INTRIGAS de JORNAL e a CONVERSA de
SURDOS entre o PODER POLÍTICO e o PODER ECONÔMICO.
A
relação tumultuada entre o poder político e o poder econômico é tão antiga como
a humanidade e cheia de desconfianças, traições, corrupções e de poucas luzes
públicas.
Fig. 01 – Os
primeiros jornais impressos e divulgados pela primeira ERA INDUSTRIAL mereciam
a mesma fé dada aos textos sagrados e da
erudição clássica. Na medida em que o PODER POLÌTICO era inatingível, monocrático,
hermético e sagrado também a economia era
controlada por este poder. Restava aos jornais, ao público e súditos investir
pela especulação, por hipóteses absurdas e divagações cuja única prova era o
SIGILO zelosamente guardado pelo poder político e econômico. A proliferação de títulos e de jornais
impressos investia contra o PODER instituído que se considerava de ORIGEM
DIVINA e, portanto, inatingível.
Este
espaço foi uma mina de ouro para os primeiros jornais da ERA INDUSTRIAL. Assim
o CORREIO BRAZILENSE, de novembro de 1816, explorou este cenário por meio de um
diálogo fictício entre o rei de Portugal- Brasil e Algarves e o seu ministro
das Finanças.
Fig. 02 – Os não
convidados para os longos e caros “BEIJA MÃOS REAIS” e nem queriam ou tinha
tempo para isto possuíam uma fonte
permanente de intrigas, de maledicências
e suspeitas em relação a aqueles que se prestavam para esta vassalagem Os
investimentos econômicos, nestes faustosos eventos, tanto do trono como dos
vassalos era matéria jornalística mais do que suficiente para intrigas,
suspeitas ao gosto daqueles que liam e financiavam este tipo de imprensa.
REYNO
UNIDO DE PORTUGAL BRAZIL E ALGARVES.
Reflexoens
sobre as Novidades deste Mez.
CORREIO
BRAZILIENSE DE NOVEMBRO, 1816. VOL.
XVII. No. 102. 3 z
Miscelânea,
p.661 até 667
Finanças
do Brazil.
Se
a abilidade de um individuo, de augmentar suas riquezas, fosse por si só
bastante para qualificar alguém a ser administrador das finanças de um reyno,
sem duvida Targini, Baraõ do quo quer que he que nos naõ lembra, devia
reputar-se um excellente financeiro. He verdade, que poderíamos aqui applicar o rifaã Hespanhol "Quien cabras no tiene y cabritos vende de
algures le viene." Targini escrevente do Erário, sem
outros bens mais que o seu minguado salário, acha.se elevado a Thesoureiro-mor
do Erário, Baraõ, e homem riquíssimo; administrando um Erário, que sempre se
acha pobre. Ninguém dirá que estas matérias saõ segredo de Gabinete, que naõ
convém que nenhum do povo examine.
Fig. 03 – O Tesoureiro
Francisco Bento Maria TARGINI era o culpado de tudo e de plantão. Enquanto isto
o rei era sagrado, monocrático e se
confundia com Estado. Qualquer crítica pessoal ao soberano podia ser reprimida
e castigada severamente. A alternativa era desgastar, desqualificar e
investir contra a imagem de quem administrava os bens reais e da nação. Havia
uma tropa de pretendentes e de concorrentes
ao cargo exercido pelo Visconde de São Lourenço.
O
Erário he o deposita das contribuiçoens do povo: a bem do povo se devem
empregar as suas rendas; o Erário rico pode gastar em cousas que enriqueçam a
naçaõ; o Erário pobre naõ he capaz de promover os estabelicimentos nacionaes,
que exigem despezas do Governo; logo as circumstancias, que occasionam a
riqueza ou pobreza do Erário, naõ devem ser matéria de segredo de Gabinete, mas
sim um ponto, em cujo exame pôde entrar todo o individuo da naçaõ ; porque a
todos isto toca de mui perto.
Fig. 04 – O
Regente e depois Rei Dom João VI aproveitou os vastos conhecimentos e práticas
de Francisco Bento Maria TARGINI como seu Tesoureiro. Este havia trabalhado
para o Marquês de Pombal, depois para Maria I e enfrentou os gastos da
transferência da corte ao Brasil tão bem como a montagem da corte no Rio de
Janeiro. Targini dominava várias
línguas clássicas e modernas. Introduziu a filosofia de Kant em Portugal e
traduziu para o português o Paraiso Perdido
Explicaremos,
pois, o pouco que por agora intentamos dizer nesta matéria; suppondo que El Rey
mandara chamar Targini, e tinha com elle uma conferência, sobre o estado actual
do Erário; no que se passava o seguinte dialogo:
Rey. Preciso de uma
somma considerável para fortificar as fronteiras do meu reyno do Brazil, crear
uma boa marinha de guerra, chamar para este paiz artistas e povoadores da
Europa ¿diz.ei-me, Thesoureiro-mor, quaes saõ os restos das despezas, e as
poupanças, que tendes feito nas minhas rendas?.
Thesoureiro. Restos,
Senhor! O Erário naõ tem um real; V. M. está pobre; as rendas naõ chegam para
as despezas.
Rey. ¿ Como pôde o meu
Erário estar pobre, sendo eu o Soberano de um paiz, em que se produz o ouro, os
diamantes, o assucar, o caffe, o arroz, o algodão, e tantos outros objectos preciosos
e em tanta abundância, qqe nenhum outro paiz do mundo o excede ?
Thesoureiro.
Senhor, tudo isso será assim, mas as despezas saõ tam
consideráveis, que para ellas naõ chegam as reudas.
Rey.
¿ Quo despezas temos nós a fazer, que sejam mais
consideráveis, que as de outros Estados de igual grandeza, (por exemplo os
Estados Unidos) aonde o Erário naõ padece a pobreza, que aqui se allega ?
Thesoureiro.
Os Estados Unidos naõ tem Casa Real que sustentem, nem o
Clero, nem eutras muitas cousas, que nós cá temos.
Rey.
Valha-me a fortuna; ahi vem as despezas da Casa Real em
primeiro lugar; pois principiemos por diminuir estas. Eu commigo nao gasto mais
do que outro individuo meu vassallo, e o que ha de mais he para sustentar o
decoro da Coros, com criados, cavallos, carruagens, &c.; e ainda assim
envergonho-me de ser puchado em uma carruagem velha, com duas mulas miseráveis,
e dous lacaios esfaimados ; mas disso mesmo me quero privar, para dar o exemplo
de economia ; e espero quo o meu Thesoureiro-mor fará o mesmo, largando metade
do seu ordenado.
Thesoureiro.
Deus tal nao permitia. Os ordenados das pessoas
empregadas saõ mui tênues, a mal lhe chegam para viver.
Rey.
Isso naõ pode ser; ¿ pois como ajuntastes riqueza para
comprar casas, terras, e metter dinheiro nos fundos do Banco da Inglaterra, se
o vosso ordenado vos nao chega para viver?
Thesoureiro.
Senhor, ha outra cousa, que V. M. naõ repara, e he, a
necessidade de sustentar a dignidade Real, com os criados, cavallos,
carruagens, &c. ; e tudo isto requer despezas.
Rey.
Ja me fallastes nisto outra vez. Eu estou capacitado de
que todos os meus vassallos estimariam, que eu gastasse dobrada somma na
sustentação da dignidade Real; porque isso mesmo he gloria e esplendor para o
Reyno ; com tanto que se naõ dissipassem as rendas do Erário, que saõ
applicaveis a ou. trás despezas publicas ; mas ja disse, que ainda assim, e
para dar exemplo, quero diminuir essas despezas da Casa Real. Porém a questão
he { como podeis vôs estar tam rico, oaõ teudo tido bens patrimoniaes, e dizereis
ao mesmo tempo, que os ordenados apenas chegam para viver.
Thesoureiro.
Senhor, eu naõ fallava de mim ; mas sim das despezas da
Casa Real.
Rey.
He ja terceira vez que fallacs nisso; estou prompto a
diminuillas—que outras despezas ha que admitiam diminuição?
Thesoureiro.
As despezas da Casa Real he certo que saõ mui
consideráveis; porém eu naõ posso aqui de repente dizer, quaes sejam as outras
que se possam diminuir.
Rey.
Pois nem ao menos podeis dizer ¿, se podeis ou naõ
dispensar parte do vosso ordenado ?
Thesoureiro.
Se formos a bulir com tudo, por força havemos de diminuir
também as despezas da Casa Real, e a minha lealdade e amor a V. M, naõ me
permittem que pense em tal.
Rey.
Uma vez por todas, eu sou o primeiro a querer diminuir as
despezas de Casa Real; naõ me falleis mais nisso: saibamos quaes saõ os outros
gastos,que se fazem, e podem admit. tir diminuição.
Thesoureiro.
Eu, quanto mim, Senhor, ficarei sem nada, se V- M. assim
o determina.
Rey.
Tal nao desejo, quem serve deve ser pago. Mas dizci-me ¿
de que viveis, se vos naõ chegam os vossos ordenados, ou de que viviries se
continuasseis a servir sem ordenado ?
Thesoureiro.
Das minhas economias.
Rey.
¿Que economias pode fazer, quem naõ tem rendas para
economizar ?
Thesoureiro.
Eu cá me arranjaria com as minhas linhas.
Rey.
Quizéra eu que applicasseis essas tinhas a traçar algum
plano, para que os pagamentos andassem cm dia; e naõ fosse eu atormentado com
ouvir fallar em rebates do que tem de pagar o Erário.
Thesoureiro.
Senhor os rebates saõ necessários, e os rebatadores gente
mui útil.
Rey. Ao Erário naõ
podem os rebatedores ser úteis; por que o Erário sempre paga a divida por
inteiro.
Thesoureiro.
Mas saõ úteis ao indivíduos a quem os rebatedores
adiantam o pagamento, para depois o receberem do Erário.
Rey.
Mas o credor do Erário quando rebate paga usuras
horrorosas.
Thesoureiro.
Isso naõ pode deixar de ser, pela incerteza em que está o
rebatedor do tempo em que ha de receber a divida do Erário.
Rey.
Eis ahi justamente o que Eu queria ver remediado; pois
ainda que o Erário naõ pudesse pagar em dia, pouíam os pagamentos fazer-se por
ordem alphabetica, datas, ou outras divisoens, demaneira que todos soubessem
quando lhe cabia a sua vez de ser pago, sem que nem o Thesoureiro-mor, nem
algum outro official do Erário pudesse fazer mercê ou injuria a ninguém com
indevidas preferencias, de que se queixam todos, e Eu naõ sei, nem tenho meios
de averiguar, se com razaõ ou sem ella.
Thesoureiro.
Eu naõ posso impedir, que os calumniadores emas línguas
faltem; nem está no meu alcance faz ar novos planos de finanças.
Rey. Más línguas
sempre houve no Mundo, mas he preciso, que se tirem os motivos de suspeita,
estabelecendo tal ordem dos pagamentos, que ninguém possa fazer preferir os
pagamentos de seus afilhados aos de outros que naÕ tem padrinhos. E quanto aos
plano» a este respeito, eu devo espcrállos do Thesoureiro-mor ; porque o seu
officio naõ he outro senaõ fazer os pagamentos do Erário em boa e devida forma.
Thesoureiro.
Creia V. M. que tudo quanto se diz a respeito do máo
arranjamento do Erário he sem fundamento. Só eu sei o que me custa alcançar o
dinheiro para os pagamentos ; pois o Banco naõ me quer nunca ajudar; e até se
me dificultam os saques para a Inglaterra.
Rey.
Ouvi dizer, qne as ultimas letras, que daqui sacou o
Erário sobre os Administradores dos Contractos Reaes em Londres, fôram sacadas
a quasi 3 por cento mais caras, do que éra o preço do Cambio na praça { porque
razaõ perdeo o Erário esta diferença.
Thesoureiro.
Senhor as despezas da Casa Real obrigaram-me a fazer
esses sacrifícios, para ter dinheiro com que as supprir.
Rey.
¿ Outra vez as despezas da Casa Real ?
Thesoureiro.
V. M. prohibio-me que fallasse nas despezas da Casa Real,
quanto ao futuro, mas isto he quanto ao passado, o que eu digo.
Rey.
Quem foi o corretor, que negociou essas letras, com a
differença de 3 por cento.
Thesoureiro.
Eu naõ sei que houvesse tal differença de tres por cento.
Rey.
Naõ vos pergunto isso; pergunto-vos quem foi o Corrector
que negociou as letras.
Thesoureiro.
Supponho, que foi Samuel.
Rey.
Pois manda-me cá a Samuel, e lhe preguntarei se houve nas
dietas letras a tal differença de 3 por cento demais do cambio corrente na praça;
e se eu achar que tal differença houve; quero ser informado da razaõ.
Thesoureiro.
Veja V. M. que se nos mettemos nisso, he preciso examinar
as contas das despezas da Casa Real.
Rey.
Pois bem; se eu achar, que todas as extravagâncias das
despezas publicas, saõ para a Casa Real; como eu naõ tenho culpa diso, eu o
direi publicamente ao meu Povo; e lhe declararei que tal naÕ he minha vontade,
e elles me acredita, raõ : deixemos pois isso ; manda-me cá o Samuel, que quero
examinar o negocio das letras.
Thesoureiro.
Qual Samuel ?
Rey.
Pois naõ me dissestes, que suppunhas que o Corrector das
letras fora Samuel ? He esse Samuel quem eu quero examinar.
Thesoureiro.
Naõ sei aonde está, uns dizem que foi para Inglaterra,
outros que está doente; e outros . . .
Rey.
Basta. Chegará o tempo de ajustarmos contas. Naõ digo que
sejas culpado; porque se o pudera dizer, do meu dever fora castigar-vos; porém
digo, que a repetição quo tendes feito, em fallar das despezas da Casa Real, e
o naõ explicares o negocio das letras naõ he de quem sabe e entende da
administração das rendas publicas ; mas sim de quem deseja embaralhar; e se naõ
dereis disto a conveniente satisfacçaõ será preciso declarar-vos indigno do
lugar que occupaes. Fazei publicas as publicas contas; e com isto mostrareis
que entendeis do vosso officio, e que sois homem honrado; e senaõ cada um
julgará o que lhe parecer.
O
diálogo, reproduzido acima, não possui outra fonte e ninguém que o assine, a
não ser o Redator do CORREIO BRAZILENSE. Este texto constitui uma amostra espaço que foi uma mina de ouro para os
primeiros jornais da ERA INDUSTRIAL. Os jornais a mídia do Brasil de novembro
de 2016 continuam a explorar o pensamento que está atrás deste texto do diálogo
fictício de novembro de 1816. Esta exploração é possível na medida em que se
encontram ainda no mesmo cenário armado graças
a mesma opacidade entre o poder político, legislativo e econômico. Em relação a
novembro de 1816 o cenário atual apenas criou outros véus. Os bancos ingleses
agora são bancos refugiados nas alvuras
alpinas.
Fig. 05 – O
personalismo e o culto do EU absoluto, onipotente, onisciente e eterno estava
distante de expressar uma política coerente com a vasta esfera politica
lusófona expressa nas posses do Reino Unido Portugal, Algarves e Brasil. Na
contramão desta unidade estava em marcha a ERA INDUSTRIAL e busca de mercados
para as máquinas e a reserva de mercados e que em novembro de 2016 formam um
imenso bazar planetário Os meios de comunicação continuam a jogar as
intrigas entre o mundo político e econômico para gaudio de massas humanas cada
vez mais numerosas e cada vez mais domesticadas entre o terror e as recompensas
materiais possíveis nestes territórios em migalhas.
De
outro lado o uso da imprensa e dos meios de comunicação não menos opacos. Nesta
semiescuridão arma-se espaço para o jogo cênico e cínico de interesses que o
leitor não possui meios de averiguar. Especialmente no regime monocrático,
centralista e personalista que ainda persiste no Brasil de novembro de 2016. O número de novembro do Correio Braziliense é
um “ARMAZEM LITERÁRIO” repleto de argumentos, de sentenças, de meias verdades
jornalísticas e prontas para serem aquecidas para despejá-las no ventilador da
mídia atual. Mídia tecnicamente adiantada mas que conserva a sua essência o
poder de intriga, de surpresas e de desestabilização
de qualquer paradigma contrário ao seus interesses.
Fig.
06 – O refúgio do poder político brasileiro no Planalto Central não foi
suficiente para torná-lo imune ao poder econômico e os ataques dos meios de
comunicação. Estes se armaram e passaram a intrigar em rede nacional e
internacional. De outro lado também não há nenhuma
novidade, pois o jornal de Hipólito José
da Costa era editado e impresso em Londres e distribuído nos navios fretados ao
serviço da bandeira britânica.
FONTES
NUMÉRICAS DIGITAIS
CORREIO BRAZILENSE novembro de 1816
FRANCISCO
BENTO MARIA TARGINI
FRANCISCO
BENTO MARIA TARGINI: ataque e defesa
Intrigas de CORREIO BRAZILENSE
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