O BRASIL EM FEVEREIRO
de 1812
Fig. 01
– Nesta imagem de Nicolas
d'ESCRAGNOLLE TAUNAY (1768-1830) do RIO de JANEIRO, um pouco posterior a
1812, não há ainda menor vestígio da atividade industrial. As rudes
construções, por mais poéticas que pareçam, refletem a falta de artistas e
artesões. Alguns pastores entretidos com seu gado enquanto alguns monges mantéem
suaves tertúlias enquanto um deles especula por um teodolito ou luneta a paisagem
sem nenhuma utilidade imediata. Rio de Janeiro
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Enquanto Napoleão Bonaparte preparava, no
início de 1812, a sua catastrófica
investida sobre Moscou, a Corte no Brasil sofria na carne um dos seus erros
históricos cometidos antes, como aquele
Alvará Real do dia 05 de janeiro de 1785.
A rainha Maria I (1734-1816) que o assinara. Esta Rainha, quando no poder
efetivo havia aprovada, por este Alvará, a destruição de toda indústria na
Colônia Brasileira. Ela ainda estava viva, em fevereiro de 1812, mas quem
exercia o seu poder era seu filho o Príncipe Regente Dom João. Os prejuízos do
Alvará de 1785, além dos econômicos eram silenciosos e não eram percebidos à
primeira vista. Os prejuízos tornavam-se mais evidentes com o passar do tempo.
Eles se escancararam quando uma geração de profissionais qualificados havia
deixado a se formar desde 27 anos. Enquanto isto os países líderes avançavam na
1ª Era Industrial. O abismo humano e
tecnológico a vencer no Brasil era imenso e se aprofundava e agora inquietava a
corte. Assim, depois da migração da nobreza e da elite ao Brasil a Corte no Rio
de Janeiro, a corte tentava trazer para o Brasil os poucos artistas e artesões
que permaneceram em terras lusitanas devastadas pelas sucessivas invasões dos
exércitos napoleônicos. Contudo a medida não passava de mais um golpe do
legalismo lusitano e de propaganda do governo, sem nada resolver na prática.
Fig. 02
– A imagem de LISBOA desenhada
pelo ingleses na época da ausência da corte também não apresenta vestígios de
atividades de artistas, artesões e muito menos de qualquer indústria. Persistia
o marasmo que Miguel Ângelo ouvira de um dos seus assistentes portugueses.
Esta preocupação era uma das
notícias do CORREIO BRAZILIENSE DE FEVEREIRO, 1812 no setor da POLITICA
entre Documentos officiaes relativos
a Portugal publicado nas páginas
113 e 114.
EDICTAL. Pelo qual
se convidam os artistas de Portugal a emigrar para o Brazil.
A Real
Juncta da Fazenda da Marinha, em cumprimento da Immediala, e Real resoluçaõ dc
4 do corrente mez, faz pùblico a todos os operarios, e artistas das differentes
officinas de Carpinteiro de machado; de Ferreiro de forja e lima; de Latoeiro, e fundiçaõ; de
Caldeireiro; e de Cordoeiro que conheçaõ de Calda, e Estufa; que
voluntariamente quizerem passar para o Rio de Janeiro, dirigindo os seus
Requerimentos ao mesmo Tribunal, para a sua qualificaçaõ, se lhes fara
effectivo pagamento de tudo o que tiverem vencido, e de quatro mezes de avanço
de seus jornaes, pagando-se um logo aqui, e os tres à sua chegada aquella
capital, passando-se-lhes para isso os despachos necessarios, e dando-se-lhes
passagem, e ás suas respectivas familias, e racaõ diaria de Puraõ para cada um:
Outro sim se declara, que esta deliberacaõ se estende igualmente aos artistas,
e operarios, que se occupam nas oficinas, e destinos
do serviço público, e dos particulares.
Lisboa,
11 de Janeiro, de 1812. Manoel Joaquim
d,Oliveira Lage.
Fig. 03 – A mão
de obra que a corte encontrou, ao chegar ao Brasil, era a de escravos não especializados e recém
chegados da África. Não havia alguém capaz de orientá-los nos seus trabalhos forçados, visto com castigo
e sem lucro algum. O artista da Missão Artística Francesa, Jean Baptiste Debret
levou esta imagem para a Europa e a publicou em Paris em 1834
Este edital mereceu comentários do
mesmo número do Correio Braziliense os mais amplos no setor de Miscelânea
nas
página 252 até 254
Edictal para a emigraçaõ dos
artistas de Portugal.
A p. 113, publicamos uma ordem, que se diz
viéra do Rio de Janeiro, convidando a que emigrassem para o Brazil os artistas
de certas classes, que saõ alias de grande necessidade em Portugal; e
offerecendo-lhe todas as vantagens, que os podem induzir a fazello.
As
prohibiçoens, e restricçoens, que até agora tem existido, sobre o passarem os
Portuguezes de Portugal para o Brazil, ou do Brazil para Portugal, &c.
sempre as suppozemos injustas; porque naõ viamos que houvesse alguma
necessidade de quartar a liberdade natural do cidadaõ de se mudar de uma
provincia para outra, no mesmo Estado, tal qual se devem considerar Portugal, e
Brazil; porém passar agora ao outro excesso, e fazer effertas para que os
artistas uteis em Portugal abandonem este paiz, e se vam estabelecer no Brazil;
era o que os Portugalenses naõ tinham razaõ de esperar de seu Governo; vistos
os grandes sacrificios que estaõ fazendo, nesta guerra taõ desastrosa, para
sustentar a integridade da monarchia.
Fig. 04 – Outra imagem
que o artista da Missão Artística Francesa, Jean Baptiste Debret colheu no
Rio de Janeiro a partir de 1816 e levou esta para a Europa e a publicou em Paris em 1834. Um saber tradicional que o dono da loja está
impondo a chibatadas e palmatória.
Quando
naõ houvesse muitas razoens para os Ministros do Brazil naõ darem similhante
passo ; bastava a impolitica da medida, que de sua natureza indica um abandono
do paiz ? e parece dizer, que “havendo o paiz de perder-se, o melhor he
disfructallo em quando se pode, tirando lhe os artistas uteis".
Alguns escriptores Ingleses, traduzindo do nosso
Periodico a celebre ordem ao desembargo do Paço sobre as licenças das
impressoras noticiaram que nas contas publicas do anno de 1810 se acha o
seguinte ittem.
Sire Robert Walker e Companhia. pelas despezas de
duas imprensas mandadas de presente à S..
M. J. Regencia de
Portugal 706 17 -2
Diz um deles engraçadamente que “la he um pouco
duro, que naõ permita o louvar a constituição Ingleza, pelas mesmas imprensas,
que custaram o dinheiro Inglez. O Principe Regente, porem permitte que se imprimam obras sobre
as artes e ciências he pode
escrever-se sobre o modo de plantar batatas, e cousas semelhantes contente-se com isso que já não he
pouco; e não se intrometam com a
constituição Ingleza, que faz a nossa felicidade, os põem em estado de lhes
fazer presentes”.
Fig. 05 – O
comercio de escravos, sem a menor informação e preparo técnico, era o sustento de uma casta cujo poder era
imposto pela intimidação do relho e violência sem limites. Esta imagem do
artista Jean Baptiste Debret da Missão Artística Francesa, que ele levou para
a Europa e a publicou em Paris em 1834
O character em uma naçaõ he força real, e estas
medidas tendem a deprimir o character da naçaõ de certo a enfraqueçam : a nossa
reflectida e meditada opiniaõ de muito tempo a ésta parte, que a esta serie de
medidas erradas do Governo, he devido o grao de abatimento que chegou a naçaõ ;
e para tornar a trazer o povo Portuguez ao mesmo estado em que estivéra
d'antes, he preciso abandonar o systema seguido até aqui seguido, pelos
satélites do despotismo e sectários do
Godoyanismo.
Perguntaramos aos Ministros do Brazil ¿que
direito tem aquela província sobre Portugal, para a preferencia de possuir
artistas porque precisa mais
delles? î Naõ; porque o pezo da guerra
não o sofre o Brazil, mas sim Portugal, e portanto he nestte ultimo que se
precisam os artistas e gente util de todas as classes. Não porque os
Brasilienses o mereçam mais do que os Portugalenses naõ porque estes e naõ
aquelles saõ os que ardem actualmente na desolação, e se acham no centro da
miseria.
Fig. 06 – A rainha Maria I (1734-1816) o assinou o Alvará Real do dia 05 de janeiro de 1785, provocando a destruição de toda
indústria na Colônia Brasileira e a desqualificação de uma geração de mão de
obra especializada. Certamente a obra
foi dos seus cortesões que só lhe submeteram um lado da questão e pouco se
importavam com as consequências, como alerta o redator do Correio Braziliense.
Em fim naõ de outro motívo senaõ que a Corte
residindo agora no Brazil: e nos termos que esta predileçaõ do Governo a favor
de uma provincia e desvantagem das outras
he taõ perniciosa ao Estado como uma predileção de uma mãy ou de um pay, para algum dos filhos que
he causa de zelos, odios, e diassençoens na familia, que saõ muitas vezes
intermináveis. Eis aqui quando he summamente utill a liberdade de imprensa para
expor estes abusos em suas verdadeiras causas porque se obtem a assignatura do
Soberano, representando o negócio de uma face que parece vantajosa, e calando,
ja por ignorância já por outro motivos de resto dos argumentos de maneira que
o Soberano figura nisto como nas graças que concede, e saõ obtidas delle
subrepticia ou obrepticiamente.
Fig. 07 – O pano
de fundo das concepções em confronto era a concepção da origem do poder
político do Estado nacional. De um lado os que defendiam a origem divina e sagrada deste poder. Do outro era a concepção da origem
deste poder como uma delegação e um contrato aceito por todos e expressa como
na DECLARAÇÃO DOS DIREITOS do HOMEM e do CIDADÂO
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Evidente que estes
comentários são se ordem política e pouco tem a ver com a real natureza dos
artistas, artesões e uma preocupação consistente e coerente com suas condições
de sua formação efetiva. A briga para a sua presença tem mais a haver com o
horror com o trabalho manual e ao qual todo lusitano ou brasileiro tentou e
tenta fugir.
Fonte http://www.ciriosimon.pro.br/aca/aca.html
- ORIHENS DO INSTITUTO de ARTES –UFGRS
fls. 637 a 639
Fig. 08 – As ACADEMIAS e as ESCOLAS de ARTES e OFICIOS
vieram substituir as antigas guildas medivais dos artífices. A partir o
Renascimento o seu foco foi da preservação dos saberes, a defesa da classe e a
continuidade institucionalizada dos processos de ensino e aprendizagem
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No texto de Hipólito
José da Costa busca de fato argumentos a favor das leis inglesas e suas
esperanças era que o vasto reino lusitano, de sua época, seguisse pelo caminho
britânico que procurava manter a unidade do seu próprio mundo intacto,
articulado e coerente. Assim no sitema d mental do editor do Correio
Braziliense não havia sentido para a soberania brasileira. Mas este mesmo mundo
britânico havia visto a soberania dos Estados Unidos romper esta rede que
depois seria consagrado na figura do COMMONWEALTH. O Brasil seguiria pelo caminho dos
Estados Unidos. Esta mesma nação estava balançando apoio entre a Grã Bretanha e
França napoleônica. O Cooerio Brazilense registrava as repercussão desta
posição no seu número de fevereiro de 1812
ESTADOS
UNIDOS. A questao de guerra ou paz com a
Inglaterra continua ainda com a mesma indecisaõ em que tem estado ha dous
annos; o Congresso respira ainda os mesmos sentimentos hostis, que o Executivo,
mas ambos parecem estar plenamente convencidos dos males, de que a guerra os ameaça.
Com tudo decidio-se o levantamento de mais 25,000 homens para o seu exercito. A
indecisaõ dos Estados Unidos, entre França e a Inglaterra he sem duvida o peior
partido que podia tomar o Governo Americano.
Mesmo porque o General
Lafayete de tão grata memória para a soberania nacional atuava agora na França.
Não nas hostes de Napoleão mas com influência decisiva e da qual a jovem nação
americana reconhecia os méritos.
Contudo na Ilha do Albion
as noticias, do outro lado do Canal da Mancha, não eram nada animadoras, em
especial para o seu comércio no Mar Báltico. Assim na página 254 esta
preocupação ganhava corpo
FRANÇA.
Diz-se que o Imperador aperta seriamente a Russia, para
que se extingua de todo o commercio Inglez no Baltico; e para mostrar que falla
deveras, tem reforçando o seu exercito da Polonia.
Esta notícia era o
prelúdio da séria e devastadora investida da Armada Francesa contra os russos e
que eles apararam apesar da Moscou ocupada, mas vazia.
Contudo há necessidade
de retornar aos artistas e artífices lusitanos que a corte instalada no Rio de
Janeiro tentava atrair ao Novo Mundo. Não se possui no momento a eficácia do
edital e o número da artistas e artífices que se deixaram atrair por estas
vantagens governamentais. Contudo parece que a questão tinha de esperara a cada
de Napoleão Bonaparte e os artistas de sua corte, caídos em desgraça e
hostilizados pelo Regime posterior ao Tratado de Viena, se vissem coagidos em escolher entre ir para
Moscou ou para o Brasil. Com o seu Imperador na Ilha de Santa Helena, entre a
África e a América, certamente ficariam mais próximos dele na corte do Rio de
Janeiro do que na fria e hostil Moscou.
Mas, acima deste fato,
paira a natureza desta Missão Francesa, que trazia artesões os mais
qualificados, artistas capazes de dar esplendor e visibilidade nova para a
corte e artistas capazes de engendrar uma nova estética para substituir a
estética do barroco colonial e capazes de criar a semente de um processo de
ensino e aprendizagem orientado pela Enciclopédia Francesa. O REINO o Brasil
migrou, na concepção destes artistas franceses, para o regime IMPERIAL. Paris
serviu ao longo de um século como diretriz estética para a Civilização
Ocidental e na qual, graças a esta Missão, o Brasil se inscreveu e interagiu.
Os artistas e os artesões lusitanos de 1812, por mais qualificados que fossem,
pouco poderiam contribuir nestas diversas dimensões. Miguel Ângelo havia
mostrado a causa quando afirmou ao jovem Francisco de Holanda
“Nesta nossa terra
[Itália] até os que não estimam muito a pintura a pagam muito melhor que
em Espanha e Portugal os que muito a festejam, por onde vos aconselho, como a
filho, que não vos devíeis partir dela, por que hei medo que, não o fazendo,
vos arrependereis”. Miguel
Ângelo a Francisco de Holanda, 1955, p. 66
Fig. 09 – A LONDRES de 1872 numa gravura do artista francês Gustavo DORÈ
mostra o acumulo de gente, de materiais e de capitais. Este foi o cenário em
que o alemão Karl Marx buscou os seus elementos para escrever o
CAPITAL e as novas circunstâncias do trabalho humano sob a égide da máquina
e linha de montagem
Os
estrangeiros franceses formavam um corpo neutral frente às leis lusitanas-
tanto as editadas na América como na Europa. Motivados e dispostos a
transformar em totem o tabu lusitano apontado por Miguel Ângelo. Alguns deles
haviam estagiado na ‘Académie de France
à Rome’ da Itália ou Villa Medicis, criada por Colbert em 1663. Reforçado e
legitimados, com esta neutralidade, estavam infensos ao corpo jurídico formado
a partir dos antigos costumes coloniais lusos. Corpo jurídico colonial, que visava
apenas manter a reprodução do poder originário de um estamento fixo, único e
hegemônico na economia, na política e na sociedade. Se de um lado estes
franceses constituíam uma ameaça externa - a este grupo de dentro e à sua
lógica do sistema colonial - do outro, podiam exercer, sem reparos, aquele trabalho braçal característico da
época da primitiva Republica Romana e assim concorrer para esvaziar
progressivamente o estatuto da escravidão legal.
FONTES
HOLANDA, Francisco de
(1517-1584) Diálogos de Roma: da pintura antiga. Prefácio de Manuel
Mendes. Lisboa : Livraria Sá da Costa, 1955, 158 p.
CORREIO BRAZILIENSE Nº45 de FEVEREIRO de 1812 – Coleção Brasiliana -
USP
ALVARA de 05 de janeiro de 1785
proíbe indústria no Brasil
Jean
Baptiste DEBRET 1768-1848 – Viagem
Pitoresca
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