sexta-feira, 1 de julho de 2016

138 - NÃO FOI no GRITO

O BRASIL NÃO TEM NECESSIDADE de TER MENDIGOS.
“O grande ponto deste plano seria, depois de escolhido o lugar mais apto para a capital; abrir as estradas dali para todas as províncias; e edificar as aldeias ao longo dessas estradas, em distancias convenientes, e nos lugares fornecidos de água, madeira, e pedra. O Brasil não tem necessidade de ter mendigos; e portanto os que ao parecessem se deveriam empregar na abertura dessas estradas, juntamente com os destacamentos de tropas”.
CORREIO BRAZILIENSE - VOL. XVII. julho de 1816,  nº 98, p.97
Fig. 01 –  Em julho de 1816 a população radicada no campo e sobrevindo do seu próprio trabalho e renda, ainda era rara e marginalizada. Os produtos manufaturados vinham da metrópole ou eram controlados e tabelados por ela em função da produção agrícola e pastoril que ocorriam num trabalho coletivo e forçado. Este trabalhador era conduzido coletivamente das senzalas  e sob rígido controle do capataz, do dono e das autoridades policiais do governo colonial e estatal.

A população lusitana sempre esteve dividida entre os agricultores e os marinheiros. Na ocupação da colônia brasileira veio majoritariamente a população  afeita com as lides e a sobrevivência da lógica e  dos recursos do mar. Assim BRASIL PROFUNDO interessava para como refúgio de marginais, de quilombos e da campo de caça de tribos primitivas e nômades.
De outro lado a guarda da colônia era realizada por um rosário de fortalezas praianas, apoiadas por uma reduzida população urbana. A ocupação do meio o rural do Brasil se  realizou a partir do urbano, ao contrario da Europa na qual a intensificação do cultivo dos campos se adensou no meio urbano.
Passados 300 anos esta colonização de caranguejos litorâneos persistia, em julho de 1816,. A forma para reverter esta lógica da dependência marítima  era estabelecer a nova Capital no centro geográfico do Brasil. A partir desta urbanização buscar a ocupação rural do interior continental brasileiro profundo e desconhecido.
COZINHA da MALOCA no Rio SOLIMÔES - Foto Albert FRISCH (1840-1918) http://brasilianafotografica.bn.br/?p=5045
Fig. 02 –  O indígena ao se recusar ao trabalho coletivo e forçado se aprofundavam nos sertões e florestas.. Este indígena era nômade e ainda no estágio da coleta e da caça Muito colonos lusitanos e africanos tomaram para si mesmos este estágio, técnico, cultural e social, perdidos nas imensidades do interior profundo brasileiro. Para quebrar este ciclo de entropia o governo e os cientistas, intelectuais e jornalistas estavam convencidos de romper este ciclo por meio de massivas correntes de imigração capazes de reagir a estas condições naturais dadas. 
Os resquícios das “bandeiras”, das corridas do ouro ou do lento, progressivo e predatório avanço das manadas de gado eram rapidamente absorvidas e enterradas na memória diante do avassalado poder central e monocrático emanado de corte de Lisboa. Corte para a qual todo colono desejava e trabalhava para levar para lá as eventuais fortunas granjeadas nas atividades predatórias praticadas no interior do Brasil profundo.
Fig. 03 –  O indígena brasileiro dependia apenas dos recursos naturais e mantinha a autonomia de uma nação. Era alheio aos paradigmas culturais técnicos e sociais do colonizador lusitano com o qual mantinham contatos esporádicos. O Marquês de Pombal aboliu qualquer escravidão indígena brasileiro Em compensação proibiu a língua avanhenga que era a lingu geral inclusive dos bandeirantes e colonos portugueses.

Nesta lógica o colono lusitano era pouco proveitoso para um projeto nacional brasileiro consistente e duradouro. Impunha-se um colono que esquecesse rapidamente a sua terra de origem e começasse acumular as riquezas no local onde as auferia. 
Angiolo Tommasi (1856-1923) -Gli Emigranti[1], (1885)
Fig. 04 –  O fluxo do imigrante europeu e depois asiático tomou, ao longo do século XIX a forma institucional de verdadeiras empresas comerciais após a “Abertura dos Portos Brasileiros” para as “nações amigas”, em 1808,.. E estas levas tinham dificuldades imensas para manter o seu projet inicial. Isto levou a verdadeiras derrocadas sociais, econômicas  e políticas como foi o caso da imigração alemã para a Província do Espirito Santo e levado para a literatura por Graça Aranha na sua obra CANAÃ[2]..

Em julho de 1816 estava aberta uma janela impar para colonizar o interior do Brasil. As cicatrizes e as sequelas da Revolução Francesa, as aventuras napoleônicas e a implacável e irreversível Era Industrial havia produzida uma potencial massa humana apta para o projeto brasileiro.  De um lado estava a arruinada tentativa da supremacia francesa mundial da sua própria da Era Industrial. Do outro lado estava o agricultor qualificado em práticas agrícolas multisseculares interrompidas pela industrialização e pela proletarização urbana dos seus filhos. Quem percebeu esta janela foi Joaquim Le Breton numa carta[3] dirigida a Dom João VI por meio ao Conde da Barca.
As ideias da carta de LE BRETON coincidem, na mesma época, com muitos pontos da o sul-rio-grandense HIPÓLITO JOSÉ da COSTA editor do
CORREIO BRAZILIENSE - VOL. XVII. julho de 1816,  nº 98, pp. 96 -98 - Miscellanea.
Reflexoens sobre as Novidades deste Mez.
REYNO UNIDO DE PORTUGAL DO BRAZIL. E DOS
ALGARVES.
População. Nova Capital no Brazil.
Indicamos no nosso N*. passado algumas breves noçoens; sobre a necessidade de promover a immigracaõ de estrangeiros no Brazil; e fomentar os estabelecimentos de terra dentro, edificando uma nova cidade, para ser a capital e sede do Governo do Brazil. O Leitor nos permittirá ainda outra vez o faltarmos desta matéria, que julgamos de grandíssima conseqüência, para a prosperidade daquelle paiz. O systema, que recommendamos, de favorecer a immigraçaõ de estrangeiros, tem sempre em vista o facilitar-lhes todos os meios de se estabelecerem no interior do paiz; deixando os portos de mar, os rios e as costas, sem este immediato patrocínio; porque pela natureza das cousas estes lugares obtém por si mesmo concurrencia de habitantes. O grande ponto deste plano seria, depois de escolhido o lugar mais apto para a capital; abrir as estradas dali para todas as provincias; e edificar as aldeas ao longo dessas estradas, em distancias convenientes, e nos lugares fornecidos de água, madeira, e pedra.
Fig. 05 –  O morador de rua do Brasil, de julho de 2016, usando lap-top. Porém,  sem domicílio retornou ao nomadismo indígena brasileiro e vivendo da coleta das sobras de uma sociedade semi-industrial. Existem, nestas condições  representantes de todas as etnias e cores e que soma 1% da população brasileira o que soma até1,6.milhões de pessoas[1] e igual a população fixa de Porto Alegre. Porém o autêntico indígena brasileiro e afro-brasileiro possui a capacidade de adaptação a este meio devido às condições climáticas favoráveis. Porém os descendentes de europeus, nestas condições necessitam de uma verdadeira violência para descer a esta degradação humana, cultural e econômica.

O Brazil naõ tem necessidade de ter mendigos; e portanto os que ao parecessem se deveriam empregar na abertura dessas estradas, junctamente com os destacamentos de tropas, segundo deixamos indicado. A residência do Governo na capital deve necessariamente levar ali concurso de gente de todas as partes. As passagens dos rios, seja em barcos, seja cm pontes, deve ministrar uma fonte de rendimento para a mesma abertura das estradas ; arrematando-se estas passagens a quem por ellas mais desse; e fazendo com qne as pontes, caminhos, &c. sejam construídos, nao por conta da Fazenda Real, mas sim por companhias de indivíduos particulares, a quem se dém os lncros provenientes do que pagam os viajantes, que passam por essas pontes, estradas, &c.
Fig. 06 –  Os interesses e direitos individuais de ir e vir, chocam-se frontalmente com o uso indiscriminado e predatório do espaço público no Brasil.  Este conflito ainda não foi devidamente equacionado em julho de 2016o O Correio Braziliense de julho de 1816 sugere o equacionamento pelo pedágio para a construção e manutenção das vias publicas 

A vantagem deste modo de proceder he mui considerável. Em primeiro lugar, arrematando-se essas passagens todos os annos, oa de dous m dous annos, em publica atmoeda, o Governo está seguro de obter a maior somma possivel. Em segando lugar, as companhias de particulares, que em prenderem aquelles trabalhos, os administrarão como cousa sua, c com a devida economia; quando que, sendo isso feito por conta do Governo, os empregados, que forem nomeados para taes inspecçoens, cuidarão cm cobrar os seus salários, sem se importar com o demais, o que a experiência nos ensina todos os dias. Seria desnecessário entrar aqui nas particularidades destes arranjamentos, nem explicar as differentes formas, porque se podem pôr em practica; mas daremos um exemplo. Supponhamos, que se quer arematar a passagem de um rio, que atravessa a estrada da capital para Bahia. Por-se-ha a lanços, descrevendo quanto deverá pagar naquella passagem cada homem, cada besta, cada carro. &c. E se arrematará isto a quem se obrigara abrir, e ter em bom reparo, uma porção de estrada de cada parte do rio. O lançador que offerecer a abertura e concerto de maior extensão de estrada, cobrando o que se estipular pelas passagens, será aquelle aquém se arremate o contracto.
Fig. 07 –  O redator do Correio Braziliense pode observar em julho de 1816 cenas semelhantes as estas no porto de Londres. Empresas comerciais exploravam esta necessidade humana de procurar novos pontos para reiniciar a vida. Os governos nacionais encobriam a sua incapacidade de manter e prover de trabalho destes seus cidadãos desqualificando-os como “traidores da Pátria” De outra parte, este mesmo imigrante, enfrentavam as mais severas restrições e desconfianças da parte dos habitantes nativos ou já adaptados ao meio. Não era esta desconfiança terminavam em sangrentos e mortais confrontos como aconteceu com os “MUCKERS”[1] no Rio Grande do Sul 

Haverá, porém, lugares, em que se nao possa applicar este methodo; porque requererão despezas tam consideráveis, que para ellas naõ baste o que razoavelmente se pode exigir dos passageiros. He nestes casos, que o Governo deve contribuir;, pagando aos trabalhadores, empregando os mendigos e os soldados licenciados; fazendo também isto por meio da arremataçaõ a indivíduos, em hasta publica. He ordinariamente juncto aos rios, aonde se acham as melhores situaçoens para edificar povoaçoens; e um destacamento de tropas, juncto com os trabalhadores na estrada; e as pequenas datas de terras aos que as quizerem cultivar, formarão em breve outras tantas aldeas, nos lugares em que se emprehenderetn taes obras.
Robert von HERKOMER (1840 - 1914 )[1] - Tempos difíceis (1885) óleo 86.5 x 111.0cm
Fig. 08 –  O trabalhador rural europeu jogado a beira da estrada com seu família, com os seus parcos instrumentos de trabalho e que ele podia carregar nas suas próprias costas. Estas mesmas estradas eram, muitas vezes, o seu trabalho provisório antes da decisão do abandono definitivo e irreversível de sua pátria natal. É este tipo de estrada que o redator do Correio Braziliense vislumbrava e sugeria, em julho de 1816, para o Brasil profundo. Mão de obra estava sobrando na Europa...

Porem em todos os casos he necessário evitar cuidadosamente as administraçoens por conta da Fazenda Real, e a ingerência do Governo, excepto nas cousas que forem de absoluta necessidade. Se uma companhia de particulares emprehende a abertura de alguma estrada juncto a um rio, como no exemplo que temos figurado; nao he preciso outra ingerência da parte Govemo, senaõ que o seu engenheiro marque o rumo da estrada e suas dimensoens, que tire um mappa ropographico dos orredores; qne nelle designe as datas aos indivíduos, sempre com a condição de as perderem, se as nao cultivarem dentro do tempo limitado; e qne estes mappas, datas, e confrontaçoens sejam registradas e depositadas nos archivos competentes; para segurar os titulos das propriedades a seus legitimos donos.
Ford Madox BROWN (1821-1893) _ The last o Engand 1855[1]
Fig. 09 –  O migrante  europeu partir em direção desconhecido embalado pela literatura romântica e dos grandes viajantes europeus. Este migrante encontrava estas terras e realidades completamente diferentes da sua literatura, propaganda e mitos. Diferentes, a partir dos seus próprios parcos recursos e sem pensar  e muito menos prover  um retorno para contar a sua própria aventura nas novas terras de adoção.  Os sertões e as profundas florestas tropicais tornavam inúteis e até ridículos as suas pesadas roupas dos invernos europeus     

Julgamos que seria de sununa utilidade, empregar o Governo todas as sommas, que lhe pudessem restar de outras repartiçoens, em comprar instrumentos de agricultura, que se repartissem pelos novos colonos, sendo estes obrigados a pagallos, dentro em certo numero de annos, a pagamentos annuaes. Estes pagamentos se poderiam receber em gêneros, como os dizimos; e serviriam para o mantimento das tropas, e dos trabalhadores empregados nas obras publicas. Assim o Governo nao perderia cousa alguma das despezas feitas nestes avanços ; e o pagamento nao se faria oneroso ao novo colono. Quanto aos trabalhos da capital; parece-nos, que ali se deveriam empregar exclusivamente os criminosos condemnados a galés, em toda a parte do Brazil; porque com facilidade se podiam fechar durante a noite, na prisaõ destinada a este serviço; quando que nas estradas publicas, principalmente as distantes de povoaçoens, o custo de guardar os prezos, e o perigo de sua fuga, saõ muito maiores que o proveito de seu trabalho”.
Fig. 10 –  A era Industrial foi hegemônica no campo técnico, econômico com profundos reflexos na vida e a nas sociedades humanas. Era industrial provida de capitais acumulados por gerações, de máquinas e produtos provenientes das Ciências, da Química e das tecnologias. O agricultor e o pastor tinham poucos argumentos a seu favor nesta enxurrada jurídica, social e tecnológica que poluía as águas, o ar e os expulsava dos seus campos tradicionais. A solução era procura outras terras ainda virgens desta polução e pressão desigual....

A comparação do Brasil de julho de 1816 e de  julho de 2016 não anima  muito. Mudou a cronologia, permanecem os hábitos, a mentalidade e essência do regime colonial e servil.  As reiteradas corrupções, as sucessivas intermináveis descobertas de escândalos e a falta de um projeto, um pacto nacional e a mastodôntica estrutura estatal são amostras projetadas num futuro  de uma soma de projetos que vão muito além da ocupação humano de um território e a manutenção de um centralismo escorchante e esterilizador da inteligência, vontade e sentimentos brasileiros.
Fig. 11 –  Outra cena que o redator do Correio Braziliense podia verificar nas ruas de Londres.  O proletariado preso nas linhas de montagem das fábricas inglesas em exaustivas jornadas diárias s em férias ou fim de semana, deixava as crianças nas ruas, sem instrução. Faziam companhia  a raros velhos corroídos pelo tempo e imprestáveis para os trabalhos extenuantes das linhas industriais. Para fugir destas condições a alternativa era correr o risco da migração para terras e povos estranhos e ainda não contaminados pela ERA INDUSTRIAL.

LE BRETON expõe, na sua carta de junho de 1816, ideias com muitos pontos semelhantes ao do sul-rio-grandense HIPÓLITO JOSÉ da COSTA e estampadas no número de julho de 1816 no CORREIO BRAZILIENSE. Ambos defendiam o aproveitamento da janela aberta pela RA INSUSTRIAL. LE BRETON defendia o aproveitamento da mão de obras ociosa na Primeira Era Industrial e parada devido aos des atres das guerras napoleônicas. Hipólito José da Coata enxergava mais longe e percebia a possibilidade de abrir estradas para o interior brasileiro coroado este projeto com uma nova capital. Ambos defendiam e recomendavam a mobilização dos capitais acumulados, a mão de obra e a rápida e decidida ação do PODER ORIGINÁRIO da NAÇÂO em estado de gestação irreversível em julho de 1816.
Porém pelo caminho desta soberania estava o “HERODIANISMO”. Esta mentalidade de heteronomia colonial era solidária e presa aos poderes da Europa. Esta mentalidade colonial submissa era - e continua sendo -  um obstáculo maior e mais profundo do que a falta de estradas, de uma capital no centro do pais ou a vinda dos imigrantes europeus. O “HERODIANISMO” tira o seu nome do triste e sempre lembrada perda da LIBERDADE e da AUTONOMIA de ISRAEL, dos tempos bíblicos. O “HERODIANISMO” ganhou sentido para todos os países da América Latina na voz e nos escrito do  sacerdote e sociólogo belga Roger Vekemans:

 "Assim como Herodes viveu fisicamente em Jerusalém,, porém mentalmente a estava em Roma, da mesma forma as classes  altas  vivem fisicamente na América Latina porém,  mentalmente,  estão nos Estados Unidos ou na Europa"
(in Steger, 1971: 30 e 224”).
O ciclo da superação do “HERODIANISMO” ainda não está encerrado em julho de 2016. O Brasil está muito distante de uma autêntica pesquisa, de uma aceitação e da prática de um pacto social, político e econômico a partir de uma mentalidade própria.

FONTES NUMÉRICAS DIGITAIS
A MARCHA para o INTERIOR do BRASIL.

CARTA de Joaquim LE BRETON ao Conde da Barca em 16 de junho de 1816.

EXPEDIÇÂO de ALEXANDRE RODRIGUES FERREIRA (1750-1815)


GLI IMIGRANTI Angiolo Tommasi (1856-1923) -Gli Emigranti, (1885)

HERODIANISMO CONFORME ROGER VEKEMANS (1921-2007)


Hanns-Albert Steger (ed.), Die aktuelle Situation Lateinamerikas, Frankfurt, Athenäum, 1971.
Hanns-Albert Steger (ed.), "Soziologie in and über Lateinamerika", en: Steger (ed.), 1971, págs. 25-35


HISTÓRIA de GOIÁS
Mapas de GOIÁS COLONIAL
MORADORES de RUA no BRASIL do SÈCULO XXI
Mitos
Com lap-top

Moritz, Alphons STÜBEL (1835-1904)  BRASIALIANA FOTOGRÁFICA

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