terça-feira, 14 de agosto de 2012

NÃO foi no GRITO - 046



DITADURA ESTATAL.
Querer o bem com demais força e de incerto jeito, pode já estar sendo se querendo o mal por principiar. Esses homens ! Todos puxavam o mundo para si, para concertar consertando. Mas cada um só vê e entende as coisas dum seu modo .Guimarães Rosa [1]


[1]  - GUIMARÃES ROSA,  João. Grande Sertão: Veredas. Rio de Janeiro : José Olympio, 1963, p. 18..





Fig.01 -  - Jean Joseph  WEERTS (1846-1927)- “Concurso de Retórica em Lion sob Calígula” (12 ac – 41 dC) 1905/6 grafite e óleo 40.5 x 120 cm esboço para a decoração da Faculdade de Medicina de Lion – França. Calígula reinou de 37 dC até ser assassinado em 41. Ele teve uma formação esmerada. Era versado em grego e estimulou a arte retórica. A retórica foi a grande contribuição da Arte romana para a civilização ocidental e através da qual justificavam a sua hegemonia pelas armas.


Toda ditadura é sempre estatal. Todo ditador realiza a façanha de se apoderar do aparelho do Estado e exercer, por meio dele, a sua hegemonia, pois só vê e entende as coisas dum seu modo. Este modo passa pela apropriação do aparelho estatal e usá-lo para os seu objetivos pessoais ou do seu próprio grupo.
Toda ditadura torna-se, assim, estatal. Toda ditadura é sempre estatal mesmo que este Estado seja movido pelo poder religioso mais subliminar, ou pelo poder simbólico - do capital intelectual ou monetarista - até pelo poder truculento militar que se move pela intimidação ostensiva e portentosa. Todos buscam os mecanismos governamentais e tentam apropriando-se deles para programar e dirigir a sua teleologia imanente na organização das suas forças que os sustenta. Todos se concertam, entre si mesmos, para puxar para si o Estado e o mundo, para consertá-los ao seu modo.


Fig.02 -  Jacques Louis DAVID (1748-1825)  - MORTE de SÓCRATES - pintura do ano de 1787  -óleo sobre tela 130 x196 cm – no Metropolitan Museum of Art desde 1931 – Sócrates insistia na maiêutica, pois ele partir do principio de que a Verdade já estava encubada na inteligência humana. Bastava ao mestre realizar as perguntas corretas e oportunas para que esta verdade se torna evidente e perceptível ao seu portador como para a sociedade. O processo da maiêutica foi considerado perigoso e subversivo ao ESTADO DITADORIAL, que nascia e se alimentava de racionalizações coletivas. Racionalizações que não coincidiam com as Verdades que nasciam e se evidenciavam nas mentes dos discípulos do filósofo Sócrates (460 a. C – 399 a.C).

O  Estado mais deletério é o Estado tíbio,  acomodado e incompetente. Este tipo de Estado causa reações as mais irracionais, inesperadas e desesperadas. Todas as grandes revoluções da História Contemporânea foram contra Estados tíbios, acomodados e incompetentes. 


http://www.latribunedelart.com/gustave-dore-un-peintre-ne-article003909.html
Fig.03 -  Gustave DORÉ (1832-1883) – “Calvário” - 1877. Óleo 109.8 x 170.2 cm. O drama do Gólgota foi sempre visto e considerado como a grande injustiça praticada devido à tibieza, à incompetência e os modos políticos  acomodatícios dos agentes do Estado Romano frente as pressões jogadas sobre a vítima fatal e reconhecida como inocente por toda a posteridade.

Prevendo estas reações irracionais, inesperadas e desesperadas, Estados inteligentes e atentos, souberam se renovar por dentro. Buscam renovar-se contra castas que nele se acomodaram como parasitas. Estes parasitas criaram condições para usufruir - silenciosa e sorrateiramente  - os bens do poder central que seu Estado acumulara com cautela, tranquilidade e prudência. Nestas condições estes parasitas  gozam a fortuna da continuidade e de sua reprodução e com direito de preservar a sua identidade deletéria ao bem e à felicidade pública. Muitos destes parasitas reproduzem a tradição dos “vendilhões do templo” denunciados e execrados publicamente nos escritos bíblicos. Um Estado - corrompido por dentro - constitui-se numa  Ditadura Estatal silenciosa, moralmente fétida e que arrasta a todos, e a tudo, para a entropia inexorável. 


Fig.04 -  Pieter BRUEGHEL o Velho (1525-1569) – O peixe maior engole o menor – A gravura é uma metáfora do que perpassa todas as espécies vivas nas quais o mais habilidoso, atento e forte estabelece a sua hegemonia em proveito de sua habilidade, atenção as seus objetivos específicos e se valendo para tanto do se tamanho e força física  . No meio humano o Estado foi pensado, por Hobbes, na forma do gigantesco “Leviatã”  para exercer esta hegemonia sem contestações possíveis por ser o maior, o mais forte e com  imensos recursos acumulados. Contudo muitos Estados totalitários tiveram o mesmo fim da imagem de Brueghel. Praticaram a DITADURA ESTATAL, recorreram ao Leviatã estatal, se imaginando durar mil anos tiveram o mesmo fim do grande peixe.

A revolução interna continuada permitiu à atual República da China erguer-se ao estágio de desenvolvimento continuado ao longo desta metade de século de sua existência soberana. Não foi o caso da URSS que se imaginou ter chegado ao paraíso proletário, parou e se desintegrou. Vale também aos Estados o conselho de Sêneca:
“Penso que muitos poderiam ter atingido a sabedoria, se não se tivessem imaginado ter chegado até ela, se não se tivessem fingido certas coisas em si mesmos, se não passassem por outras com os olhos fechados SÊNECA Da tranqüilidade do ânimo, p. 08
O professor do imperador Nero certamente estava preocupado, não só com o seu discípulo desvairado, como com toda a sociedade republicana, que se formara e educar ao longo de sete séculos de penosas e violentas contradições. Contudo o luxo, a fama e a ambição pessoal de poder e de riqueza interromperam este caminho da transformação das contradições que sociedade republicana romana praticara até aquele momento e da qual Sêneca sentia-se como um último e um elo perdido de outro tempo. O seu discípulo estava levando para a sociedade romana os argumentos as práticas que ele se imaginava serem imanentes ao poder estatal. Contra estes argumentos e práticas não adiantaram os conselhos e os livros de Sêneca escritos para o seu estudante, nem teve êxito buscar companheiros que comungassem com os antigos ideais republicanos romanos. O seu ex-aluno o colocou na escolha compulsória entre a execução pública ou seu suicídio.



Fig.05 - Francisco José GOYA y LUCIENTES 1746-1826    Desastres da Guerra - Gravuras entre  1814-1819 A frágil criatura humana - apoiada na potência do Leviathn  do Estado - espalha o terror e a consternação por meio da  prática dos mais atrozes espetáculos contra os seus inimigos para provar a sua superioridade, força e potência.

O terror do Estado Imperial Romano triunfou contra todos os avisos de Sêneca e dos seus companheiros. Triunfo de Estados tíbios, acomodados e incompetentes.  Antes eles haviam forçado a ingerir a cicuta à Sócrates, crucificaram Espártacus e à Cristo, depois enforcaram e queimaram Savonarola  ou enforcaram Tiradentes, para citar alguns nomes de vítimas notórias das variadas formas da DITADURA ESTATAL. Se a atual presidente do Brasil foi torturada, ela o foi em nome, pelos agentes e por meio dos aparelhos estatais.
Os sofrimentos e os sacrifícios destes não foram em vão. Enquanto o Estado Ditatorial estava as suas atenções assassinas, voltadas para estas vítimas, muitos conseguiram perceber e contornar estes obstáculos à circulação das energias do poder que cada grupo humano gera.


Fig.06 -  - Francisco José GOYA y LUCIENTES (1746-1826)  Fuzilamento de 03 de Maio de 1808 – 1814  - óleo sobre tela 266 x 345 cm 9 A máquina de guerra estatal  francesa aterrorizando e fuzilando sumariamente os civis espanhóis indefesos e avulsos.

Evidente ninguém deseja entrar neste cortejo das vítimas, nem se constituir nas suas carpideiras. O que de fato interessa é perceber esta circulação, acúmulo e repentinas e incontroláveis explosões das energias acumuladas em todo ambiente no qual se reúne um grupo humano. Como este acúmulo cresce geometricamente em cada novo integrante que se somar, estas explosões serão maiores e também geometricamente mais violentas.


in  GLOBO 12.07.2012
Fig.07 - Um milhão  de fotos individuais baixadas da internet. O poder individual é cada vez mais forte e mais provido tecnicamente. No contraditório  esta multiplicação dos poderes e recursos individuais provoca a reação - igual e contrária - de estados nacionais. Estes se erguem,  caminham e pisam sobre este mosaico variado de individualidade separadas e sem conexões com o todo. Estas individualidades desconexas são destinadas ao lixo, ao descarte e à entropia natural.

O papel de toda autêntica autoridade é saber, ter vontade e se legitimar para canalizar, distribuir em tempo e competência, estas energias para o bem e felicidade coletiva. Evidente que existe o antes, o durante e o depois deste processo. Sêneca contemplava e procurava os valores do ANTES da era Republica Romana. Estava vivendo o DURANTE no acúmulo e que se materializava no Império Romano. O DEPOIS,  todos conhecem como a ruina do Império e que aconteceu principalmente a partir do interior deste Estado tíbio, acomodado e incompetente e que por isto recorria a violência e truculência gratuita para salvar as aparências.
A ditadura estatal NÃO GRITA com o objetivo de salvar estas aparências e ocultar que não tivera a percepção correta do TEMPO preciso, das energias e as forças com as quais estava lidando no momento preciso e justo.



Fig.08 -  Eyre CROWE-1824-1910   - Escravos esperando para serem vendidos 1861 – óleo 20¾ x31½ polegadas sob um esboço de  1853 A escravidão norte-americana exigiu uma dolorosa e mortífera Guerra da Secessão na qual os escravos conseguiram a abolição legal da escravidão. Apesar de todos os recursos e aparências formais o escravo não deliberava e decidia. .

Certamente a epokhé, o fato e o gesto de se colocar do lado de fora do Estado, ajuda para distinguir o FAZER do AGIR. Mas nada disto faz sentido diante de uma cultura e um hábito arraigado, submerso e multissecular. De um lado, a escravidão legal só existe com aval e sustentação de um Estado escravagista. No entanto o Brasil - além desta escravidão legal praticada no avulso e o atacado ao longo de 400 anos - esteve na heteronímia colonial por um período quase idêntico. Desta heteronímia prolongada permaneceu  o hábito multissecular e a expressão popular de “o culpado é o governo”. Diante desta cultura e hábito, aquele que assume o menor cargo e função estatal necessita estar preparado para ouvir permanentemente ser o “culpado de tudo” apesar de todos os seus esforços individuais e coletivos.


Fig.09 -  Jean Baptiste DEBRET (1768-1848)  Escravos esperando para serem vendidos  no mercado de escravos do Valongo Rio de Janeiro. A penúria, a magreza e a falta de qualquer conforto físico ou moral contrastam vivamente em relação a  figura 08 dos escravos norte-americanos da mesma origem. Contudo ambos, apesar dos recursos e aparências formais não deliberavam e decidiam sobre as suas ações e destinos pessoais.

Por mais que se acumule de privilégios pessoais e pontuais este escravo, ele não esta fora desta heteronímia. Novamente o mesmo Sêneca
As aparências de alguns pedagogos, estes escravos vestidos com maior apuro, me constrangem. Cobertos com mais ouro que num dia de procissão, formam um exército resplandecente de serviçais. Pisam sobre tapetes preciosos nas casas nas quais as riquezas estão espalhadas por todas as paredes, os tetos refulgem e existe sempre esta multidão que acompanha os patrimônios que se dissolvem.” S E N E C A SÊNECA Da tranquilidade do ânimo, p. 08[1]
Evidente quem patrocinava e mantinha esta escravidão luxuosa e decadente era o Estado Romano. Todas as condições estavam colocadas nesta instância política que caiu nas mãos de Nero. Este discípulo de Sêneca que, entre outros desvarios, pode ser acusado como  assassino do seu próprio mestre em nome de uma ditadura do Estado Romano. Este imperador fora legitimado pelo “Senatus Populusque Romanus” [S.P.Q.R] num dos seus momentos de tibieza, acomodação e incompetência em orientar e controlar a circulação das energias do poder do povo. Energias acumuladas ao longo dos sete séculos no desativado regime republicano de Roma e que Nero recebeu. Evidente que este indivíduo foi apenas um daqueles do imenso cortejo dos que agiram no âmbito das incontáveis DITADURAS ESTATAIS. De outra parte é necessário pensar nos interesses escusos daqueles que lutaram em apoiar e legitimar este indivíduo desvairado e criminoso por meio desta decisão do Senado Romano. Afinal a pessoa desequilibrada e instável de Nero, não pode ser reduzido a ser um único “bode expiatório e culpado de tudo.



Fig.10 – Honoré DAUMIER 1808-1879- Gargantua 1832. A era industrial,  para o seu funcionamento, acumulava bens, capitais, insumos e mão de obra. A figura do Estado Francês e o seu agente máximo (Napoleão III) foram vistos como uma linha de montagem. Esta  exigia e consumia tudo aquilo que uma nação podia produzir. Estava começando a se caracterizar o caminho do capitalismo cumulativo associado e parceiro do Estado contemporâneo. Esta gravura valeu a prisão ao seu autor.
  
O domínio colonial espanhol nas Américas, ao longo de três séculos, só fez crescer a gula e a vontade do Estado espanhol acumular fortunas e mandar no Novo Mundo. As Cortes Espanholas, reunidas em 1812, não se convenceram a negociar a circulação ao poder que poderia servir a todos. Assim o Correio Braziliense, nº 151, p.183, depois de fazer desfilar 11 argumentos para que as colônias americanas que estavam proclamando, uma a uma a sua soberania e a Espanha, sob o jugo francês, entrassem em sintonia registra que:
No dia 16 de Julho (1812) se debateo, nas Cortes de Hespanha, a questaõ se se havia ou naõ de receber esta mediação; e foi decidido por uma maioridade de 101, contra 43 votos, que se rejeitasse; e he de notar; que votaram pela aceitação todos os deputados Americanos, excepto dous. Todas as pessoas, que desejarem a prosperidade de Hespanha, lamentarão sem duvida uma resolução desta natureza, que he tendente a privar a Peninsula dos soccorros Americanos, taõ úteis e taõ necessários nesta desastrosa guerra”.
Caso as Cortes Espanholas tivessem tido perspicácia, atenção ao momento crítico e histórico único, que estavam vivendo, poderia ter gestado um mundo Ibero- Americano exemplar e algo semelhante ao “Commonwealth”. Preferiram o momento e cobrir-se de ouro e fazer resplandecer os seus palácios e as suas igrejas. Enquanto isto os ingleses, haviam aprendido a lição da soberania das 13 colônias norte-americanas.  Concentraram o seu esforço de colocar as bases do seu “Commonwealth” que funciona, até o presente, nos bons e maus momentos. Ao mesmo tempo, nas divisões Ibero-americanas os negociantes britânicos aproveitaram os espaços e começaram a comerciar com as novas nações que se apartavam do mundo ibérico. Praticar com os novos clientes aquilo que sempre fizeram com antigo Portugal soberano, contudo frágil e incapaz de resistir à sua força econômica e sua perspicácia “just of time”. 



Fig.11 -  Albin EGGER-LIENZ (1868-1926) - Nordfrankreich 1917 [1ª Guerra Mundial} - óleo 116 x 231 cm . A era industrial funcionava no interior de limites e fronteiras definidas para a circulação e consumo de seus produtos resultantes dos bens, capitais, insumos e mão de obra acumulados. Esta  exigia e consumia tudo aquilo que uma nação podia produzir e, ao mesmo tempo, tinha o ônus da sua defesa. Estava começando a se caracterizar o caminho do capitalismo cumulativo associado e parceiro do Estado contemporâneo. Para expandir e proteger as fronteiras e os limites destes Estados nacionais as guerras regionais irrompiam entre nações rivais ou entre as nações associadas o que atingia o âmbito planetário.

Toda regra possui generosas exceções. Exceções como o Estado Uruguaio que aprendeu, e pratica esta lição, há dois séculos.  Se de um lado este Estado faz lembrar as lições do Catecismo de Augusto Comte, quanto à sua população e a extensão territorial, do outro lado, estas mesmas práticas também podem ser desenvolvidas em nações colossais como o Brasil. Cabe ao PODER ORIGINÁRIO organizar-se politicamente para perseguir as condições da cidadania, do bem estar social e felicidade coletiva. Condições praticadas de tal forma que o poder circule nestas pequenas células vivas. Células reforçadas, diferenciadas e sancionadas pelo macro poder inteligente, atento e com contratos sociais discutidos permanentemente e, assim, mantidas ativas e aptas para se reproduzirem no tempo e a favor do toda a humanidade. 




Fig.12 -  Aleksander MIR – “2.529 troféus”.. in The Guardian 04.08.2012. O “prêmio em cima de...” constitui uma das mais frequentes estratégias com que indivíduos, corporações ou mesmo Estados Nacionais, procuram realizar a sua própria propaganda ou marketing dos seus próprios nomes valendo-se de nomes com algum prestigio ou publicidade merecida por outros motivos. Os “2.529 troféus”  da instalação, deste artista contemporâneo, evoca este hábito em eventos repetidos à saciedade por uma sociedade de acumulação, de consumo predatório e sem objetivos maiores. Na medida em que os Estado Nacionais recorrem a este estratagema praticam também a Ditadura Estatal do consumo.

Não se trata de criar e de esperar OUTROS e NOVOS MUNDOS. Esta espera e criação praticadas, em todos os tempos e civilizações humanas, caracterizam mecanismos de fuga da realidade. Trata-se, isto sim, evitar que MUNDOS PIORES e INDESEJADOS, venham acontecer e se imporem como fatos consumados e incontornáveis.



Fig.13 – Sob o cartaz  com o título “ADMITE_SE” a figura do ser antenado, mudo e com o coração à vista desta pichação num poste de uma rua, é mais um índice . Este artista contemporâneo evoca o hábito de sociedade de acumulação, de consumo predatório e sem objetivos maiores do que aparentar para a mídia. As mais ferozes  Ditaduras Estatais recorreram a  este estratagema de reescrever e apresentar a público as suas verdades podadas e estéreis para esconder e mascarar o terror e a mentira do PERTENCIMENTO do qual não são portadoras de fato.


FONTES
CORREIO BRAZILIENSE - nº 151 - agosto de 1812 – veja este número completo em:

Hipólito José da Costa
CORREIO do POVO -ANO 117 Nº 276 - PORTO ALEGRE, SEGUNDA-FEIRA, 2 DE JULHO DE 2012 p,2 Nosso Colaborador Carlos Roberto da Costa Leite coordenador do setor de Imprensa do Musecom
JENKINS, Simon For the digital revolution, this is the Robespierre moment. Londres : Guardian.co.uk, Tuesday 10 July 2012 20.30 BST

Palavras do dirigente do Estado URUGUAIO :


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1º  blog :
SUMÀRIO do 1º ANO de postagens do blog NÃO FOI no GRITO

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

NÃO foi no GRITO - 045



A HISTÓRIA do GRITO.

Para entender a gênese e a história da construção do quadro e pintura “O GRITO do IPIRANGA”, e o seu contexto, é necessário entender o final do Império Brasileiro e sua passagem para o regime republicano, a partir de São Paulo.

Fig.01 - MELLO Pedro Américo de Figueiredo 1943-1905  - Grito do IPIRANGA -1888 - óleo 415 x 760 cm -  Museu Ipiranga São Paulo

O tema do “GRITO do IPIRANGA” ganhou a sua dimensão nacional inconteste, graças à liderança e pela potência emergente da Província de São Paulo ao final do regime imperial brasileiro. A potência e a liderança nacional, estavam sendo disputadas ativamente por duas concepções políticas e sociais antagônicas no âmbito desta Província Imperial. As lideranças, das duas concepções antagônicas, estavam lastreadas em solidas bases econômicas. Os Barões do Café do Vale do Paraíba estavam numa base. Eles sustentavam regime imperial com seus títulos e que recebiam evidentemente os afagos deste regime. Noutro base, o mesmo café criava fortunas no interior do estado onde ele chegava na época, inclusive nas profundezas da mesma província, em rápida expansão em novas fronteiras agrícolas. A expansão do café, em novas fronteiras agrícolas, estava nas mãos de proprietários sem títulos imperiais e com um projeto republicano muito bem definido para a conquista do poder. Estes novos ricos não gozavam os afagos do regime imperial. O seu projeto de hegemonia era amparado por um paradigma integro e integral no qual o regime imperial deveria ser sumariamente eliminado e esquecido. O poder nacional era único e indivisível.

02 - A CONVENÇÃO de ITU, em 1873,  realizada por proprietários do interior paulista e sem títulos imperiais e com um projeto republicano muito bem definido para a conquista do poder

Ambos os lados não entraram em confrontos diretos e abertos uns contra os outros. Os que defendiam e dependiam do regime imperial preferiram as armas culturais, simbólicas e estéticas para mostrar a sua superioridade. Os republicanos  concentraram-se na ação política através do GRÊMIOS REPUBLICANOS que se multiplicaram em todos os recantos inclusive na capital do Província como na faculdade de Direto do Largo de São Francisco.

03 - FIGUEIREDO Aurélio 1854-1916  - Último Baile do Imperio na Ilha Fiscal-1889  pintura de 1905 – Pinacoteca do Estado do Amazonas
Evidente que esta mensagem foi captada e entendida pelos Barões do Café. Trataram de garantir e prolongar, o mais possível, o regime imperial que os afagava. Nada melhor do que buscar, no interior desta província, índices da constituição e manutenção deste regime. Certamente os testemunhos diretos do evento ocorrido, no dia 07 de setembro de 1822, à margens do Riacho Ipiranga, não existiam mais e como também não deixaram uma documentação abundante e inquestionável. Tanto melhor. O mito podia ser criado e fantasia historicista correr solta que interessava para os defensores e beneficiários de regime imperial. Pensaram em um museu e obras de arte que tornaria carne e sangue do regime politico cujo projeto desejam materializar e defender. Agiram ao melhor estilo do Imperador Napoleão I, seguiram os passos da Missão Artística Francesa no Brasil e a tipologia da Villa Médici. Nada melhor do que um pintor brasileiro Pedro Américo, radicado em Florença e do arquiteto Italiano Tomaso Gaudenzio BEZZI. Este apresentou um projeto em 1882 e que ganhou forma definitiva no ano seguinte, enquanto foi hospede do Barão do Rio Branco.


04 – Museu do Ipiranga  projeto definitivo em 1884 por  Tomaso Gaudenzio BEZZI e construído por Luigi PUCCI recebeu a pintura do Grito do Ipiranga concluído em 1888 por Pedro Américo

Se de um lado o GRITO do IPIRANGA não foi o ato mais importante dos diversos processos da construção da soberania brasileira, do outro ele deu imagem e consistência narrativa popular para a unidade nacional.   No processo da conquista da soberania nacional o GRITO do IPIRANGA foi pouco determinante. Esta soberania foi construída num longo e penoso trabalho desenvolvido em muitos outros momentos. As decepções, contratempos de um governo colonial obsoleto e concentrador.

O papel da Província de São Paulo foi predominante ao gerar o interesse na construção e na manutenção de uma versão da História a partir do ponto de vista paulistano. Tanto a História Paulista como a europeia impõe uma lógica civilizatória. Na Europa o naufrágio do governo de Napoleão III, diante do fracasso das armas germânicas de Bismark e da Comuna de Paris, abriu espaço para o retorno do regime da Republica na França. Esta mesma França demorou um século para deliberar e decidir que a “Tomada da Bastilha”  era o instante simbólico -  entre milhares de outros eventos - da sua Grande Revolução. Assim, quando nenhum testemunho estivesse vivo, os franceses escolheram o “14 de julho” como festa nacional,  no dia 06 de julho de 1880, e quando também fixaram, e adotaram, a divisa "Liberté, Égalité, Fraternité" como oficial. Uma série de países sul-americanos, nesta mesma década, fixou e passou a celebrar eventos, erguer monumentos e realizar quadros históricos  em relação á a conquista da sua soberania. Evidente que elas correspondem e podem ser acompanhadas por uma onda de historicismo arquitetônicos, do mobiliário e moda no que foi conhecido com “espirito de fim do século” XIX, no interior do qual buscavam eventos para exibir amostras desta mentalidade.



05 - A pintura do Grito do Ipiranga, concluída em 1888, por Pedro Américo, exposta á visitação publica no Museu do Ipiranga.


Nada mais justo que a província de São Paulo - que mantinha um fluxo constante com a cultura europeia - seguisse este espírito e com ele dialogasse de uma forma contínua e consistente. O quadro O GRITO do IPIRANGA de Pedro Américo pode ser uma destas manifestações desta tendência.



Na Europa, a “Belle Epoque”, o espirito do fim do século e início do novo silenciaram com os canhões e as misérias das trincheiras de 1914. Enquanto isto, o estado de São Paulo levou a sua hegemonia política até 1929, graças ao café. O final desta hegemonia sobreveio com a Quebra de Bolsa de Nova Iorque, a Revolução de 1930 e se tornou definitivo em 1932. Ao canalizarem as energias da Revolta Constitucionalista de 1932 para a Universidade de São Paulo (USP), tiveram o amparo simbólico, cultural e financeiro para continuar, inclusive,  manter e administrar o Museu do Ipiranga.


Fig.06 - MELLO Pedro Américo de Figueiredo 1943-1905  PAZ e CONCORDIA 1895 - esboço Pinacoteca de São Paulo

Evidente que a USP tinha profundas raízes culturais, jurídicas e simbólicas republicanas na gloriosa Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Local de formação jurídica dos líderes republicanos sul-rio-grandenses.

O exemplo mais contundente veio do pintor do quadro que assumiu, não só a postura republicana, mas tornou-se constituinte do novo regime como representante do Estado da Paraíba. Porém manteve-se distante da doutrina positivista que ele já havia contornado na sua tese[1] do doutorado, defendida em 1867, num reduto positivista da Universidade Livre de Bruxelas.


[1] MELO Pedro Américo de Figueiredo A Ciência e os sistemas : questões de história e de filosofia natural. João Pessoa : Editora Universitária, 2001, 143 p



Fig.07 - MELLO Pedro Américo de Figueiredo 1943-1905  - PAZ e CONCORDIA – 1902  - óleo  300 x 431 cm - Itamaraty RJ

A história do quadro GRITO do IPIRANGA  está intimamente associada à história da Província de São Paulo. No contexto desta Província as duas coerentes antagônicas se complementam e constroem símbolos nacionais que transcendem o final do Império Brasileiro e são consagrados ao longo da passagem para o regime republicano. O quadro “GRITO do IPIRANGA, carrega o máximo de conteúdo  no mínimo de sua construção material, como é da natureza de toda autêntica obra de arte. Este máximo inclui o universo simbólico do seu contexto do final do Império Brasileiro e sua passagem para o regime republicano brasileiro a partir de São Paulo.



Fig.08 - MELLO Pedro Américo de Figueiredo 1943-1905  - PAZ e CONCORDIA – 1902  - óleo  detalhe – Palácio  Itamaraty -  RJ

O gigantesco universo simbólico, das duas concepções antagônicas e dos quais se perderam os ecos, legou à cultura brasileira um dos sentidos fundamentais da soberania brasileira. Quando o regime republicano paulista conquistou o poder estadual, fomentou o mito do bandeirante como um ente integrador do Brasil profundo. Os seus agentes estavam projetando  a sua recente conquista do solo do interior paulistano. Ao mesmo tempo evidenciavam as economias acumuladas com o café. A potencialidade deste investimento de capitais paulistas no imenso território nacional tinha como objetivo primeiro os retornos financeiros garantidos e multiplicados. Para este objetivo funcionaram a contento, tanto o mito do “GRITO”, como o do “BANDEIRANTE”,  e com frutos para além do aguardado tanto para São Paulo como para o Brasil.



Fig.08 - ALMEIDA JUNIOR, José Ferraz de (1850-1899) Partida da Monção- 1897  - estudo óleo 74 x 119 cm - Pinacoteca de São Paulo – uma das imagens do Mito do Bandeirante criado no início do regime republicano por um pintor proveniente do interior do estado e que expressa o projeto de uma nova elite paulista e sem títulos nobiliárquicos.

  
FONTES BIBLIOGRÀFICAS

ABREU, Regina. A fabricação do Imortal: Memória, História e Estratégias de consagração no Brasil.  Rio de Janeiro  :  Rocco, 1996. 235p



BARATA, Mário «Século XIX: transição e início do século XX» in ZANINI, Walter.   História geral  da arte no Brasil.   São Paulo   :  W.M. Salles, 1983.  pp.377-451.



CARVALHO, José Murilo. A formação das almas: o imaginário da República. São  Paulo: Companhia das Letras. 1990. 

FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucilia de Almeida Neves. (Org.). O Brasil Republicano: O tempo do liberalismo excludente: da Proclamação da República à Revolução de 1930. v.1 Rio de Janeiro: Civilização Brasiliense, 2003.

CHAVES de MELO. Gladston. Origem, formação e aspectos da cultura brasileira.  Rio de Janeiro : Padrão , 1974.  277p.



CUNHA, Luiz Antônio,  Universidade temporã : o ensino superior da Colônia à Era          Vargas. Rio de Janeiro : Civilização Brasileira. 1980, 295p.



MELO , Pedro Américo de Figueiredo (1843-1905)  A Ciência e os sistemas : questões de história e de filosofia natural. João Pessoa : Editora Universitária, 2001, 143 p



SOUZA NEVES, Carlos de.  Ensino superior no Brasil.   Rio de Janeiro : MEC-INEP    4v. 1969.



SOUZA CAMPOS, Ernesto. Educação Superior no Brasil: esboço de um quadro   histórico de 1549-1939. Rio de Janeiro: Ministério de Educação, 1940. 611p.

____.   História da Universidade de São Paulo. São Paulo : USP, 1954. 582p

WRIGHT MILLS C. A elite do poder. 3.ed.  Rio  de Janeiro : ZAHAR, 1975.  421p.



FONTES NUMÈRICAS DIGITÀIS

BARÔES do CAFÉ



BARÕES do IMPÉRIO




PRP





PROJETO de Tomaso Gaudenzio BEZZI e obra de Luigi PUCCI


USP – Faculdade de Direito




PEDRO AMÉRICO




Repercussões do quadro “Batalha do Avahi” de Pedro Américo


O GRITO




O mito do bandeirante


Paulo Setúbal




A III REPÚBLICA na FRANÇA




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