sexta-feira, 8 de junho de 2012

NÃO foi no GRITO - 039



De JUNHO de 1812 até JUNHO de-2012:
O ESTADO ASSUME a FALHA do PÁTRIO PODER e TENTA MEDIAR.

Fig. 01 – As crianças na rua estão entregues a LEI do BANDO e dos impulsos coletivos primários do estagio do coletador. Se o seu projeto for mudar - e se, neste caminho, tiverem esta fortuna - serão obrigadas a passar todos os estágios de uma civilização e partir deste seu modo primitivo e natural de viver no BANDO. Certamente as drogas serão apenas mais um dos complicadores para este êxito. .

Em junho de 2012 as CRIANÇAS CONTINUAM a APARECER e a VAGAR pelas RUAS como em junho de 1812. O Estado continua a tentar mediar e a sanar a falha ou a simples ausência do pátrio poder. O tenta de forma improvisada e pontual, por leis e instituições precárias. Talvez a novidade seja que este pátrio poder é cada vez mais exercido pela mãe. Esta, cada vez mais exigida fora de casa para a sua sobrevivência e da prole que assume, possui limites. Assim a sua prole é confiada à rua enquanto ela provê uma parca alimentação e algum abrigo.
Fig. 02 – As crianças dormindo nas ruas e ao sabor da barbárie e dos maus tratos, aos quais se jogam os restos dos alimentos que caem ou sobram da mesa dos ricos

A “infância” é uma categoria social que só emergiu para uma visibilidade pública e separada, com a era industrial e o Estado contemporâneo gerente de problemas. As portarias do governo lusitano que o Correio Braziliense estampou em junho de 1812 é uma das tentativas que o Estado português contemporâneo gerente de problemas, encontrou para mostrar ao seu público a sua mediação. Conhece-se a portaria mas não há registro dos seus efeitos posteriores. Temos todas as razões para duvidara de sua eficácia, pois o problema persiste em junho de 2012.

CORREIO BRAZILIENSE -  JUNHO de 1812, nº 049,  p.687.
POLÍTICA.Documentos Officiaes relativos a Portugal.
PORTARIAS.
Do Governo em Lisboa sobre os Menores desamparados.

SENDO de muita consideração o actual estado de muitos Menores de ambos os sexos, que vagaõ pelas Comarcas do Reino sem abrigo ou destino ; e sendo necessário prover de prompto e efficaz auxilio, que salve estas victimas da desgraça em que se achao. Manda o Principe Regente Nosso Senhor, que os Corregedores das Comarcas do Reino de acordo com os Vigários Geraes, ou da Vara das Terras, vaõ entregando aquelles Parochos mais zelosos do serviço de Deos, e do mesmo Senhor, todos estes prófugos e desamparados, para que estes os distribuaõ pelos Lavradores mais abonados, e cheios de patriotismo; ficando os sobreditos Corregedores obrigados a vigiar sobre os referidos desamparados, para os castigarem, quando os Lavradores se queixarem de qualquer insulto ou falta, que commetterem no seu serviço; e igualmente ficarão os parochos no cuidado destes desgraçados, dando conta aos seus Vigários Geraes. E da uniaõ destas duas autoridades espera o mesmo Senhor que resulte o amparo de tantas victimas desgraçadas.

Palácio do Governo, em 8 de Maio, de 1812.
Com cinco Rubricas dos Senhores Governadores do  Reino
Fig. 03 – As crianças nas ruas voltam às condições dos animais e sem condições de deliberar e decidir sobre um futuro distinto daquele dos seus amigos irracionais..

Com toda a certeza o Estado possui o seu papel de protagonista, pois a pobreza não pode salvar a própria pobreza. No máximo expressa-se numa sociedade de “lumpen”. As favelas brotaram em todos os Estados soberanos da América[1] inclusive os ricos EEUU. Uma sociedade de “lumpen” resulta de um entendimento equivocado dos Estados que se entregaram o seu poder à lideranças de corporações públicas, ou privadas, que sufocam todas as aspirações políticas de um povo que deveria ser o protagonista. O que se evidencia, aqui, é o protagonismo do político que nunca e continua a não consegue enxergar por cima dos muros de isolamento físico e dos pobres tetos das favelas.


[1]  - SOARES, Jurandir «Razões do golpe na Venezuela» - in Correio do Povo, Porto Alegre, ano 98, n° 029, 29.11.1992, p. 08
Fig. 04 – Os últimos sorrisos de uma infância inocente  mas condenada às ruas e ao sabor de uma Natureza bruta que não possui alma nem coração. Estas crianças, sem condições de deliberar e decidir, estão no aguardo do que der e vier. Normalmente vem a escravidão do BANDO que possui e exerce as suas PRÓPRIAS LEIS, que estão, em geral, em  CONFLITO com a  CIVILIZA´ÇÃO..

Se não existisse o legalismo e a vontade de fazer prevalecer a lei sobre os fatos as portarias publicadas no Correio Braziliense de junho de 1812 as crianças de rua seriam algo do passado. Na sua cegueira não desejam tocar e muito menos, evidenciar as causas destas crianças de rua. A criança de rua também não  pode libertar da rua outra criança.

CORREIO BRAZILIENSE -  JUNHO de 1812, nº 049,  p.68
7VOL. VIII. No. 4,9. 4v 688 Política..
POLÍTICA.Documentos Officiaes relativos a Portugal.
PORTARIA
Tendo o Principe Regente Nosso Senhor Ordenado, que se restabeleça a casa pia, supprimida pela invasão dos Francezes, logo que as circumstancias o permittao; e sendo indispensável accudir sem demora á necessidade, e desamparo de muitos menores Emigrados pela maior parte, que sem abrigo algum vagaõ por esta Capital expostos a todos os vicios, e mizerias. Manda Sua Alteza Real que a dita casa pia se restabeleça interinamente no Mosteiro do Desterro, onde j á se achaõ alguns rapazes; e que recolhidos nella todos os trastes, e utensílios da antiga, que ainda existirem dispersos por fora, se restabeleça o Cofre, e escripturaçaõ separada na fôrma antecedentemente praticada, para ser presente ao mesmo Augusto Senhor no fim de cada um anno o Estado da sua renda, e despeza, e se abra a nova casa pia no Faustisisimo dia 13 do corrente, em que devem entrar todas as menores desamparadas, que por ora se poderem manter. O Intendente Geral da Policia o tenha assim entendido, e haja de executar.
Palácio do Governo, em 8 de Maio, de 1812.
Com as Rubricas dos Senhores Governadores do Reino.

Fig. 05 – A roda das crianças na rua da Misericórdia do Rio de Janeiro Roda dos Expostos no RJ Desenho de Thomas Ewbank 1845. Certamente o olhar deste estrangeiro, e proveniente da cultura anglo-saxã, é uma importante testemunha da distância e do estranhamento que tal prática produziu sobre este observador.

Certamente este é mais um texto legal que teve o menor efeito a não ser elevar o populismo a favor de uma coroa desmoralizada.

Este texto busca as migalhas que caem das mesas dos ricos. O meio urbano e a sociedade corrompida mostram-se de corpo inteiro nesta realidade das CRIANÇAS de RUA e que persiste intacta em junho de 2012. O meio urbano controlado pelas elites, atrai a pobreza como as mariposas rurais são atraídas pelas luzes urbanas noturnas. Evidente que não interessa - a nenhuma das duas partes-  resolver e nivelar estes abismos.  Ao rico que perderia o espelho de sua superioridade. As “metrópoles civilizadas” das mansões e dos palácios urbanos espelham-se na miséria dos seus semelhantes mergulhada na sociedade circundante das favelas e sentem-se lisonjeadas em ostentar este poder e assim mostrar uma superioridade que, de outra forma,  não teriam. Transformam este abismo para ensinar os seus filhos e educa-los para perpetuar esta situação e privilégio. O contínuo dos 400 anos de escravidão é apenas uma das partes desta situação.  Ao miserável não interessa também, pois necessitaria assumir a sua condição e lutar e trabalhar muito para modificá-la. Não teria mais, ao mesmo tempo, o culpado para apontar e necessitaria assumir a ação para ter o direito à sanção moral dos seus atos.
Fig. 06 – A Rua da Misericórdia no Rio de Janeiro  com roda expostos até o final da década de 1840

 A solução lusitana de 1812 de remeter estas crianças ao meio rural, pelas mãos armadas do Intendente Geral da Policia e mediado pelos  bons ofícios dos clérigos,  certamente era condenar estes seres humanos a integrar a força escrava sob o açoite do feitor.


Fig. 07 – A escravidão rural e as crianças Esta prática desestimula, de um lado, a permanência das crianças no meio rural e do outro, aquelas que já estão na rua, no meio urbano, percebem este perigo e preferem permanecer nas favelas do que dar este passo temerário do retorno ao interior do Brasil, onde sabem que serão explorados, ao extremo de suas forças, mesmo seu frágil trabalho braçal

O que se assiste no Brasil de junho de 2012 são exatamente estes mesmos bolsões da escravidão dissimulada no meio rural e formada de boa vontade daqueles que desejam redimir-se das mesmas condições de miséria das crianças encaminhadas ao meio rural em junho de 1816.

Estas notícias lidas, pensadas e publicadas na Londres 1816 ensejaram ao redator do Correio Braziliense oportunidade de comparar o Estado português - candidatando se a gerente de problemas em relação ao pátrio poder - com o exercício do poder publico anglo saxão. Cultura na qual a medição do Estado é menos visível na ânsia de mostrar serviços em relação a mediar problemas no âmbito do pátrio poder. Isto pelo fato concreto de que na cultura anglo-saxã, a cidadania é mais igualitária, responsável e mais solidária na solução destes problemas básicos e que não possui a cultura de remetê-los à mediação de um Estado provedor e populista.

Mas o mundo continua enquanto todos os paradigmas são íntegros e integrais. O Estado de cultura latina, continua a tentar mediar e a sanar a falha ou a simples ausência do pátrio poder. Questões fundamentais da natureza da criatura humana, não podem ser enfrentadas, pois sonegam-se, falsificam-se ou obstruem-se qualquer acesso à informações confiáveis e reversíveis às suas fontes.
Fig. 08 – Documento, passado pelo padre Ignácio Gonçalves da Porciúncula da DOAÇÂO de um moleque crioulo de nome José, de oito anos, filho de sua escrava Maria, a Vicente, filho de Maria Rita da Conceição.
No Brasil atual acredita-se ainda no boto. O “pai da criança é o boto”. O que parece um mito complacente ou uma piada constitui uma triste realidade para milhares de crianças jogadas no mundo sem referências e responsáveis ausentes. As mentes infantis não conseguem elaborar e assimilar esta piada obscena. Este mito complacente de sua origem, as atinge em cheio, obscurecendo de forma irreversível as suas vidas. Este trauma da falta de informação fidedigna impele as suas vontades para a violência incontrolável para qualquer poder de coerção, venha este poder donde vier. Em qualquer rua do Brasil basta abrir uma janela e o olhar do espectador é obrigado a contemplar ao vivo o espetáculo “dos filhos do boto”. Milhares e milhões de “crianças de rua” não encontram a informação sobre a sua origem de sua vinda ao mundo e, muito menos, obtém a informação de quem é o responsável por elas neste instante.
Fig. 09 – Quando toda a capital do Império Lusitano, com todos os seus equipamentos e funcionários cabiam, em 1812,  numa das enseadas da baia da Guanabara no Rio de Janeiro e sem as favelas de hoje. A comparação com 2012 mostram o potencial de crescimento numérica das riquezas e habitantes teve um pesado contraponto na pobreza dos seus habitantes da perferia onde predominam as crianças
Clique sobre o mapa para ampliá-lo. .

O Brasil poderia abrigar facilmente um bilhão de criaturas humanas. Contudo se este número será uma catástrofe se o mito benigno da origem persistir. Com este número e nestas condições, o Brasil será mais um exportador de terroristas planetários. 

A verdade não dói. Dói a necessidade de mudar a mentalidade e os comportamentos que esta verdade impõe a quem a conhece. LOPES FILHO escreveu[1], em 1996 que:

“para mudar, é preciso ter humildade. É a ocasião oportuna  para identificar como centro de sua política, a nação. E como destinatário do sucesso governamental, o povo e primeiro lugar, imenso contingente órfão de atenção, benesses e efetiva prestação de serviços públicos básicos”.

Não dói reconhecer a verdade da fragilidade social. Dói apenas para quem é vítima desta desigualdade. Se a maioria não tomar a decisão da mudança de um Estado injusto, esta verdade vai doer para todos e para sempre. Vai doer para os injustiçados. Eles terão de tomar em suas mãos a História. Para tomar em suas mãos a História necessitam expressar a sua vontade em relação ao fato político, em relação aquilo que eles nunca realizaram e tratar de entender a natureza desta mudança.

Chega-se à conclusão, também diante do panorama das crianças de rua,  de que NÃO FOI NO GRITO desta Portaria Regia que se resolveu este problema. Este também não será sanado, nem no presente e nem no futuro, PELO GRITO estridente do marketing governamental. Estas mediações, e as novas leis estatais, rendem, no máximo, discursos, por cima e por fora,  sobre um problema que todos sabem que não tem, e nem terá, solução nesta forma ruidosa e legal. Somente uma profunda e silenciosa mudança de mentalidades e comportamentos, provenientes do PODER ORIGINÁRIO, poderá ser o portão de um caminho da solução coerente e para todos deste problema.


FONTES
Roda de Expostos no Rio de Janeiro

CORREIO BRAZILIENSE em
http://www.bn.br/portal/

Trabalho infantil é rotina


CORREIO do POVO ANO 117 Nº 255 - PORTO ALEGRE, SEGUNDA-FEIRA, 11 DE JUNHO DE 2012 – p. 16 Geral


OD:

mssI36_25_20

Título:

Termo de doação do padre Ignácio Gonçalves da Porciúncula de um moleque crioulo de nome José, de oito anos, filho de sua escrava Maria, a Vicente, filho de Maria Rita da Conceição [...]. -

Publicador:

[s.n.],

Data:

1812

Assunto(s):

Escravos como doação
Slaves

Tipo de documento original:

Manuscrito

Direitos:

Biblioteca Nacional (Brasil)

Coleção:

Arthur Ramos

Back up:

HD-002 DVD-0036

 
ESCRAVIDÃO RURAL no NORDESTE


Presidente Lugo reconhece paternidade

 CORREIO do POVO -ANO 117 Nº 250 - PORTO ALEGRE, QUARTA-FEIRA, 6 DE JUNHO DE 2012














[1] - LOPES FILHO, Osíris «Cair na real» Folha de São Paulo, ano 76, n° 24.448, 10.03.1996, 2° ca, p. 02



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