou individual, é uma evidente temeridade e um risco para esta sociedade. Risco e temeridade, que terminam em tragédia, em geral. Esta tragédia não terá sanção alguma se esta sociedade descobre tarde que esta pessoa PORTADORA de UMA ARMA, não gozava de autonomia da sua vontade, da plena liberdade ou de responsabilidade para responder por seus atos.


Fig. 04 – O indivíduo despreparado e temerário conduz a coletividade -  que se reúne sob a sua liderança – para a catástrofe da escravidão SUBLIMINAR com a subtração SILENCIOSA da competência e o direito de deliberar e decidir. A fama,  a emoção e o entusiasmo são maus conselheiros e são caminho como mostra a pintura “Naufrágio de do Juan” (1840) de Eugênio Delacroix   inspirada no drama de de Moliére. O líder está a beira de se tornar mais um bode expiatório.  A multidão, que o segue, movida pela. s forças da propaganda, do pertencimento e do rebanho, descobre tarde o engodo e é vitima de mais um naufrágio.

                A preparação - das cenas destes equívocos, tragédias e gestos - é silenciosa Quando os estampidos soam, os gritos ferem os ares e o sangue corre,  já é tarde. Qualquer esforço é inútil e só agrava os efeitos. Em política, arte e esporte não é possível pedir desculpas. O equívoco, a tragédia e o sangue do passado, apenas irão servir de alerta contra o silêncio, a omissão e os equívocos. No máximo pode constituir-se em alertas vindos de um passado morto. Alertas para tornar a liberdade compreensível a todos e torná-la cheia de sentido prático. Compreensão de sentido que se tornará prática corrente e universal na medida em que se considera, se possui referenciais e capaz de perceber e lidar com o contraste com aquilo que não é liberdade

Ilya Yelimovich  REPIN (1844-1930) – Detalhe “Os homens da Sirga no rio Volga”- c.1870   http://en.wikipedia.org/wiki/Ilya_Repin
Fig. 05 – O jovem despertando para a  escravidão eslava no meio do trabalho, numericamente gigantesco e condenado a puxar, pela sirga, o pesado barco do Estado Russo. A vontade popular na heteronímia era forçada ao trabalho físico e à adoração mental do Estado nacional. Este trabalho e esta adoração eram montados e controlados pelo regime dos czares.

 O exemplo concreto de pessoas deste passado que cultivaram e praticaram a liberdade, constituem um grande patrimônio para as escolhas de quem ainda pode fazê-las. Os problemas, em relação a estas pessoas de um passado morto, iniciam com narrativas, em relação a elas, e que no final derivam para a formação de um mito estranho tanto para o biografado, como para quem recebe esta narrativa. Em segundo lugar não naturalizar o que está fora da série normal de vidas. O terceiro é gerar uma narrativa fora do repertório daqueles que estão ainda em condições de escolher entre a liberdade e a escravidão.

eorge CRUIKSHANK --1792-1878 
Fig. 06 – O medo da reforma social toma forma na guilhotina com vida própria  perseguindo os donos do poder político, econômico, militar e religioso. O uso da imagem da guilhotina associa à Revolução Francesa, ao Terror e ao domínio de um Razão, Esta imagem busca argumentos visuais para desqualificar, neutralizar e congelar o Poder vindo da sua origem. Como imagem evoca exemplos e argumentos que tem por objetivo bloquear qualquer possibilidade de mudança política, econômica, militar e religiosa.

Entregar uma narrativa mítica sobre a liberdade, a democracia ou ética para alguém incompetente, é o mesmo do que entregar o porte de uma arma a um cidadão que não se identifica com os ideais que esta civilização. Sem conhecimento e sem vontade manifesta e pública, não há direito de ninguém presumir silenciosamente de que alguém possuir e ter condições de  realizar contratos correntes com  toda a coletividade. Primordialmente a educação forma e escolar possui este papel e este sentido. Quanto mais elaborada e complexa é uma sociedade, mais longa é esta educação do indivíduo, que se candidata a pertencer a ela. Na atualidade esta educação formal consome grande parte da vida de quem deseja realizar estes contratos.
Fig. 07 – O consumo perdulário da produção industrial conduz à escravidão comandada sob o nome do deus Baco. A imagem foi criada em 1860 e deve-se Jorge CRUIKSHANG (1792-1878). O artista cria uma metáfora visual onde massas populares embriagadas de consumidos vorazes e sem limites. Este consumo desenfreado os aliena da sua própria vontade transformam-se em seus escravos.  Este usufruto imoderado e desproporcional - daquilo que as máquinas produzem -  gera multidões cada vez maiores e cada vez mais alienadas de sua própria vontade e incapazes de perceberem as suas próprias competências e limites. As mensagens da propaganda e o marketing orientam e reforçam esta heteronímia subliminar e que é sinônimo de escravidão.
Clique sobre a figura para ampliá-la.
 
A escravidão SUBLIMINAR e SILENCIOSA pode ser resumida em não possuir a competência e o direito de deliberar e decidir. O pior acontece quando alguém já possuía a liberdade e a vem perder. O pior pobre é aquele que alguma vez era rico de fato ou se julgava como tal.

A escravidão voluntária é impossível de contornar e evitar na medida em que se apagam referenciais e os contrastes com a liberdade. A escravidão reproduz a escravidão. O escravo é incapaz de retirar outro escravo da heteronímia de sua vontade. O escravo só reproduz a sua condição. Não lega o “liber” da reprodução da liberdade aos seus próprios descendentes. Estes apenas se multiplicam numericamente numa sociedade de escravos que não deliberam e nem decidem.

 

FONTES
BOÉTIE, Etienne La (1530-1563).  Discurso da Servidão Voluntária (1549).  Tradução de Laymert G. dos Santos.  Comentários de Claude Lefort e Marilena Chauí.  São Paulo : Brasiliense, 1982. 239p.
CORREIO BRAZILIENSE -Vol. IX nº 52 pp.405-568-  SETEMBRO de 1812

Etimologia da palavra Liberdade na edição
FERRATER MORA, José –Diccionario de filosofia - Madrid : Alianza, 1981, 4v 
LIBER na cultura romana:

Jorge CRUIKSHANG 1792-1878
CAMPANHAS de NAPOLEÃO I – caricaturas de Jorge CRUISKSHANG 1792-1878

 
MOLIÉRE Jean-Baptiste POQUELIN (1622-1673) Don Juan (1665)

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